A guerra da Ucrânia está prestes a terminar?
- Rey Aragon
- há 12 horas
- 13 min de leitura

Conheça os cenários possíveis.
Entre o teatro diplomático e a imobilidade do campo de batalha, a guerra da Ucrânia se aproxima de um momento decisivo — não para a paz, mas para sua transformação em um conflito congelado, de alto risco e longa duração. Este relatório estratégico mapeia os interesses, as linhas vermelhas e os cenários prováveis, revelando o que realmente está sobre a mesa e o que ainda permanece fora de alcance.
Introdução

A pergunta que paira sobre chancelarias, mercados e quartéis no dia 11 de agosto de 2025 é direta: a guerra na Ucrânia está realmente próxima do fim? Não se trata apenas de um debate jornalístico ou acadêmico, mas de uma questão estratégica com repercussões imediatas na segurança europeia, no equilíbrio de poder global e no redesenho das alianças internacionais. No espaço público, discursos otimistas e declarações de líderes políticos tentam acenar com a possibilidade de um desfecho próximo, especialmente à medida que pressões internas nos Estados Unidos e na União Europeia crescem para encerrar um conflito que já consome bilhões de dólares e desgasta capital político. No entanto, sob a superfície, a realidade é mais complexa e menos linear do que o noticiário sugere. O que está em jogo não é apenas a interrupção das hostilidades, mas a redefinição das fronteiras de influência, as garantias de segurança e o controle de recursos estratégicos.
A guerra, tal como conduzida desde fevereiro de 2022, é o resultado direto de uma longa cadeia de decisões e provocações que antecedem a invasão russa, marcada pelo avanço sistemático da OTAN em direção às fronteiras russas, pela instrumentalização da Ucrânia como peça geopolítica e pelo cálculo americano de que um conflito prolongado enfraqueceria Moscou sem exigir um confronto direto. Qualquer projeção séria sobre o fim do conflito exige, portanto, não apenas a análise das movimentações militares atuais, mas a leitura precisa das mesas de negociação — abertas ou discretas — e das linhas vermelhas que cada ator se recusa a cruzar. É nesse terreno, onde a narrativa se entrelaça à geopolítica e à materialidade histórica, que este relatório se posiciona: oferecer uma análise objetiva, preditiva e fundamentada, capaz de distinguir sinais reais de mudança de simples encenações diplomáticas.
Contexto histórico-estrutural do conflito

A guerra na Ucrânia não é um acidente da história nem o resultado exclusivo de uma decisão intempestiva de Moscou em fevereiro de 2022. Ela é o desfecho de um processo histórico de acumulação de tensões que começa ainda na década de 1990, com a dissolução da União Soviética e a rápida incorporação de países do antigo bloco socialista à OTAN e à União Europeia. Esse movimento, longe de ser apenas diplomático, foi parte de uma estratégia abrangente de expansão da influência militar e econômica ocidental em direção ao leste, quebrando compromissos tácitos assumidos com Moscou no pós-Guerra Fria. Cada novo país integrado à OTAN — da Polônia aos Estados Bálticos — foi percebido pela Rússia como um estreitamento de seu espaço de segurança estratégica, um cerco gradual.
No caso ucraniano, essa tensão ganhou contornos dramáticos a partir de 2014, quando a deposição do presidente Viktor Yanukovich, após protestos apoiados política e logisticamente pelo Ocidente, levou à anexação da Crimeia pela Rússia e ao início da guerra no Donbass. A partir daí, o país se tornou, de fato, um campo avançado da disputa entre Moscou e Washington, com a Europa atuando ora como mediadora, ora como reforço da pressão. Entre 2014 e 2022, a Ucrânia recebeu treinamentos, armamentos e assistência de inteligência em escala crescente, numa preparação silenciosa para um embate que, para estrategistas ocidentais, teria potencial de conter e enfraquecer a Rússia.
A ofensiva russa de 2022, portanto, foi o ponto de ruptura de um ciclo já em ebulição. Moscou alegou estar reagindo a ameaças existenciais e à iminente integração de Kiev à OTAN. Washington e Bruxelas, por sua vez, enquadraram a ação como agressão imperial e apostaram em sanções econômicas maciças, isolamento diplomático e apoio militar contínuo à Ucrânia. No entanto, a leitura materialista do conflito revela que, mais do que uma luta pela integridade territorial ucraniana, a guerra é uma disputa estrutural por hegemonia: de um lado, os EUA e a OTAN buscando reafirmar sua capacidade de moldar a ordem internacional; de outro, a Rússia tentando reverter o declínio de sua esfera de influência e reposicionar-se como polo de poder autônomo.
Entender esse pano de fundo é essencial para analisar o momento atual, pois as negociações e cenários de encerramento da guerra não se limitam a cessar o fogo ou redefinir fronteiras. Elas envolvem a redefinição do equilíbrio de poder na Eurásia, o futuro da arquitetura de segurança europeia e como o Sul Global reagirá a um eventual redesenho das regras do jogo. Sem essa compreensão histórica-estrutural, qualquer previsão sobre o “fim” do conflito seria superficial e enganosa.
Interesses e linhas vermelhas dos atores principais

