Troppo vero! O retrato da administração Trump <parte 1>
- Sara Goes
- há 48 minutos
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As fotos da Vanity Fair sobre a nova administração Trump não chocaram por política, mas por excesso de realidade: rostos, poros e suor expuseram a carne frágil do poder
O susto do real
A matéria da Vanity Fair sobre o entorno de Donald Trump foi construída a partir de uma operação editorial particularmente inteligente, que articula duas camadas distintas de discurso. Há um plano textual e há um plano visual, e o comentário político mais incisivo emerge justamente do modo como esses dois registros dialogam. A revista consegue falar sobre a administração Trump sem enfrentá-la frontalmente. O discurso verbal é entregue às palavras de Susie Wiles, ex-chefe de campanha e atual Chefe de Gabinete da Casa Branca, enquanto o discurso visual assume a tarefa de comentar, sugerir e expor aquilo que o texto evita afirmar de forma direta.
No plano textual, a reportagem se ancora em declarações de Wiles que, por si só, já carregam alto potencial de controvérsia. Ao comparar o temperamento de Trump ao de um “alcoólatra funcional” ela introduz a imagem de um líder sem limites claros, cujos traços se intensificam sob pressão. Wiles também aborda decisões centrais do segundo mandato, como deportações sumárias e o indulto em massa aos envolvidos nos atos de 6 de janeiro, justificando essas ações como respostas rápidas e necessárias, tomadas em nome da lealdade à base política. Não há revelações inéditas nem documentos novos, mas o peso institucional dessas falas foi suficiente para provocar reação imediata. Aliados acusaram a Vanity Fair de enquadramento hostil, enquanto críticos observaram que a própria entrevista expunha, quase sem mediação, a lógica interna do governo.
É justamente aí que a estratégia da revista se revela. Em um contexto marcado pela relação historicamente conflituosa entre Trump e a imprensa americana, a Vanity Fair adota uma forma de crítica indireta. A publicação reduz ao mínimo sua voz explícita e permite que o governo fale por si, enquanto as imagens constroem, em silêncio, um comentário visual sobre ansiedade, controle, desgaste e artificialidade do poder. O confronto deixa de ser retórico e passa a ser estético.
Susie Wiles: parte da mobília
Nas fotografias Susie Wiles não aparece como figura central nem como personagem carismática. Ela aparece como parte da mobília. Um corpo incorporado ao espaço, quase confundido com a arquitetura institucional que a cerca.

No retrato de corpo inteiro, Wiles está parada contra a parede, mãos entrelaçadas, sem gesto, sem deslocamento. O enquadramento é seco, pouco cuidadoso, quase burocrático. Um interruptor aparece ao fundo. A moldura do quadro e o esquadro da porta acentuam sua estatura reduzida. Ela parece pequena demais para o espaço, comprimida entre elementos que a superam em escala e imponência. A imagem não constrói autoridade; ela a simula.
Esse efeito se aprofunda quando o olhar percorre o ambiente. Atrás de Wiles, uma porta permanece aberta. No interior do cômodo, vê-se uma figura ao telefone, um computador ligado, trabalho em andamento. Nada está encerrado. Nada está em repouso. No primeiro plano, calendários, blocos de papel pela metade, objetos administrativos dispersos reforçam a sensação de fluxo permanente e inacabamento. O poder não aparece como forma concluída, mas como tarefa atabalhoada.
Wiles tenta se fixar como centro, mas o espaço a atravessa e a desmente. A porta aberta rompe qualquer ilusão de solenidade. O corpo imóvel contrasta com o ambiente em movimento. A autoridade não se impõe pela estabilidade, mas pela tentativa constante de controle.
O resultado é um retrato barroco no sentido político do termo. Não pelo ornamento exuberante, mas pelo excesso de informação, pela coexistência de planos e pela recusa da ordem clássica. Tudo acontece ao mesmo tempo. O bastidor invade o retrato. A cena de governo aparece como gestão precária de urgências, encenação contínua de comando em meio ao improviso.

