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Frente Ampla Pra Quem?

  • Foto do escritor: Rey Aragon
    Rey Aragon
  • 9 de jul.
  • 9 min de leitura

A A ilusão da conciliação em tempos de guerra híbrida só fortalece os inimigos do povo. 2026 exige trincheira, não acordo.


Enquanto Lula resiste a uma máquina de sabotagem que vem de dentro e de fora, setores da política voltam a flertar com uma “frente ampla” que já se provou fraca, inconsistente e descomprometida. Mas a história não aceita repetições farsescas: ou se organiza o campo popular com base firme no projeto desenvolvimentista, ou 2026 será entregue, de bandeja, ao inimigo.


Compreensão da conjuntura.



A política brasileira chegou a julho de 2025 como um organismo exposto, sem defesas imunológicas suficientes para enfrentar o ataque coordenado que vem sendo desferido por dentro e por fora do corpo institucional do país. As últimas semanas foram emblemáticas: enquanto o ex-presidente Donald Trump voltou a mirar diretamente o STF, acusando-o de perseguir Bolsonaro — numa clara tentativa de interferência na soberania nacional —, a base parlamentar do governo desidratava ainda mais após a rejeição de dois projetos estratégicos para a retomada da indústria nacional. Em paralelo, ministros de Estado viram seus próprios partidos se aliarem ao bloco oposicionista, traindo não só o governo, mas a ideia mesma de coalizão e governabilidade.


A ideia de uma nova frente ampla para 2026, propagada por setores da imprensa e por figuras do próprio governo, emerge nesse contexto como uma caricatura desprovida de análise estratégica. Não é apenas inadequada: é suicida. Propor uma frente ampla sem aprender com o que se tornou o governo atual — prisioneiro de interesses contraditórios, refém de um Congresso adverso, sabotado pela elite econômica e midiática — é repetir os erros com ainda mais ingenuidade. E, em tempos de guerra híbrida, ingenuidade é rendição.


A conjuntura não permite ilusões: a luta de classes no Brasil voltou a se apresentar em sua forma mais crua e desavergonhada. As elites não disfarçam mais seu ódio aos pobres. O projeto de país que sustenta Lula — centrado em soberania, reindustrialização, inclusão e proteção social — está em xeque. Mas essa ofensiva, como toda crise profunda, traz também uma possibilidade: a de organizar a resistência de forma estrutural, duradoura e com nítido horizonte programático.


Trump, ao atacar as instituições brasileiras, ofereceu uma oportunidade. O inimigo mostrou o rosto. Mas a resposta só será à altura se o campo progressista abandonar os ritos conciliatórios que já se provaram ineficazes. A história se radicalizou — e exige, agora, respostas radicais em defesa da democracia, da soberania e do povo trabalhador.


A leitura da correlação de forças.



Nenhuma estratégia política sobrevive à negação da realidade objetiva. E a realidade que se impõe ao governo Lula em 2025 é brutal: o Executivo não possui base de sustentação sólida no Congresso Nacional. Pior — grande parte dos partidos formalmente ligados à coalizão governista têm se comportado como adversários dissimulados, sabotando projetos centrais da agenda econômica, social e institucional do governo. Dados da própria liderança governista mostram que, em votações decisivas, cerca de 60% dos votos de partidos com assento no ministério foram contra o Planalto. A isso se soma o fisiologismo sem pudor de bancadas que, mesmo indicadas ao governo, vendem apoio ao melhor lance de ocasião.


Essa contradição estrutural não é um detalhe: é o ponto de estrangulamento da governabilidade. E quem propõe uma "frente ampla" para 2026 desconsidera o coração dessa armadilha. A aliança que elegeu Lula em 2022 cumpriu sua função tática — derrotar o neofascismo eleitoralmente —, mas revelou-se incapaz de se converter em bloco de poder efetivo, coeso e comprometido com um projeto nacional-desenvolvimentista. Persistir nessa fórmula, dois anos e meio depois, é pedir que o mesmo veneno cure o envenenado.


O quadro é ainda mais grave porque não se trata apenas de ausência de votos no Congresso. Trata-se de uma guerra cultural e informacional em curso. O Legislativo, dominado majoritariamente por uma elite rentista, privatista e neocolonial, não representa o povo — representa os interesses que querem desmontar o Estado, transformar o Brasil em entreposto de exportação de commodities e precarizar o trabalho até seu último suspiro. Em qualquer país em guerra híbrida, o campo institucional é o primeiro a ser corrompido. E aqui, o Congresso já é uma trincheira ocupada por forças que têm lado — e ele não é o do povo.


