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A precarização do trabalho como sintoma de uma doença maior.

  • Foto do escritor: Redação
    Redação
  • 1 de nov.
  • 4 min de leitura

Desde a redemocratização no Brasil, ouvimos um discurso acerca da modernização do país, com diversas iniciativas do Estado para sua desburocratização e a regulamentação de todas as relações daí advindas.


Sob a batuta do governo, procedeu-se à desestatização do país, com a venda de diversas estatais que atuavam em áreas tidas como chaves. Criou-se também mecanismos judiciais para tratar de causas de menor valor, como os Juizados de Pequenas Causas, que posteriormente passaram a se chamar Juizado Especial Cível, dentre outras mudanças mais perceptíveis.


Essa paulatina redução do Estado veio a reboque do fim do modelo Keynesiano, no qual cabia ao Estado a intervenção econômica como agente regulador e indutor da atividade econômica. O modelo buscava o pleno emprego e a inserção de garantias sociais amplas, formando o que chamamos de “Welfare State” (Estado de Bem-Estar Social).


Esse modelo nasceu na crise de 1929 e se ampliou após 1945, com o fim da Segunda Grande Guerra, perdurando até as crises econômicas da década de 1970. Foi nesse período que o Welfare State se mostrou ineficaz para lidar com os problemas que pipocavam no mundo.


A resposta econômica foi proposta por Milton Friedman e Friedrich Hayek, que trouxeram o neoliberalismo como boia de salvação do sistema capitalista.


A justificativa dos teóricos é que as proteções sociais implementadas pelos Estados eram a causa da inflação e dos problemas econômicos. Ou seja, a solução era retirar o gasto com políticas sociais e incentivar a atividade econômica, reduzindo a intervenção estatal.


Até hoje vemos um debate teórico acerca da redução do gasto público e do aumento dos incentivos para a atividade econômica. Aqui no Brasil, defende-se o fim dos benefícios sociais, a redução dos serviços públicos, a desregulação da atividade econômica e os incentivos empresariais. O governo deixou de ser o motor da economia para permitir que o mercado se autorregulasse.



Acompanhamos a redução dos serviços de saúde prestados, a precarização do ensino público, com altos investimentos dos setores econômicos na educação (escolas, institutos e universidades particulares), diversas reformas previdenciárias e a Reforma Trabalhista de 2017. Nela, direitos foram tratados como privilégios, e instituiu-se a presunção de que a livre negociação entre empresários e trabalhadores era verdadeira.


Para quem não sabe, o contrato de trabalho é, antes de tudo, um contrato de adesão. A única coisa que é discutida é a remuneração, e, na grande maioria das vezes, a opção é: “Ou você aceita, ou outro aceita”.


Paulo, quando você vai falar sobre o tema do texto: a precarização como o sintoma de uma doença maior?

Estou chegando lá!


A sociedade passou a ter o indivíduo como valor central, em vez da coletividade. Ao invés do Estado de Bem-Estar, passou-se a incentivar que o indivíduo fizesse pelo Estado. Ou seja, em vez de um gasto, o cidadão passou a ser pressionado a contribuir mais com o governo na forma da “criação de riqueza”.


Esse foco na atividade econômica permitiu uma maior acumulação de dinheiro. Hoje, apesar de a sociedade produzir muita riqueza, poucos podem usufruir dela. Toda a precarização de serviço público, e agora do trabalho, tem como escopo a redução da importância do ser humano frente à economia, a redução da importância da sociedade em razão do dinheiro.

E isso ainda é um sintoma.


A verdadeira doença que faz com que todas essas precarizações apareçam é o individualismo exacerbado. Este, ao mesmo tempo que retira do Estado os gastos sociais, estimula o investimento em atividades empresariais. Seu foco não é em quem "cria" a riqueza e como ela pode reverter para a sociedade, mas sim no “gênio” por trás da criação, e em quanto mais ele pode acumular.


Esse individualismo chega ao ponto de tratar como fraca a pessoa empática. Isso não quer dizer que nós não tenhamos que colocar nossas pretensões em segundo plano, mas sim que nosso bem-estar também depende do bem-estar do outro.


Assim, cria-se a ilusão de que devemos deixar nossa marca no mundo; que nossa existência nos torna um ser divino e especial; que quem está à nossa volta deve nos reverenciar e agradecer por estar em nossa companhia; que nós sempre temos razão, e o problema é que os outros não nos entendem.



Essa ilusão do gênio incompreendido vem justamente dentro desse individualismo narcisista que permeia toda a estrutura econômica hoje. Ao mesmo tempo em que se fala da necessidade de dar importância ao ser humano, somente indivíduos especiais merecem essa importância, estimulando esse comportamento narcisista.


Vamos chamar de Narcisismo Social a doença que hoje nos atinge e reduz nossa capacidade de empatia com pessoas que desconhecemos. Nela, os líderes empresariais são vistos como seres especiais.


Infelizmente, enquanto a sociedade não entender que dependemos uns dos outros, vai se achar normal alguém “perder tudo”. Foi nesse narcisismo social que surgiram os questionamentos acerca da eficácia do conhecimento científico, onde pessoas que se acham mais importantes que toda a ciência produzida foram estimuladas a comportamentos egoístas.


No fim, o humano continuará sendo o lobo do humano, mas o narcisista será um lobo maior.

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