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A esquerda e a política como espetáculo

  • Foto do escritor: Rey Aragon
    Rey Aragon
  • há 3 dias
  • 10 min de leitura

Quando a esquerda abdica da análise materialista para se entregar ao personalismo e ao palco algorítmico, a luta política vira caricatura — e a organização de base, detalhe.


Transformar a política em show, podcasts e cortes de redes é negar a correlação de forças como método histórico. O radicalismo performático, travestido de marxismo, nada mais faz do que alimentar o grotesco da política-espetáculo e enfraquecer a luta de classes.

O negacionismo de esquerda como “Terra plana”



Há uma patologia que ronda parte da esquerda contemporânea e que precisa ser nomeada com toda a clareza: o negacionismo de esquerda. Não se trata aqui de negar fatos científicos ou estatísticos, como fazem os obscurantistas da extrema-direita, mas de algo igualmente grave do ponto de vista da luta de classes: negar a correlação de forças. Transformar a política em um território de abstrações voluntaristas, onde a vontade pura e a performance digital substituem a análise concreta da realidade objetiva, é tão irracional quanto afirmar que a Terra é plana. É a recusa em compreender que a política não se faz no vazio, mas em campos de disputa delimitados pelo poder econômico, pelas instituições, pela consciência popular e pelas dinâmicas históricas que nenhum algoritmo pode dissolver.


Quando setores da esquerda, travestidos de radicalismo, apostam todas as fichas no espetáculo — no corte de podcast, na “live” inflamada, na performance de palco diante de uma plateia fascistizada — estão, na prática, renunciando à política como método e ciência. E aqui está o cerne do problema: negar a correlação de forças é trair a própria tradição marxista-leninista, que sempre entendeu que a revolução exige tática, estratégia e disciplina, nunca histrionismo de redes. O personalismo e o radicalismo performático não apenas deseducam politicamente a base: alimentam o inimigo, que faz da exposição de quadros de esquerda mero combustível para o grotesco midiático.


Vivemos numa era em que a política foi rebaixada ao estatuto de espetáculo, exatamente como descreveu Guy Debord. Mas a lógica da mercadoria-espetáculo encontrou, nas plataformas digitais e em seus algoritmos de engajamento, uma versão ainda mais perversa. O que se premia não é a formação de consciência, mas a indignação tóxica, a polêmica barata, o corte de efeito. Nesse cenário, o negacionismo de esquerda — essa recusa em levar a sério a análise de correlação de forças — cumpre um papel devastador: transforma a própria esquerda em caricatura, em espetáculo para o deleite do adversário.


O resultado é um duplo suicídio político: de um lado, a extrema-direita sai fortalecida, ocupando com naturalidade o terreno da propaganda digital; de outro, a esquerda dilui seu potencial histórico em vaidades individuais, em “autosselfies” travestidas de radicalismo. É a política sem política, o marxismo sem método, a luta sem estratégia. É o terraplanismo político disfarçado de crítica.

A correlação de forças no marxismo-leninismo



Nenhum conceito é tão maltratado pelos negacionistas de esquerda quanto o de correlação de forças. Para o marxismo-leninismo, ela não é um detalhe secundário, tampouco um cálculo de conveniência: é o próprio núcleo da análise estratégica. Ignorá-la equivale a agir de olhos vendados em um campo de batalha.


LENIN foi categórico ao denunciar o infantilismo esquerdista como uma “doença” que fragiliza a luta revolucionária. O voluntarismo que despreza o terreno real, que recusa compromissos táticos e alianças transitórias, não é sinal de radicalidade, mas de imaturidade política. Ao fundar a estratégia bolchevique, Lenin sabia que a força não estava apenas na convicção subjetiva dos militantes, mas no modo como o partido se movia diante das condições objetivas, do inimigo e do povo. Avançar quando as massas estão paradas, recuar quando a correlação não permite vitória, compor frentes táticas para isolar o adversário principal — tudo isso é método, não concessão.