Diante desse cenário, uma frente para 2026 que pretenda repetir o equilíbrio instável de 2022 apenas prolongará o impasse. Se Lula deseja governar com soberania, precisará de uma nova correlação de forças — baseada não em conchavos frágeis, mas em alianças programáticas firmes. Isso passa, necessariamente, por eleger uma bancada fortemente progressista, comprometida com o projeto de país que está em disputa. Qualquer cálculo eleitoral que ignore essa base material estará condenado à impotência política.


Guerra híbrida e cultural: ofensiva conservadora acima das disputas domésticas.



Quem ainda insiste em ler a crise política brasileira como um embate restrito às disputas internas não entendeu nada — ou finge não entender. A ofensiva contra o governo Lula e contra o Estado brasileiro não nasce apenas do bolsonarismo ou do centrão fisiológico: ela está ancorada em um projeto internacional de desestabilização dos governos progressistas e das instituições nacionais soberanas em países do Sul Global. A guerra travada no Brasil é híbrida, permanente, e sua base de operação está longe das fronteiras nacionais.


Nos últimos dias, o ex-presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, protagonizou um dos mais explícitos episódios de ingerência sobre a política interna brasileira. Em postagem em sua rede social particular, Trump declarou que o ex-presidente Jair Bolsonaro estaria sendo “perseguido por um sistema judiciário corrupto” e que “o Brasil precisa se libertar”. Em seguida, a embaixada norte-americana emitiu nota endossando as declarações do ex-presidente republicano. Não se trata de retórica: é parte de uma operação de legitimação internacional do neofascismo tupiniquim e de criminalização da institucionalidade brasileira.


Mas esse movimento não é isolado. As big techs norte-americanas, aliadas históricas do conservadorismo global, operam como braços logísticos da guerra cultural. Controlam o fluxo informacional, amplificam conteúdos que atacam o governo, censuram seletivamente vozes progressistas e financiam, por meio de publicidade e redes de influência, parlamentares e figuras públicas alinhadas ao projeto neoliberal-autoritarista. O capital algorítmico tem lado — e ele é funcional à destruição dos laços de solidariedade social e das instituições que ainda sustentam o pacto civilizatório mínimo no Brasil.


É esse o pano de fundo da atual crise institucional: a desestabilização do governo Lula interessa a um consórcio transnacional que vê no Brasil um território estratégico para seus interesses geoeconômicos e simbólicos. Interessa às elites financeiras, aos fundos de investimento que lucram com a política de juros altos, à indústria extrativista que rejeita regulações ambientais e à oligarquia midiática que se alimenta da antipolítica e do ressentimento.


A guerra híbrida não se contenta em vencer eleições — ela precisa destruir a confiança da população em suas próprias instituições, transformar a política em farsa e instaurar a apatia como norma. E é exatamente por isso que a resposta não pode ser conciliatória. Não há diálogo possível com um projeto que deseja, estruturalmente, o colapso do Estado e a mercantilização absoluta da vida.


A falácia da “frente ampla” sem firmeza programática.



A expressão “frente ampla” carrega, à primeira vista, uma aura conciliatória, quase romântica — como se bastasse reunir diferentes espectros do campo democrático para barrar o avanço autoritário. No entanto, num cenário como o atual, essa ideia se revela não apenas inócua, mas perigosamente regressiva. É preciso dizer com clareza: frente ampla, hoje, sem compromisso orgânico com um projeto desenvolvimentista soberano, é apenas uma embalagem nova para os mesmos interesses que sabotam o governo por dentro.


A frente que levou Lula ao terceiro mandato em 2022 cumpriu seu papel: derrotou o neofascismo nas urnas. Mas não gerou compromisso político de longo prazo. A eleição revelou-se um armistício temporário, não uma aliança duradoura. Prova disso é a traição recorrente de partidos “aliados” que votam sistematicamente com a oposição, corroendo as bases legislativas do governo, mesmo ocupando ministérios. Esse parasitismo institucional não pode ser repetido em 2026. Seria caminhar rumo ao abismo com os olhos bem abertos.


O projeto de reconstrução nacional que Lula tenta implementar exige uma base comprometida, disposta a romper com os paradigmas neoliberais, a enfrentar a dependência tecnológica, a reverter a financeirização da economia, a recuperar a centralidade do trabalho e a reindustrializar o país com soberania. Trata-se de um projeto de longo prazo que não pode ser refém de alianças oportunistas. Ou se constrói uma frente de conteúdo, com bases políticas e ideológicas claras, ou o país seguirá imobilizado, sem rumo e sob ataque permanente.


A conciliação pela conciliação — que marca boa parte da história da Nova República — produziu a crise que vivemos. Ela domesticou as reformas estruturais, blindou os privilégios, naturalizou o rentismo e abriu espaço para o crescimento do antipetismo, do fascismo social e da criminalização da política. Repetir esse modelo em nome da “estabilidade” seria o mesmo que oferecer um pacto de rendição antecipada ao inimigo.


