Modulação, pesquisa e o jornalismo obediente
- Luís Delcides
- há 32 minutos
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Para Deleuze (1992), as minorias e as maiorias não se distinguem pelo número, mas é definida por um modelo estabelecido. Logo, a minoria não tem um modelo. É um devir, um processo. A maior parte das pessoas estão tomadas por um devir minoritário conduzente a caminhos desconhecidos.
Quando uma minoria cria modelos para si, esta tem um desejo de se tornar majoritária. Por ser inevitável, é uma vazão para as chamadas “sociedades de controle” – com controle continuo e uma comunicação instantânea. Ou seja, novos tipos de tratamento em detrimento aos tradicionais: escola, hospital, prisão que estão em combates de retaguarda, como diz Deleuze.
Os controles variam e formam um sistema com inúmeros confinamentos. Estes necessitam dos controles que modulam a cada instante como uma peneira cujas as malhas mudassem de um ponto ao outro. Isso é claro nos ambientes familiares, nas sociedades, especialmente as religiosas e na mídia, ao trazer o conceito dos aparelhos ideológicos de Louis Althrusser.
Ao trazer o conceito de modulação por Sergio Amadeu, trata-se de um processo de controle da visualização de conteúdos, sejam discursos imagens ou sons. Para dar existência a esse processo, não é preciso encontrar uma fala, um discurso – apenas conteúdos para dar segmentos a grupos específicos.
É o que acontece com as pesquisas da Atlas intel e da Datafolha. Ao fazer uma divisão entre as duas, alguns canais midiáticos concentraram o recorte na aprovação da população da operação da Policia no Complexo da Penha. Logo, dois detalhes chamam a atenção.
Na pesquisa Atlas Intel, em um universo de 1.018 entrevistados, 77,6% dos que aprovam a operação são ligados a igreja evangélica. Logo, tem um percentual de 88,6% considerados crentes sem religião. Fiz essa pergunta para a Atlas e até o momento eles não responderam o que seria o mencionado grupo.
Por outro lado, ao verificar a escolha política, 88,6% votaram no Ex-presidente Jair Bolsonaro no segundo turno. Ou seja, o fenômeno não é apenas evangélico ou crente, está na escolha politica desses pesquisados. Já, a Datafolha, fez a pesquisa “in loco”. E dos 608 entrevistados 58% aprovam as ações da polícia. Logo, 77% querem investigações. Ou seja, dados que foram mencionados por sete veículos - 5 de linha progressista (DCM, Revista Fórum, Brasil de Fato, Brasil 247 e ICL), - dois de outras linhas (Blog do Magno e Correio de Corumbá).

Ou seja, o dado mais importante, que dá sentido a apuração cautelosa para verificar a situação e o motivo e desprezada pela mídia hereditária. Isso é apenas o exemplo como se pode modular os conteúdos para favorecer a visão política e até mesmo possíveis investidores com sentimentos desfavoráveis ao campo político da esquerda.
A pesquisa é uma cifra. Ela estabelece uma palavra de ordem. Na compreensão de Deleuze, a linguagem numérica do controle é composta de cifras. Sim, é fácil questionar: “Não confie nas pesquisas!” Sim, eu e uns poucos com uma razoável compreensão dos mecanismos, mas e a Dona Alcione, moradora da edícula do 316?
Dona Alcione, no dia da eleição de primeiro turno para prefeito em São Paulo foi reclamando até a Zona Eleitoral. Coincidentemente eu a encontrei e fomos juntos. Ela não memorizou que a sua zona é a 375 e a seção 153. Aliás, Alcione não sabia que a escola ficava na rua Nebulosas.
Ao entrar na Rua Nebulosas, Alcione bate o olho em um santinho. Por sorte era um candidato progressista e ela pergunta: “Ow, Luís! Esse Alessandro Guedes apoia a causa animal?” Eu disse. “Sim, pode pegar! É progressista, é democrata!” E ela levou o santinho pra votar.
Após esse breve relato da Dona Alcione, é possível concluir sobre a sua tendência a concordar com os dados de uma pesquisa que aponta eficácia na ação estatal atabalhoada de um Governador. Ela não vai ler 50 páginas de uma pesquisa e muito menos ler 12 parágrafos de uma matéria para achar que 77% apoiam investigações.
Assim, as cifras emitem palavras de ordem. E essas palavras de ordem estão nos títulos das matérias. O jornalismo, especialmente o hegemônico, em nome de um patrocinador, de um investimento, apenas “obedece” às disciplinas e métricas financeiras, e modula a informação em nome da financeirização da comunicação.
Ah, como assim a financeirização da comunicação. No lugar da estratégia, da observação sensata e do colocar-se ao lado do cidadão inseguro, desesperançado. É melhor estabelecer uma democracia do medo, como diz Achiles Mbembe, nos títulos e nos “olhos” dos textos da matéria.
Ou seja, em vez de um produto desenvolvido, o jornalismo deu-se lugar a um serviço essencialmente dispersivo para o mercado. O público, em vez de pegar um texto e ler por inteiro, analisar, compreender as nuances a mensagem que o jornalista pretende passar, apenas lê títulos e impulsiona a “infodemia”.
A modulação do jornalismo é apenas mais um dos sintomas da “Sociedade da desinformação” diante do momento da “Sociedade da Informação”. Logo, informar para desinformar? Não, é preciso valorizar o jornalismo investigativo, os anseios de uma população em saber os fatos reais em vez do desempenho irresponsável de um representante do poder executivo estadual.