O close do rosto radicaliza essa ambiguidade. Os olhos estão abertos, atentos demais, sempre em alerta. Não há acolhimento, mas também não há grandeza. O rosto transmite vigilância tensa, sem aura. Esse retrato ganha ainda mais força quando contrastado com Karoline Leavitt. Ao contrário da porta-voz, Wiles não corresponde ao padrão de beleza MAGA. Ela não encarna a feminilidade jovem, estetizada e hiperproduzida que o trumpismo passou a vender como imagem de sucesso. Seu corpo é masculino no sentido político do termo: sóbrio, rígido, funcional, sem apelo visual. Isso não a torna dissidente nem emancipadora. Apenas a coloca em outro lugar do regime de poder.
Enquanto Leavitt funciona como vitrine estética do projeto político, Wiles aparece como engrenagem. Uma peça que não precisa agradar, apenas funcionar. A Vanity Fair explora esse contraste com precisão. A masculinização (nos termos MAGA) de Wiles não a livra do ridículo.
Vanity Fair apresenta o trumpismo não pelo espetáculo do líder, mas pelo retrato de quem tenta organizar o espetáculo nos bastidores. E o que se vê não é eficiência discreta, mas um poder que se leva muito a sério e, justamente por isso, revela sua fragilidade. Wiles parece parte da mobília porque esse é o papel que lhe resta. Sustentar a cena. Permanecer imóvel. Fingir que aquilo tudo é sério.
Stephen Miller: a forma antes da ideologia

Stephen Miller, principal formulador da política anti-imigração do governo Trump, é apresentado na fotografia de forma que a própria composição visual entra em atrito com o peso político das decisões que ele personifica. Antes mesmo de qualquer associação ideológica, o que se impõe ao olhar é a desarticulação do corpo. Miller aparece mal assentado no espaço, com o tronco recuado e um vazio artificial na região do abdômen que interrompe a continuidade corporal. Não há eixo. O corpo parece montado, não integrado.
O ângulo da câmera acentua essa estranheza. As mãos surgem grandes demais em relação à cabeça, enquanto a cabeça parece ridiculamente pequena, quase deslocada do corpo. O efeito não é de autoridade nem de rigidez, mas de fragilidade. A figura se aproxima mais de um boneco institucional, um mamulengo sustentado pelo cenário e pelo cargo, do que de alguém que encarna o poder por presença própria. A autoridade não emana do corpo. Ela depende inteiramente do aparato que o envolve.
Essa fragilidade visual contrasta de forma direta com a dureza das políticas que Miller ajudou a implementar. A política anti-imigração, apresentada pelo governo Trump como defesa da ordem e da soberania nacional, não encontra respaldo majoritário na opinião pública. Pesquisas da Gallup indicam que 79% dos americanos consideram a imigração algo positivo para os Estados Unidos, o maior índice já registrado pela instituição, enquanto apenas cerca de 30% defendem a redução dos níveis de imigração. Esses números apontam para um afastamento crescente entre o discurso restritivo do governo e a percepção da sociedade.
Dados do Pew Research Center reforçam esse descompasso. Levantamentos recentes mostram que aproximadamente metade dos adultos americanos desaprova a forma como o governo Trump conduziu a política migratória, com uma parcela expressiva avaliando que as deportações e medidas de endurecimento foram excessivas. Entre a população latina, diretamente afetada por essas políticas, a rejeição é ainda mais contundente. Pesquisas do próprio Pew indicam que cerca de 80% dos latinos desaprovam a política anti-imigração do governo Trump, e a maioria considera que o Executivo foi longe demais.
A fotografia parece dialogar silenciosamente com esse cenário. Miller não aparece como um ideólogo sólido nem como um estrategista imponente. Ele surge como uma figura esvaziada, sem densidade corporal, cuja capacidade de produzir políticas violentas não se apoia em convicção visível, mas em automatismo institucional. A violência não se anuncia como força, mas como rotina burocrática.