A hora é de radicalizar a democracia — e isso exige clareza de propósitos. A frente para 2026 só pode existir se for uma frente de enfrentamento ao sistema que nos trouxe até aqui. Não pode incluir os que sabotam a taxação de bilionários, os que aplaudem a autonomia do Banco Central contra o povo, os que criminalizam movimentos sociais ou atacam a política ambiental como “obstáculo ao progresso”. O tempo da ambiguidade acabou. A história exige definição.


As condições para uma frente verdadeiramente transformadora.



Uma frente para 2026 só terá legitimidade histórica e potência política se for construída com base em compromissos sólidos, inegociáveis e públicos com o projeto de reconstrução nacional. Não se trata de montar uma coligação eleitoral para vencer uma disputa conjuntural — trata-se de formar um bloco histórico capaz de enfrentar o desmonte neoliberal, a guerra híbrida e o avanço das forças antidemocráticas com uma plataforma de transformação material do país.


A primeira condição é o compromisso inequívoco com o desenvolvimentismo. Isso significa apoio ativo e programático à reindustrialização com valor agregado, à soberania energética, à reforma tributária progressiva, à ciência e tecnologia pública, ao fortalecimento do Estado como indutor da economia e à defesa intransigente do meio ambiente e dos direitos sociais. Não há como compor com partidos ou lideranças que votam contra esses pilares — sejam da direita tradicional, do centro ambíguo ou mesmo de uma esquerda que se esconde atrás do identitarismo vazio para fugir da luta de classes.


A segunda condição é a constituição de uma base parlamentar robusta, programática e disciplinada. O governo Lula precisa, urgentemente, eleger um Congresso comprometido com seu projeto. Isso implica organizar candidaturas populares com enraizamento social, apostar em movimentos sociais como escolas de quadros políticos, e enfrentar o domínio do poder econômico nas eleições. Sem essa base, qualquer vitória presidencial será consumida, como agora, por um Congresso hostil, pautado por chantagens, sabotagens e acordos espúrios.


A terceira condição é a seleção de aliados por critério de projeto — e não de conveniência. Frente transformadora não se constrói com setores que relativizam o golpe de 2016, que criminalizam a esquerda ou que aceitam passivamente a tutela do mercado financeiro sobre a política econômica. É preciso traçar uma linha divisória: de um lado, os que defendem a soberania nacional, a democracia substantiva, o trabalho e a inclusão; de outro, os que servem ao capital rentista, à dominação estrangeira e à precarização generalizada. Não se trata de sectarismo: trata-se de coerência estratégica.


Por fim, uma frente transformadora precisa ser capaz de nomear o inimigo. O adversário histórico não é o bolsonarismo apenas — é o sistema que o produziu: o neoliberalismo, a financeirização, o colonialismo digital, a subordinação do país à lógica extrativista e a invisibilização das maiorias populares. Se a frente não tiver clareza disso, será mais uma operação de marketing político — e não uma trincheira de resistência e mudança real.


Exigência estratégica para 2026.



O Brasil não está em um tempo normal. Vivemos o ponto crítico de uma guerra prolongada contra o projeto de Nação. O que está em disputa não é apenas o próximo ciclo eleitoral, mas a própria possibilidade de reconstruir um país soberano, justo e democrático. Diante disso, a proposta de uma frente ampla desprovida de amarras programáticas, calcada em acordos frágeis e alianças oportunistas, não é apenas um erro tático — é uma capitulação estratégica.


A guerra híbrida em curso é sofisticada, multifacetada e implacável. Ela age por dentro das instituições, pelas engrenagens do sistema de Justiça, pelas operações de inteligência midiática e informacional, pelos algoritmos das big techs e pelos fluxos do capital financeiro internacional. Essa guerra visa, acima de tudo, minar a soberania do Estado, destruir a confiança da população em seus próprios representantes, e naturalizar a desigualdade como destino. E não hà frente que sobreviva a isso se não for uma frente disposta ao confronto — com coragem política, com projeto estruturado e com base social organizada.


2026 não pode repetir 2022. Não há mais espaço para alianças com quem combate o governo no Congresso, com quem se omite diante das chantagens do mercado, ou com quem relativiza o papel das elites na destruição da democracia brasileira. Frente, agora, só se for trincheira. Só se for instrumento de reorganização profunda do pacto social, centrado nos interesses do povo trabalhador, no fortalecimento do Estado e na defesa radical da Constituição.


A história não costuma oferecer muitas segundas chances. O inimigo já mostrou seu rosto, sua estratégia, seus métodos. Está nas mãos do campo progressista fazer dessa crise o ponto de virada — ou a antecâmara da ruína. Que se fale menos em frente ampla e mais em frente firme. Que se abandone a ilusão da conciliação e se abrace, com lucidez e coragem, o desafio de reconstruir o Brasil pelas mãos daqueles que nunca deixaram de sonhá-lo inteiro.



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