GRAMSCI, por sua vez, refinou esse conceito ao destrinchar a correlação de forças em três níveis inseparáveis: o econômico-corporativo, o político e o ético-hegemônico. No primeiro, estão as forças materiais, o controle da produção, a organização do trabalho. No segundo, o grau de articulação e consciência das classes e seus partidos. No terceiro, o campo das ideias, da cultura, da legitimidade. É nesse tripé que se decide o possível e o impossível de cada conjuntura. Quem ignora essa dialética transforma a luta de classes em delírio moralista ou em performance para plateias virtuais.


Ao renunciar a esse método, os negacionistas de esquerda convertem o marxismo em caricatura. Confundem intransigência com radicalidade, ignoram que as alianças e compromissos são parte da estratégia revolucionária e, no limite, acabam por sabotar a luta que dizem travar. Porque não há revolução sem partido, sem povo organizado, sem leitura concreta da realidade concreta. A correlação de forças é o que separa a política revolucionária da política-espetáculo.

A política como espetáculo: da sociedade do espetáculo ao algoritmo



Guy Debord, em sua clássica formulação sobre a sociedade do espetáculo, já havia diagnosticado que a vida social, no capitalismo avançado, é mediada por imagens e representações que substituem a experiência real. No século XXI, com a mediação algorítmica, essa lógica se radicalizou: não se trata apenas de viver através de imagens, mas de viver para os algoritmos. A política, arrastada para esse vórtice, deixa de ser disputa de projeto histórico e se converte em mercadoria de consumo rápido — cortes, cliques, métricas de engajamento.


É neste terreno que floresce o grotesco: debates que mais lembram reality shows, transmissões que funcionam como arenas de gladiadores digitais, e a promessa ilusória de “furar bolhas” que, em realidade, apenas fortalece a lógica algorítmica da polarização. Os estudos recentes são uníssonos: os algoritmos de engajamento não premiam a formação política, mas sim a indignação, a toxicidade e o choque. A performance exaltada, o insulto teatral, o corte “viralizável” se tornam mais valiosos que qualquer ideia ou projeto. O resultado é um ciclo de reforço: quanto mais grotesco o espetáculo, maior a sua circulação — e mais rebaixada a política.


Nesse cenário, a participação de quadros da esquerda em formatos desenhados para o entretenimento não representa ousadia, mas capitulação. Ao se expor em podcasts infestados de fascistas, em lives estruturadas para o escárnio, esses militantes não disputam hegemonia: oferecem a própria imagem como combustível para o inimigo. Cada argumento sério é transformado em corte descontextualizado, cada frase é reempacotada como mercadoria de engajamento — e a luta política vira espetáculo para a plateia já fascistizada.


É preciso compreender que o espetáculo é diversionismo. Ele desloca a luta de classes para a encenação, dissolvendo a seriedade estratégica em show. Ao transformar a política em produto algorítmico, cria-se uma esquerda performática que, ao invés de organizar, diverte; ao invés de educar, entretém; ao invés de formar consciência, gera cliques. O espetáculo não é apenas perda de tempo: é terreno do inimigo.

O circo grotesco: comunistas contra vinte fascistas



Não há nada de heroico em colocar um militante comunista para enfrentar vinte fascistas em um podcast ou programa de “debate” digital. A cena, repetida à exaustão nas redes, é apresentada como coragem, ousadia, até como “furo de bolha”. Mas, na realidade, trata-se de um teatro montado para a derrota. A correlação de forças é esmagadoramente desfavorável: a audiência é majoritariamente fascistizada, o terreno é controlado pela lógica algorítmica da extrema-direita e os cortes do programa já nascem destinados a transformar a intervenção de esquerda em mercadoria para o inimigo.


A assimetria é gritante. Não se trata de um embate racional em busca da verdade, mas de uma armadilha espetacularizada. O militante que aceita esse papel se converte em personagem de reality show, equiparado ao grotesco da extrema-direita, nivelado pela lógica do “todos são iguais, apenas brigam entre si”. A performance pode ser brilhante, mas será triturada pelo moedor de clipes, títulos chamativos e memes depreciativos. No fim, a extrema-direita sai fortalecida porque domina a narrativa, e a esquerda sai fragilizada porque entrega seus melhores quadros para a chacota do espetáculo.