Nesse sentido, a imagem não denuncia pelo excesso nem constrói um vilão clássico. Ela produz algo mais inquietante. O responsável por uma das políticas mais impopulares do governo Trump aparece como alguém que não sustenta, nem no corpo nem na forma, o peso do que administra. A exclusão se torna possível não pela força do sujeito, mas pela sua ausência de centro. A fotografia ensina o olhar a perceber que a brutalidade da política anti-imigração não nasce de corpos poderosos, mas de figuras frágeis, mal articuladas, perfeitamente ajustadas a um sistema que opera a violência sem precisar se reconhecer nela.

Ainda sobre Stephen Miller, o ensaio ganha densidade quando se observa o retrato em super close, em preto e branco. A imagem elimina o corpo, o ambiente e qualquer referência espacial. O rosto ocupa todo o quadro e força o olhar a permanecer ali.
O preto e branco concentra a atenção na textura da pele, nos sulcos da testa, na rigidez da boca. A iluminação lateral cria sombras duras que acentuam a ossatura do crânio e produzem um efeito de fechamento. O rosto se apresenta como superfície dura, sem transição, sem zona de ambiguidade.
O close frontal, o crânio em evidência e a quase ausência de expressão emocional acionam a iconografia de generais e burocratas do aparato repressivo europeu do século XX, especialmente do período entre guerras e do regime nazista. Trata-se de uma gramática visual associada à autoridade disciplinar, hierárquica e desumanizada, amplamente reconhecível na história política moderna.
Essa associação não é casual quando se considera o papel político de Miller como principal formulador das ações do ICE. O Serviço de Imigração e Controle de Alfândegas dos Estados Unidos opera como uma polícia administrativa voltada à captura, detenção e expulsão de populações específicas, com amplo poder discricionário, baixo controle externo e forte apoio político à lógica de exceção. É nesse ponto que a comparação com a SS se torna pertinente, não por identidade histórica ou escala de extermínio, mas por função estrutural.
A SS não começou como máquina de morte. Ela se consolidou como um aparato burocrático de vigilância, perseguição e controle populacional, operando dentro da legalidade do regime nazista, com linguagem administrativa, cadeia de comando clara e normalização da violência contra grupos definidos como indesejáveis. O ICE, em outro contexto histórico e político, reproduz mecanismos semelhantes de gestão da exclusão: detenções em massa, separação de famílias, confinamento prolongado, desumanização sistemática e uso da lei como instrumento de coerção.
A fotografia traduz visualmente essa lógica. Miller não aparece como indivíduo em conflito moral nem como ideólogo exaltado. Ele surge como rosto funcional de um sistema repressivo. O olhar fechado não busca adesão. A boca cerrada indica execução de decisões já tomadas. O rosto não comunica dúvida. Comunica obediência a uma lógica superior.
Em contraste com a imagem anterior, em que Miller aparecia como um corpo desarticulado e quase vazio, o super close o apresenta como rosto perfeitamente ajustado à máquina da exclusão. O enquadramento endurece os traços e transforma a proximidade em ameaça. Aqui, a fragilidade desaparece. Resta a função.
A força do retrato está no reconhecimento imediato que ele provoca. O espectador identifica um tipo de poder que já conhece da história, mesmo sem nomeá-lo de imediato. A fotografia não acusa nem dramatiza. Ela enquadra um rosto dentro de uma tradição visual associada à administração burocrática da violência e deixa que essa memória opere sozinha.
Marco Rubio no cantinho da disciplina
Durante boa parte da trajetória do trumpismo, Marco Rubio foi apresentado como o elemento racional da engrenagem. Era o político capaz de traduzir impulsos em diplomacia, excessos em linguagem institucional, força bruta em normalidade governável. Dentro da administração Trump, Rubio funcionava como promessa de contenção. O homem que garantiria que o caos teria limites.

