Conferência debate desafios da IA para direitos sociais e soberania no Brasil
- Rey Aragon
- há 2 minutos
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Encontro histórico reúne sindicatos, academia, movimentos sociais, políticos e sociedade civil para discutir como enfrentar o poder das Big Techs, democratizar a tecnologia e garantir uma regulação soberana da inteligência artificial.
A inteligência artificial já está entre nós, reorganizando o trabalho, os serviços públicos e a vida cotidiana. Se não for disputada, pode aprofundar desigualdades e dependência tecnológica. A I Conferência Nacional “IA com Direitos Sociais” surge como espaço histórico onde sindicatos, universidades, movimentos sociais, políticos e sociedade civil se unem para afirmar: a tecnologia deve servir ao povo, garantir direitos e fortalecer a soberania do Brasil. É um chamado urgente para transformar a IA em instrumento de emancipação, não de dominação.
Introdução — O ponto de inflexão

Vivemos um tempo em que a inteligência artificial deixou de ser metáfora futurista para se converter em força estruturante da realidade presente. Ela já decide se um trabalhador terá crédito, se um paciente terá acesso a um exame, se um processo judicial será acelerado ou travado. Está na palma da mão, nos aplicativos que organizam o transporte, a entrega de comida, a compra no supermercado. Mas, ao mesmo tempo em que oferece eficiência e velocidade, a IA carrega o risco de se tornar a nova engrenagem de exploração e dependência.
A história mostra que nenhuma tecnologia é neutra. A máquina a vapor não foi apenas um invento técnico: foi a base da exploração industrial. A eletricidade não foi apenas luz: foi o motor da expansão do capital. Hoje, a inteligência artificial é o algoritmo do século, e a pergunta que se impõe é: a quem servirá essa técnica? Se não houver disputa, servirá às Big Techs, aos conglomerados financeiros, aos interesses estrangeiros que veem no Brasil apenas um repositório de dados e mercado de consumo. Mas se houver organização, consciência e luta, ela poderá ser colocada a serviço do povo, como ferramenta de emancipação, proteção social e soberania nacional.
O que está em jogo, portanto, não é apenas inovação tecnológica. É a disputa pelo futuro do trabalho, pela democracia informacional e pelo controle do nosso destino coletivo. Estamos diante de um ponto de inflexão histórico. E a decisão não pode ser adiada: ou tomamos as rédeas da IA agora, ou seremos governados por algoritmos invisíveis que reduzem pessoas a perfis de dados, trabalhadores a engrenagens descartáveis e direitos sociais a linhas de código.
Direitos sociais sob ataque algorítmico

A inteligência artificial não é apenas uma ferramenta de apoio, mas um novo patrão invisível. Nos aplicativos de transporte e entrega, algoritmos decidem quem recebe corridas, quem é punido, quem ganha mais ou menos — tudo sem negociação, sem transparência e sem possibilidade real de recurso. A gestão algorítmica se tornou a mais sofisticada forma de controle do trabalho já inventada: monitoramento permanente, metas ocultas, avaliação automática. O trabalhador não negocia com um gerente, mas com um cálculo inatingível que mede produtividade em milissegundos.
Esse processo não fica restrito às plataformas digitais. Setores tradicionais também sofrem a infiltração da IA: teleatendimento, educação, saúde, logística e até mesmo o setor público. Professores são avaliados por métricas automatizadas de desempenho; enfermeiros recebem escalas geradas por softwares que maximizam “eficiência” e ignoram a sobrecarga humana; servidores públicos têm sua rotina reorganizada por sistemas que otimizam fluxos sem considerar condições reais de trabalho.
Ao mesmo tempo, a IA aprofundou o desemprego estrutural. Funções administrativas, tarefas repetitivas e até atividades intelectuais intermediárias estão sendo substituídas por sistemas de automação. O discurso empresarial é sedutor: “a IA libera tempo para tarefas criativas”. A realidade é dura: milhões de postos são eliminados sem qualquer política de transição, sem requalificação real e sem garantia de renda. O custo da inovação é jogado sobre os ombros da classe trabalhadora, enquanto os lucros se concentram nos acionistas.
E há ainda um outro risco: a discriminação algorítmica. Modelos de IA reproduzem os vieses presentes nos dados que os alimentam. Isso significa que trabalhadores negros, mulheres, pessoas com deficiência ou moradores de periferias podem ser penalizados por sistemas supostamente neutros. A desigualdade histórica é reescrita em linhas de código e ganha aparência de objetividade.
O resultado é um cenário de ataque direto aos direitos sociais conquistados ao longo de décadas. O direito a condições dignas de trabalho, à remuneração justa, à não discriminação, à seguridade social, tudo pode ser corroído pela lógica de plataformas que transformam cidadãos em dados e direitos em métricas.
É por isso que a conferência propõe um ponto de virada: colocar na mesa a exigência de que qualquer implementação de IA seja acompanhada de relatórios de impacto laboral e social, de mecanismos de auditoria independentes e de garantias mínimas de transparência. Porque sem essas salvaguardas, a inteligência artificial não é progresso, é retrocesso travestido de inovação.
Democratizar a tecnologia para não ser governado por ela