Essa fórmula do “comunista contra vinte fascistas” não educa, não forma, não organiza. Ao contrário, reforça a percepção de que a política é entretenimento e que todas as posições são equivalentes no mercado da opinião. É a banalização da luta de classes, transformada em circo grotesco. O que poderia ser uma intervenção pedagógica vira espetáculo do grotesco, servindo apenas para aumentar a audiência e engordar os bolsos de quem lucra com a despolitização.


Aceitar esse papel não é estratégia: é capitulação. É a negação da política como método e ciência, a abdicação da luta de classes em favor da vaidade individual. É aceitar ser peça num tabuleiro em que as regras são ditadas pelo inimigo. E na guerra cultural do século XXI, entrar no terreno do inimigo sem força organizada e sem hegemonia é equivalente a entregar armas antes mesmo da batalha começar.

Personalismo e a “autosselfie”: a vaidade travestida de radicalismo



O personalismo é uma das doenças mais corrosivas da esquerda contemporânea. Em tempos de política-espetáculo, ele se traveste de radicalismo, mas, no fundo, é apenas vaidade em busca de curtidas e notoriedade. O quadro que deveria ser formador e organizador se converte em performer; a luta coletiva é substituída pela “autosselfie”, onde cada aparição pública serve mais para inflar o ego do indivíduo do que para fortalecer a classe trabalhadora.


Essa lógica personalista não é apenas um erro tático: é um crime estratégico contra a própria luta de classes. Porque transforma a política em vitrine, não em trincheira. O militante que deveria ser dirigente se converte em celebridade de rede, sujeito a métricas de engajamento e algoritmos que jamais serão neutros. A imagem substitui a pedagogia; o corte de podcast substitui a formação de base; a vaidade individual suplanta a organização coletiva.


Marx e Lenin sempre alertaram contra a idolatria dos indivíduos. O marxismo-leninismo não é uma religião de santos ou mártires, mas um método científico de análise e transformação social. Quando a esquerda se curva ao personalismo, abandona esse método e se rende à lógica burguesa do estrelato. O resultado é uma esquerda fragmentada, onde cada figura disputa holofotes como se fossem bastiões de poder real, quando, na prática, não passam de peças descartáveis no tabuleiro do capital.


O personalismo não organiza, não educa, não acumula forças. Ele se esgota na mesma velocidade com que viraliza. E, ao contrário do que aparenta, não fortalece a esquerda: a enfraquece, porque troca a construção coletiva e paciente da hegemonia por ganhos individuais efêmeros. A vaidade travestida de radicalismo é, portanto, um desvio que precisa ser denunciado com toda a dureza. Quem escolhe a “autosselfie” ao invés da organização de base não é revolucionário: é oportunista.

O contraste histórico: organização de base versus espetáculo



A história da esquerda no Brasil e no mundo é clara: onde houve transformação real, houve organização de base. Onde houve espetáculo, houve derrota. Essa é a linha divisória que separa a política revolucionária da política de vaidade.


O MST e o MTST são exemplos vivos dessa lição. Não se tornaram referências apenas por ocupar terras ou erguer acampamentos: construíram escolas, círculos de estudo, práticas permanentes de formação política, disciplina coletiva e pedagogia popular. Cada assentamento, cada ocupação, foi também uma sala de aula de marxismo vivo, uma experiência concreta de solidariedade e de autogestão. Não há espetáculo nisso. Há paciência, método, sacrifício. E é exatamente por isso que esses movimentos resistem, crescem e se tornam exemplos para o mundo inteiro.


O espetáculo algorítmico, ao contrário, não constrói nada. O corte de podcast não forma consciência, não organiza células, não multiplica núcleos de base. É entretenimento vazio, que se dissolve no ciclo de engajamento da semana seguinte. A esquerda que se deixa capturar por essa lógica abandona sua vocação histórica e troca o poder real por aplausos digitais. É a substituição da disciplina revolucionária pela lógica do “influencer”.