A fotografia da Vanity Fair desmonta essa construção de forma silenciosa e implacável. Rubio não aparece no centro do quadro, nem do poder. Ele é colocado no limite da cena, comprimido contra a parede, entre uma porta fechada e um móvel lateral. O espaço não o acolhe. Ele o isola. A composição ensina o olhar a perceber marginalização antes mesmo de qualquer legenda.
O corpo acompanha essa pedagogia visual. Rubio está de pé, mas curvado, com a cabeça baixa e os braços soltos, sem gesto de afirmação. A inclinação do corpo não sugere introspecção nobre nem concentração estratégica. Ela sugere retração. Em termos clássicos de leitura da imagem, trata-se de uma postura de diminuição. O sujeito não ocupa o espaço. Ele se adapta a ele.
Esse arranjo produziu reação imediata nas redes. A imagem foi rapidamente convertida em meme, com comentários como “quem colocou Marco Rubio no cantinho da disciplina?”. A formulação não é gratuita. Ela verbaliza aquilo que a imagem já organiza visualmente. Rubio aparece como alguém apartado, infantilizado, colocado à margem da cena política. O humor nasce da própria estrutura da fotografia.
O detalhe mais corrosivo está no contraste entre imagem e discurso. A foto ilustra uma reportagem que desenha Donald Trump como um homem forte, errático e descontrolado, um líder movido por impulsos e excesso. Em tese, seria justamente nesse cenário que a figura racional deveria se afirmar. Mas a imagem faz o oposto. Enquanto Trump emerge no texto como força caótica, Rubio surge visualmente como alguém disciplinado por esse caos. Não o adulto que organiza o descontrole, mas a criança recolhida depois do acesso de fúria.
Essa leitura ajuda a compreender a reação pública de Rubio. Em declaração publicada na plataforma X, o secretário de Estado acusou a Vanity Fair de ter manipulado deliberadamente as fotografias e de ter apresentado declarações fora de contexto para fazer a equipe da Casa Branca parecer tosca. A crítica foi feita em defesa de Susie Wiles e acompanhou o coro de aliados que denunciaram um suposto enquadramento hostil da revista.
O problema, para Rubio, é que o efeito da imagem não depende de manipulação digital. A fotografia não precisa ser alterada para produzir rebaixamento simbólico. Basta organizar o espaço de modo que o corpo pareça fora de lugar. A humilhação não é técnica. É compositiva.
Há também uma dimensão histórica nessa cena. Rubio já foi apresentado como promessa presidencial, como figura central do Partido Republicano, como alternativa racional ao trumpismo mais bruto. Aqui, ele aparece como personagem lateral de um governo que reorganizou seus centros de poder. Não é o formulador da política externa que se vê, mas alguém que aguarda, isolado, enquanto o poder se exerce em outro lugar.
Diferentemente da imagem de Stephen Miller, que opera pela desarticulação e pelo automatismo, a fotografia de Rubio funciona pelo esvaziamento simbólico. Ele não parece perigoso, nem grotesco, nem ameaçador. Ele parece diminuído. Politicamente, poucas imagens são tão corrosivas quanto essa.
O retrato ensina o olhar a compreender que, naquele arranjo de poder, nem mesmo a racionalidade escapa ao rebaixamento. A figura que deveria conter o excesso acaba absorvida por ele. A razão não governa o caos. Ela vai para o canto.
Karoline Leavitt: o padrão MAGA e a crise do nosso tempo

A fotografia de Karoline Leavitt é a que mais explicitamente desencadeou uma disputa simbólica que vai muito além da imagem em si. O close revela marcas visíveis de preenchimento labial, a textura da maquiagem e os vestígios materiais de procedimentos estéticos sob uma luz dura e sem concessões. A polêmica não nasce da existência desses procedimentos, mas da decisão editorial de não apagá-los.
