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Os Césares sem pátria

  • Foto do escritor: Rey Aragon
    Rey Aragon
  • há 1 dia
  • 7 min de leitura

Dentro das instituições, uma frente de governadores, empresários e parlamentares da extrema-direita redesenha o país por dentro — sem tanques, mas com algoritmos, discursos e leis.


Sob o disfarce moral da guerra ao “narcoterrorismo”, governadores de extrema-direita afrontam o Supremo Tribunal Federal, corroem a Constituição e atuam como agentes internos de uma ofensiva estrangeira que transforma a segurança pública em arma de submissão nacional.

O Golpe Invisível



O Brasil vive um golpe que não precisa de tanques, generais ou marchas sobre a Praça dos Três Poderes. É um golpe de gestão, de narrativa e de linguagem. Um golpe que opera dentro da legalidade aparente, nas entranhas da burocracia e nas sombras do discurso público. Seus executores não vestem fardas, mas ternos; não marcham pelas ruas, mas legislam, sancionam, decretam e discursam. Chamam-se governadores, parlamentares, empresários, comunicadores — os novos Césares sem pátria. Ocupam o Estado não para defendê-lo, mas para domesticá-lo ao interesse estrangeiro, transformando cada esfera da política em zona de ocupação cognitiva. O poder já não se impõe pela força, mas pela adesão. É o império da persuasão disfarçada de patriotismo, da obediência voluntária travestida de liberdade. Sob a máscara do zelo pela ordem, essas elites refazem o mapa da soberania: esvaziam a Constituição, capturam as instituições e transferem ao capital transnacional o comando da economia, da segurança e da informação. O golpe invisível não destrói o Estado — ele o mimetiza. A cada lei, a cada decreto, a cada operação policial televisada, o país se parece mais consigo mesmo e, ao mesmo tempo, menos com uma nação. É a ocupação perfeita: aquela em que o invadido acredita estar governando.

O Pretexto Perfeito — o Narcoterrorismo



Toda guerra precisa de um inimigo moralmente aceitável. Para os novos Césares sem pátria, ele atende pelo nome de “narcoterrorismo”. O termo, importado da doutrina norte-americana de segurança, surgiu como retórica da guerra às drogas, mas no Brasil tornou-se uma ferramenta de guerra política. Ao invocar o “narcoterrorismo”, governadores e parlamentares de extrema-direita criam a ficção de uma ameaça interna tão ampla que qualquer exceção constitucional parece legítima. Sob o pretexto de proteger o cidadão, transformam as periferias em territórios inimigos e a segurança pública em laboratório de controle social. Não se trata apenas de repressão, mas de engenharia ideológica: um experimento de obediência coletiva, onde o medo substitui o pensamento e a violência se converte em linguagem de governo. O “narcoterrorismo” é a nova senha para justificar chacinas, suspender direitos e violar decisões do Supremo Tribunal Federal. É também a palavra mágica que abre portas em Washington e em escritórios de lobby de segurança internacional, onde a soberania brasileira é negociada sob o disfarce da cooperação. Enquanto o império redefine o mapa militar do Atlântico Sul, esses governadores oferecem seus estados como vitrines do alinhamento. O combate ao crime é apenas a narrativa; o objetivo real é transformar o território nacional em plataforma da geopolítica estrangeira. A guerra ao “narcoterrorismo” é a guerra contra a soberania — e o inimigo, afinal, é o próprio Brasil.

A Rebelião dos Governadores



A insubordinação deixou de ser um ato de ruptura para se tornar método de governo. Um grupo de governadores — unidos pela retórica da extrema-direita e pelo culto à autoridade — ergueu um consórcio informal de poder paralelo. São eles os novos príncipes de um feudalismo contemporâneo, que governa territórios inteiros em desobediência civil disfarçada de autonomia federativa. O Rio de Janeiro de Cláudio Castro transformou-se em vitrine do autoritarismo policial: ali, a chacina se tornou política pública e a exceção virou rotina. Em São Paulo, Tarcísio de Freitas desafia abertamente o Supremo Tribunal Federal, ridiculariza decisões judiciais e defende anistia para golpistas condenados, apresentando a impunidade como gesto de conciliação. Em Goiás, Ronaldo Caiado convoca a desobediência contra a Corte Suprema como se o país precisasse de outro motim institucional. Em Minas, Romeu Zema refinou o discurso: troca o grito pela ironia, mas dissemina as mesmas distorções que corroem a confiança no Estado Democrático de Direito. Cada um, à sua maneira, participa de uma rebelião contínua que fragmenta a soberania e alimenta a narrativa da ingovernabilidade. Não precisam de armas nem tanques — basta-lhes a retórica. Quando um governador afronta a Constituição, ele não fala só ao seu eleitorado: ele fala à estrutura simbólica do Estado. E, ao corroer essa estrutura de dentro, pavimenta o caminho para a desintegração do pacto nacional. No Brasil de agora, a guerra civil não é entre regiões ou partidos; é entre a legalidade e o poder que finge respeitá-la.