A pedagogia revolucionária exige tempo e seriedade. Exige estudo sistemático, trabalho de base paciente, organização de núcleos, formação cultural e política da classe trabalhadora. Exige reconhecer que a luta de classes não se vence em estúdios iluminados por neon, mas no chão da fábrica, no campo, nas periferias, nas universidades, nos sindicatos, nas ruas. É ali que se acumulam forças reais; é ali que se decide a história.


Ao contrapor a paciência do trabalho de base com o imediatismo do espetáculo, vê-se com clareza quem está do lado da luta real e quem apenas se diverte com o grotesco. É essa diferença que separa a esquerda estratégica da esquerda performática. E, na luta pela hegemonia, só a primeira tem chance de vencer.

A falácia da crítica “supostamente marxista”



Há quem, em meio ao espetáculo, se apresente como herdeiro da crítica marxista. Declamam frases de efeito, citam Marx e Lenin em tom inflamado, e vestem a máscara de radicalidade. Mas, na prática, abandonam o núcleo duro do método: a análise concreta da realidade concreta. Esse é o ponto em que a “crítica supostamente marxista” revela sua verdadeira face — não é marxismo, é idealismo travestido, é performance que se assemelha mais ao pós-modernismo do que à tradição revolucionária.


O marxismo-leninismo não é um conjunto de slogans, mas um método científico. Exige investigar a estrutura econômica, mapear as forças políticas em jogo, identificar alianças possíveis e limites táticos. Exige disciplina e estratégia. Quem ignora a correlação de forças, em nome de uma pureza abstrata, cai no mesmo erro que Lenin denunciou: o esquerdismo como doença infantil. O radicalismo performático, ao desprezar as condições objetivas, não rompe com a lógica do capital — ao contrário, a serve, porque transforma a política em espetáculo e dissolve a seriedade revolucionária em vaidade.


Essa falácia da “crítica marxista” alimenta-se da estética, não da política. Ela se move pela lógica do algoritmo, não pela lógica da luta de classes. É o marxismo de palco, produzido para o corte viral, incapaz de organizar sequer um núcleo de base. E aqui está a ironia cruel: enquanto esses supostos radicais se apresentam como mais “puros” que todos, acabam sendo, na prática, funcionais ao inimigo, pois desarmam a esquerda de sua principal arma — a análise científica da realidade.


Trata-se, portanto, de um desvio idealista que não fortalece a classe trabalhadora, mas fragiliza sua capacidade de luta. E é por isso que deve ser combatido com toda a dureza. Porque não há nada mais antimarxista do que transformar o marxismo em espetáculo.

Conclusão — Entre o espetáculo e a luta



A política não é palco de vaidades, nem laboratório de performances digitais. É campo de batalha. E, como em qualquer batalha, a primeira regra é medir a correlação de forças. Quem a ignora, quem a trata como detalhe menor ou obstáculo ao radicalismo performático, pratica um negacionismo tão nocivo quanto o terraplanismo. É a recusa em enxergar a realidade tal como ela é — e não como gostaríamos que fosse.


Negar a correlação de forças é negar o marxismo como método científico. É dissolver o legado de Marx, Lenin e Gramsci em espetáculo algorítmico. É substituir a disciplina revolucionária pela lógica do corte de podcast, a organização de base pelo personalismo, a pedagogia popular pela “autosselfie”. No fim, resta apenas caricatura: uma esquerda que se apresenta como radical, mas que alimenta, com sua própria vaidade, o grotesco da extrema-direita.


A luta de classes não se vence com cliques, mas com organização. Não se vence com cortes virais, mas com disciplina coletiva. Não se vence com personalismo, mas com hegemonia construída pacientemente na base. O espetáculo é diversionismo; a luta é estratégia. O espetáculo dissolve forças; a luta as acumula.


O recado é simples e duro: ou a esquerda escolhe a luta real — com formação, organização e seriedade estratégica — ou se converte em entretenimento para o inimigo. Não há meio-termo. Quem aposta no espetáculo já escolheu o lado da irrelevância histórica. Quem aposta na organização de base, no método marxista-leninista e na disciplina da luta, pode ainda escrever a história.

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