Esse gesto simples foi suficiente para provocar um curto-circuito discursivo. A foto abriu uma série de debates que dizem muito sobre o nosso tempo, porque Leavitt sempre foi apresentada como um símbolo do padrão de beleza MAGA, no sentido literal do slogan Make America Great Again. Ela encarnava um modelo visual específico, associado à juventude, à feminilidade controlada, à aparência polida, eficiente e permanentemente mantida. Seu rosto funcionava como ícone de um ideal estético e político ao mesmo tempo.
Quando a fotografia rompe esse regime de suavização, o ícone entra em colapso. As marcas do preenchimento, tornadas visíveis pela proximidade e pela iluminação, quebram a ilusão de naturalidade que sustentava esse padrão. O debate que se segue não é sobre gosto ou vaidade, mas sobre a fragilidade de um ideal de beleza que depende da invisibilidade do artifício para existir.
A reação pública se fragmenta rapidamente. De um lado, surgem acusações de crueldade, misoginia ou manipulação por parte da revista. De outro, setores do feminismo liberal estadunidense passam a defender Leavitt contra o que identificam como pressão estética excessiva sobre mulheres em posições públicas. Essa defesa, apresentada como bem-intencionada, expõe uma contradição concreta do nosso tempo. Ao proteger a aparência onerosa de uma mulher que ataca cotidianamente mulheres pobres, imigrantes, negras e jornalistas, desloca-se o debate do campo material para o simbólico. Defende-se o direito à estética cara e permanente, enquanto se ignora o papel ativo dessa figura na sustentação de políticas e discursos que produzem exclusão, violência e silenciamento.
A fotografia, no entanto, não cria essa violência. Ela a torna visível. Ao recusar filtros, retoques e correções, a imagem entra em choque com a gramática visual dominante das redes sociais, baseada na eliminação de poros, marcas e sinais de intervenção. O que aparece não é um defeito, mas o processo. O rosto deixa de ser promessa de perfeição e passa a ser registro de manutenção constante.
Esse deslocamento adquire densidade política quando se considera a função institucional de Leavitt. Como porta-voz, seu papel é polir narrativas, suavizar conflitos e apresentar versões controladas da realidade. Quando o rosto que deveria operar como superfície lisa de mediação exibe suas costuras, a imagem produz uma metonímia visual potente. A política aparece como aquilo que ela é: uma performance sustentada por trabalho contínuo, repetição e esforço invisível.
Diferentemente de Stephen Miller, cuja imagem convoca a frieza burocrática da repressão, e de Marco Rubio, cuja fotografia opera pelo rebaixamento simbólico e pela perda de centralidade, Karoline Leavitt surge como o ponto em que estética, gênero e poder entram em colisão direta. Ela não é endurecida nem marginalizada. Ela é exposta como signo em crise.
A controvérsia em torno da foto não é acessória. Ela revela um impasse característico do presente. Exige-se das mulheres no poder uma aparência impecável, mas condena-se qualquer vestígio do trabalho necessário para produzi-la. Ao mesmo tempo, naturaliza-se que esse mesmo padrão seja usado como instrumento simbólico por projetos políticos que atacam mulheres em situação de vulnerabilidade. A imagem não acusa Leavitt individualmente. Ela desmonta o regime visual que a transformou em ícone e obriga o olhar a confrontar aquilo que normalmente permanece oculto.
O retrato coletivo: a encenação do poder
Há indícios claros de que o retrato coletivo foi uma das primeiras imagens realizadas por Christopher Anderson. Os cabelos parecem mais intactos, menos marcados pelo desgaste das sessões seguintes, como se aquela fotografia registrasse o instante inicial em que cada corpo ainda tentava descobrir qual lugar ocupar naquela cena de poder.

A composição organiza os personagens em torno de uma grande mesa polida, mas essa organização não produz unidade real. Susie Wiles ocupa o centro, sentada, mãos entrelaçadas, tentando estabilizar a cena. Sua expressão não transmite tranquilidade. Há um susto contido no olhar e um certo desalinho no cabelo, armado demais para a solenidade que se pretende construir. Wiles não aparece como autoridade segura. Ela parece alerta, como alguém que sabe que o controle é precário.