O Congresso Capturado



Nenhum império se sustenta apenas com soldados; precisa de escribas. No Brasil, esses escribas vestem terno e falam em nome do povo. O Congresso Nacional tornou-se a grande arena da desinformação institucionalizada, onde o bolsonarismo sobrevive travestido de governabilidade. Ali, a linguagem da lei serve para reescrever o pacto democrático em câmera lenta. Os mesmos governadores que desafiam o Supremo encontram eco em suas bancadas: deputados e senadores que transformam o ressentimento em programa de poder. Da bancada da bala ao agronegócio exportador, o Legislativo age como um braço civil do golpismo. Projetos de anistia, CPIs fabricadas, manobras regimentais e ameaças veladas ao Judiciário compõem a nova liturgia da destruição institucional. Não é mais a política que regula a violência — é a violência que dita a política. Enquanto isso, o Centrão negocia o preço da fidelidade, equilibrando-se entre o autoritarismo emergente e os recursos do Executivo, sem perceber que também está sendo devorado pela máquina que alimenta. O resultado é um Parlamento paralisado em sua função republicana e hiperativo em sua função destrutiva: legisla para o caos, normatiza o ressentimento e trata a soberania como moeda de troca. O Brasil assiste, impotente, à metamorfose da representação: de guardiã da democracia a operadora de sua erosão. E quando o Legislativo se converte em instrumento de desestabilização, o Estado de Direito se torna apenas uma ficção jurídica em papel timbrado.

A Nova Doutrina da Entrega



Toda dominação precisa de uma teoria que a justifique. A doutrina da extrema-direita brasileira é a da entrega travestida de soberania. Seu manual é simples: transformar a segurança pública em teologia, o mercado em destino e a submissão em patriotismo. Sob o manto do combate ao “narcoterrorismo”, os governadores e suas bancadas reconstruíram o velho mito da dependência como virtude nacional. A retórica do “combate ao crime” é apenas o verniz moral de um projeto econômico e geopolítico que transfere o comando do Estado brasileiro ao capital estrangeiro e às suas tecnologias de vigilância. As câmeras, os algoritmos e os sistemas de inteligência policial tornaram-se a nova fronteira da colonização: o império não precisa mais de bases militares quando pode operar por redes de dados e contratos de nuvem. Essa doutrina é o reflexo tropical do trumpismo: mistura religião, paranoia, empreendedorismo e autoritarismo em uma só narrativa redentora. Cada operação policial transmitida ao vivo é uma missa política; cada decreto de exceção, uma oração pela “ordem”. A população é mantida sob hipnose moral, acreditando que o inimigo está na favela enquanto a soberania escorre pelos cabos de fibra ótica e pelos acordos de cooperação assinados nas embaixadas. O resultado é um país que parece autônomo, mas age como colônia — uma nação onde as elites falam de liberdade enquanto terceirizam o futuro. Essa é a nova doutrina da entrega: a rendição ideológica que transforma a obediência ao império em projeto de Estado.

O Cenário de 2026 — O Ano da Batalha Silenciosa



O Brasil caminha para 2026 como quem atravessa um campo minado acreditando estar em um jardim. A guerra híbrida já não é uma hipótese; é o ambiente político. As próximas eleições não decidirão apenas quem governará o país, mas se o país continuará a existir como Estado soberano. De um lado, o governo federal tenta recompor a institucionalidade, equilibrando crescimento econômico e estabilidade democrática; do outro, uma frente de governadores, parlamentares e empresários da extrema-direita articula a captura total do aparelho estatal. Essa coalizão opera em duas frentes simultâneas: no plano simbólico, busca deslegitimar o STF, o Executivo e as universidades; no plano material, avança sobre orçamentos, forças policiais e sistemas de informação, transformando o Estado em um campo de experimentação privatizado. As eleições de 2026 serão o teste final da soberania brasileira. O discurso da pacificação — embalado em promessas de eficiência, segurança e livre mercado — tentará reabilitar o bolsonarismo sob nova roupagem, com Tarcísio, Zema ou Caiado posando de “moderados”. Mas o objetivo real é reinstalar o Estado liberal-autoritário, subordinado ao capital internacional e blindado contra qualquer projeto popular. Se essa aliança vencer, o Brasil voltará ao mapa colonial do século XXI: produtor de commodities, importador de tecnologia e exportador de obediência. O golpe de 2026 não será declarado; será legitimado nas urnas, consagrado pela mídia e aplaudido pelos mercados. E quando o império for celebrado como parceiro, a soberania deixará de ser uma palavra constitucional e passará a ser apenas um eco histórico.

A Pátria como Último Território



Os Césares sem pátria não marcham sobre Roma; marcham sobre Brasília, sobre cada escola, sobre cada tela. São os administradores da obediência e os sacerdotes do vazio. Transformaram o Estado em empresa, o povo em estatística e a soberania em mito de conveniência. Falam em Deus, mas servem ao mercado; prometem ordem, mas entregam submissão. O Brasil, que já resistiu a golpes de baioneta e ditaduras declaradas, agora enfrenta sua forma mais sutil de ocupação: a que se disfarça de democracia. A bandeira segue tremulando, o hino continua tocando, as instituições funcionam — mas o sentido de nação evapora como uma lembrança. A guerra híbrida venceu quando fez o povo confundir vigilância com proteção e entreguismo com pragmatismo. Ainda assim, há resistência. Ela não está nos palácios nem nas manchetes, mas na memória coletiva que insiste em chamar o país de casa. Resistir, hoje, é recusar o cinismo. É não aceitar que a soberania seja um luxo, que o futuro seja uma concessão e que o Brasil, seja um projeto estrangeiro. Em tempos de Césares sem pátria, amar o Brasil é um ato revolucionário — e o último território a ser defendido é o da consciência.

1 comentário


Luiz Mattos
Luiz Mattos
há 6 horas

Em qualquer democracia seriam fuzilados

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