A inteligência artificial é hoje a nova fronteira da dependência tecnológica. Quem controla a infraestrutura controla o destino da tecnologia — e, portanto, o futuro dos povos. O problema é que hoje essa infraestrutura está concentrada em poucas empresas globais que monopolizam servidores, nuvens, chips e dados. As chamadas Big Techs não vendem apenas serviços: vendem soberania alheia em troca de contratos leoninos, travestidos de inovação.
Sem democratização da tecnologia, o Brasil se arrisca a repetir sua velha posição na divisão internacional do trabalho: exportador de dados brutos e importador de produtos acabados. Assim como no passado exportávamos café e importávamos máquinas, hoje entregamos dados de milhões de cidadãos para, em troca, consumir plataformas opacas que reforçam a dependência.
A democratização exige três pilares inseparáveis. Primeiro, infraestrutura pública: clusters de computação, nuvens de governo e data centers soberanos precisam estar sob controle nacional, com acesso garantido a universidades, órgãos públicos, sindicatos e cooperativas. Segundo, dados como bem coletivo: informações produzidas pelo povo não podem ser privatizadas por contrato, mas sim governadas por conselhos públicos, abertas à pesquisa e utilizadas de forma justa para políticas sociais. Terceiro, conhecimento acessível: sem formação técnica massiva, a sociedade continuará refém da opacidade algorítmica. É preciso formar trabalhadores, gestores públicos e cidadãos para entender, fiscalizar e até desenvolver suas próprias ferramentas de IA.
O que está em jogo é mais do que acesso a software: é a capacidade de um país decidir seu futuro. Sem democratização, a inteligência artificial será apenas a continuação digital da colonização econômica e política. Com democratização, pode se tornar a base de um novo projeto popular, capaz de transformar dados em justiça social, técnica em emancipação e algoritmos em ferramentas da democracia.
A técnica como trincheira do povo

Se a técnica é o campo de batalha do nosso tempo, ela não pode permanecer apenas nas mãos de engenheiros corporativos ou executivos de Big Techs. Apropriar-se da técnica é transformar a inteligência artificial de objeto de consumo em ferramenta de luta. Não se trata apenas de usar aplicativos, mas de decidir como, para quê e para quem essa tecnologia será desenvolvida.
Durante séculos, trabalhadores foram tratados como engrenagens de máquinas. Agora, corremos o risco de sermos reduzidos a meros insumos de dados para sistemas que controlam ritmos, metas e até a permanência em um emprego. Romper essa lógica exige que o povo deixe de ser objeto e se torne sujeito do processo tecnológico.
Isso significa, em primeiro lugar, criar espaços de coautoria tecnológica: laboratórios vivos onde sindicatos, universidades e comunidades desenvolvem suas próprias soluções de IA para problemas reais — da ergonomia no trabalho à gestão de transporte público, da saúde preventiva à educação. A técnica só será emancipatória quando nascer da experiência concreta de quem vive as dores e desafios cotidianos.
Em segundo lugar, significa fortalecer o cooperativismo de plataforma: entregadores, motoristas, professores e trabalhadores de serviços digitais podem construir aplicativos próprios, governados democraticamente, onde os algoritmos não servem ao capital de acionistas, mas à renda e à dignidade coletiva. Para isso, é preciso crédito, acesso a infraestrutura e suporte técnico público.
Por fim, apropriar-se da técnica é também garantir formação popular. Não basta treinar elites tecnocráticas; é necessário alfabetização algorítmica para trabalhadores, gestores públicos e cidadãos comuns. Só assim será possível quebrar o monopólio simbólico que faz parecer natural que apenas “especialistas” decidam o destino da IA.
A técnica, quando apropriada pelo povo, deixa de ser instrumento de dominação e se transforma em trincheira de resistência e emancipação. A luta pela soberania da IA não é apenas jurídica ou política: é também cultural e pedagógica. Porque o verdadeiro poder nasce quando cada trabalhador, cada estudante e cada cidadão entende que também pode ser autor da tecnologia que organiza sua vida.
Regulação soberana e controle democrático