Karoline Leavitt, à esquerda, sentada sobre a mesa, ocupa o espaço de forma quase sensual. Seu corpo se oferece ao enquadramento com confiança e visibilidade. Diferentemente de Wiles, ela não tenta conter a cena. Ela a atravessa. Funciona como imagem, não como eixo organizador.
J.D. Vance divide visualmente a autoridade com Susie Wiles, e isso não é casual. Ele se posiciona como ponto de referência simbólica, articulando um núcleo visual que inclui Leavitt e, mais ao fundo, Marco Rubio. Vance atua como bússola moral fetichizada do MAGA, alguém que não administra o cotidiano, mas fornece sentido ideológico à cena. Esse núcleo sugere negociações silenciosas sobre quem se senta, quem permanece em pé, quem transmite serenidade e quem aposta em atitude.
Marco Rubio, apesar da pose correta, aparece quase escondido. Está presente, mas não central. Integra o grupo sem conduzi-lo, confirmando o deslocamento que seus retratos individuais já haviam indicado.
Dan Scavino, em pé ao fundo, à esquerda de Susie Wiles, ocupa uma posição reveladora. Ele não se impõe pelo corpo nem pelo gesto. Sua presença é discreta, quase diluída no ambiente. É a figura do poder que não precisa aparecer para operar. O homem da mediação invisível, do fluxo contínuo de mensagens, da política que se exerce pelas telas. Scavino não disputa centralidade porque seu território não é o espaço físico do governo, mas o tempo real das redes sociais e da comunicação direta. Sua colocação ao fundo traduz exatamente essa função. Ele está presente, mas não precisa ser visto para agir. Boris Epshteyn, em pé à direita de Susie Wiles, ocupa outro registro. Sua postura é mais rígida, mais consciente do próprio papel. Ele se mantém próximo do centro sem jamais ocupá-lo. Representa a engrenagem jurídica e estratégica que sustenta o projeto político quando a cena pública entra em crise. Seu corpo não busca adesão nem simpatia. Ele aparece como operador de bastidor, alguém preparado para o conflito, a contestação e a disputa legal permanente. A proximidade física com Wiles não é casual. Ambos compartilham a função de manter o edifício em pé quando o espetáculo ameaça ruir.
Stephen Miller, sentado de maneira inadequada sobre a mesa à direita, reforça o tom infantil da imagem. O gesto não sugere autoridade institucional. Ele ocupa o mobiliário como quem testa limites, mais interessado em performar presença do que em sustentar comando.
O fundo institucional, composto por livros, quadros e símbolos históricos, pesa sobre o grupo. Esses elementos parecem maiores e mais sólidos do que as próprias figuras. A tradição que tentam ocupar não se ajusta completamente aos corpos ali dispostos. A história é mais estável do que eles.
A fotografia de Christopher Anderson não constrói um centro de poder coeso. Ela expõe uma cena de tentativas. Cada personagem disputa espaço e sentido ao mesmo tempo. A autoridade circula, mas não se fixa. Nada ali parece plenamente assentado.
O que se vê é esforço. Corpos tentando ocupar lugares, gestos buscando gravidade, olhares ensaiando firmeza. A autoridade aparece como tarefa permanente, não como condição dada.
O retrato coletivo não registra um momento de governo. Registra um momento de pose. Um grupo consciente de estar sendo observado, tentando parecer adulto dentro de um cenário que insiste em desmenti-lo. A mesa é grande demais. Os símbolos são antigos demais. O peso da história excede os personagens.
No fim, a imagem não fala de força, nem de estratégia, nem de controle. Ela fala de uma encenação que precisa se repetir todos os dias para não desmoronar. Não é um retrato de poder estabilizado. É o retrato de um poder que depende da própria pose para continuar existindo.lizado. É o retrato de um poder que depende da própria pose para continuar existindo.




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