Nenhum discurso de inovação pode se sobrepor a um princípio básico: quem regula, governa. Se a inteligência artificial reorganiza o trabalho, define políticas públicas e influencia a vida de milhões, é impensável deixá-la nas mãos exclusivas do mercado. Sem regulação soberana, a IA vira o cavalo de Troia do capital global, capaz de corroer direitos e neutralizar a capacidade de decisão do Estado.
A regulação não é um freio burocrático — é o único mecanismo capaz de garantir transparência, justiça e soberania. Isso significa estabelecer marcos claros para usos de alto risco: saúde, educação, justiça, segurança pública e mundo do trabalho. Nestes campos, cada sistema de IA deve passar por avaliações de impacto social e laboral, com consulta pública e participação sindical. Decisões automatizadas precisam ter revisão humana qualificada e mecanismos de contestação acessíveis.
Mas regular também é usar o poder de compra do Estado como alavanca. O governo é o maior contratante de tecnologia do país; se exigir cláusulas de transparência, auditoria, residência de dados e portabilidade, criará padrões que o mercado privado terá de seguir. O contrato público vira instrumento de política tecnológica, quebrando o monopólio de fornecedores e evitando o aprisionamento digital.
Ao mesmo tempo, é fundamental garantir órgãos de controle com capacidade técnica: TCU, CGU, ANPD, MPT, defensorias e tribunais precisam ter equipes aptas a auditar algoritmos, verificar vieses e impor sanções. Sem essa musculatura, a regulação vira letra morta.
Por fim, a regulação soberana só se legitima quando é também democrática. Isso exige conselhos tripartites com trabalhadores, gestores e sociedade civil; exige consultas públicas transparentes; exige que os relatórios e auditorias sejam publicados e acessíveis. Porque não basta criar regras: é preciso assegurar que elas sejam visíveis, compreensíveis e aplicadas com justiça.
No fim, regular é afirmar soberania. É dizer que o futuro da IA não será definido em escritórios do Vale do Silício, mas em assembleias democráticas, universidades públicas, sindicatos e instituições que representam o povo. É colocar a técnica sob o crivo da política, e a política sob o crivo da democracia.
A importância da Conferência

É nesse cenário de riscos e possibilidades que a I Conferência Nacional “IA com Direitos Sociais” se torna um marco histórico. Não é apenas um encontro de especialistas, mas a convergência de sindicatos, universidades, movimentos sociais, entidades, políticos e sociedade civil em um mesmo espaço. Essa união é rara e poderosa: significa que o futuro da inteligência artificial no Brasil não será discutido apenas em laboratórios ou gabinetes, mas também nas assembleias de trabalhadores, nas salas de aula, nas comunidades e nas instituições democráticas.
A conferência tem um valor simbólico profundo. A abertura no Sindicato dos Metalúrgicos do ABC evoca a memória de lutas históricas da classe trabalhadora; o prosseguimento na UFABC projeta a centralidade da ciência e da universidade pública no debate tecnológico. Essa escolha de locais é mais que logística: é narrativa política. O evento nasce no coração da luta sindical e se projeta para o espaço da produção científica, selando a aliança necessária entre trabalho e conhecimento.
Mas a importância da conferência não é apenas simbólica: é estratégica. Ali serão discutidos relatórios de impacto laboral, auditorias algorítmicas, cláusulas de soberania em compras públicas, trusts de dados e modelos abertos. Ali será forjada uma Carta de princípios e compromissos que pode servir como guia de ação para sindicatos, parlamentares, gestores públicos e movimentos sociais. É a oportunidade de transformar denúncias em propostas concretas, e propostas em plano de ação.
Mais que um evento, a conferência é um ensaio de futuro: um espaço de construção coletiva onde se disputa o lugar do Brasil no tabuleiro da inteligência artificial. Se será um país submisso, consumindo soluções importadas e sacrificando direitos, ou se será um país soberano, capaz de transformar a IA em instrumento de justiça social, depende da capacidade de articulação que nasce ali.
Conclusão — Um chamado urgente

A inteligência artificial já está redesenhando os contornos do trabalho, da democracia e da soberania. O dilema é nítido: ou ela será ferramenta de emancipação social, ou se tornará o mais sofisticado mecanismo de dominação já visto. Essa escolha não está nas mãos de engenheiros distantes nem de CEOs do Vale do Silício — está nas mãos de quem se organiza, participa e luta para definir os rumos da técnica.
É nesse espírito que a I Conferência Nacional “IA com Direitos Sociais” precisa ser entendida: não como um evento isolado, mas como a construção de uma frente de resistência e criação. Um espaço onde trabalhadores, acadêmicos, entidades, movimentos sociais, políticos e sociedade civil se encontram para afirmar que o Brasil não será colônia algorítmica. Ali se disputa se nossos dados serão entregues ou governados, se nossos direitos serão corroídos ou fortalecidos, se a técnica será trincheira de dominação ou de emancipação.
O chamado é simples e urgente: participar é resistir, e resistir é decidir o futuro. A conferência é o primeiro passo para transformar a IA em instrumento de justiça social, transparência democrática e soberania nacional. O futuro não está dado — está em disputa. E é agora que precisamos escolher de que lado da história queremos estar.
🚨 I Conferência Nacional “IA com Direitos Sociais” 🚨
📅 2 e 3 de outubro de 2025📍 São Bernardo do Campo – SP
Trabalhadores, sindicatos, academia, movimentos sociais e sociedade civil unidos para discutir:✨ Impactos da inteligência artificial no trabalho e nos direitos sociais✨ Soberania digital e controle das Big Techs✨ Regulação democrática e justa da IA
👉 Dia 2/10 – Recepção no Sindicato dos Metalúrgicos do ABC👉 Dia 3/10 – Programação principal na UFABC (Campus São Bernardo do Campo)
⚡ O futuro da tecnologia está em disputa. Participe, organize-se, construa soberania!
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