Compreender os interesses centrais e as linhas vermelhas de cada ator envolvido é a chave para decifrar o que está ou não sobre a mesa de negociações. É nesse mapeamento que se revelam as reais possibilidades e limites de um acordo, assim como os pontos de fricção que podem prolongar indefinidamente o conflito.
Rússia – O objetivo estratégico de Moscou é garantir que a Ucrânia jamais se torne uma plataforma militar da OTAN voltada contra seu território. Isso implica, na prática, a exigência de neutralidade formal de Kiev, reconhecimento da anexação da Crimeia e, cada vez mais, a aceitação internacional da incorporação das regiões de Donetsk, Lugansk, Zaporizhzhia e Kherson, parcialmente ocupadas. Essas demandas funcionam como linhas vermelhas: qualquer solução que implique a devolução desses territórios é inaceitável para o Kremlin, pois seria percebida internamente como derrota estratégica e ameaça à estabilidade do governo. Além disso, Moscou quer uma retirada significativa das sanções e garantias de que sua economia poderá operar sem bloqueios no comércio internacional.
Ucrânia – Para Kiev, o núcleo duro é a preservação da integridade territorial dentro das fronteiras reconhecidas internacionalmente em 1991, incluindo a Crimeia. Embora publicamente mantenha essa posição, a realidade no campo de batalha e a dependência absoluta do apoio ocidental impõem um dilema: continuar lutando indefinidamente para tentar recuperar territórios ou aceitar um congelamento que consolide perdas e fragilize politicamente o presidente Zelensky. Outra linha vermelha é evitar qualquer acordo que deslegitime o esforço de guerra e o sacrifício humano já feito, o que poderia gerar instabilidade interna e colapso do governo.
Estados Unidos e OTAN – O interesse central é duplo: desgastar militar e economicamente a Rússia ao ponto de reduzir seu poder de projeção global, e ao mesmo tempo evitar uma escalada que obrigue ao envolvimento direto. Washington busca manter a Ucrânia como bastião pró-ocidental, mesmo que mutilado territorialmente, garantindo que Moscou não transforme o conflito em vitória simbólica. Uma linha vermelha implícita é não permitir que a Rússia obtenha um acordo que pareça uma capitulação do Ocidente. No entanto, há crescente pressão interna para reduzir gastos e reorientar prioridades estratégicas para a contenção da China, o que pode abrir espaço para concessões na mesa de negociação.
União Europeia – Para Bruxelas, o fim do conflito é urgente não apenas por questões humanitárias, mas pela necessidade de estabilizar mercados de energia e conter o desgaste político interno causado pela inflação e pela crise migratória. A linha vermelha europeia é não aceitar um cenário que fragilize a coesão da OTAN ou que legitime abertamente a mudança de fronteiras pela força. Ainda assim, países como Alemanha e França já sinalizam abertura para soluções pragmáticas que incluam congelamentos de fronteiras.
Outros players relevantes – A China mantém uma postura ambígua: oficialmente neutra, mas materialmente alinhada a Moscou em termos comerciais e diplomáticos, aproveitando a guerra para ampliar sua influência no Sul Global e negociar petróleo e gás russos a preços vantajosos. A Turquia atua como mediadora quando lhe convém, buscando consolidar seu papel regional e extrair concessões tanto da OTAN quanto da Rússia. Países do BRICS e aliados do Sul Global tendem a ver o conflito como expressão do declínio da hegemonia unipolar americana e, por isso, resistem a sanções e narrativas ocidentais.
Esses interesses e linhas vermelhas formam um tabuleiro onde qualquer movimento para encerrar a guerra precisa ser calibrado com precisão. Uma concessão em excesso pode significar derrota política; uma exigência inflexível demais pode prolongar o impasse.
Situação atual no campo de batalha

O retrato operacional no dia 11 de agosto de 2025 é o de uma guerra de atrito com linhas de frente relativamente estáveis, ganhos territoriais incrementais pela Rússia em setores de Donetsk e Luhansk, e ausência de manobras decisivas que indiquem colapso de um dos lados. Estudos recentes sublinham que, desde 2024, os ganhos russos foram limitados em extensão e custosos em pessoal e meios, reforçando a natureza estática do confronto e a dificuldade de produzir rupturas operacionais sustentáveis.
A variável que mais molda o campo de batalha é a escalada tecnológica do uso de drones e munições de ataque à distância. A Rússia ampliou substancialmente sua capacidade de produzir e lançar enxames de Shaheds e mísseis, combinando saturação, engano e fogo de precisão contra infraestrutura, logística e defesa aérea ucranianas. Avaliações independentes e inteligência ucraniana indicam aumento expressivo do ritmo de produção e estoques de mísseis balísticos e de cruzeiro, o que permite à Rússia manter pressão estratégica mesmo sem grandes avanços terrestres. Isso impõe a Kiev uma defesa dispendiosa, dependente de integração de sensores, mobilidade e racionamento de interceptadores.
Do lado ucraniano, a resposta combina adaptação tática e inovação assimétrica: drones de longo alcance e operações em profundidade contra refinarias, depósitos e centros de montagem em território russo, para elevar o custo estratégico da campanha e degradar a base industrial adversária. Ainda que esses ataques tenham valor cumulativo, eles não se traduziram, até aqui, em capacidade de reconquistar áreas vastas sob ocupação, em parte pela superioridade russa em massa de fogo, defesa antiaérea estratificada e reposição industrial. O resultado é uma linha de contato que se move pouco, enquanto o “teatro profundo” se torna cada vez mais ativo e relevante.
Essa dinâmica militar condiciona a mesa de negociações. A ausência de vitória decisiva no terreno, somada ao desgaste econômico-social dos envolvidos e à reorientação de prioridades estratégicas nos EUA e na Europa, alimenta iniciativas de cessar-fogo e “congelamento” — mas qualquer intento de acordo esbarra nas linhas vermelhas já descritas. A Casa Branca sinaliza pressão por compromisso “imperfeito” e rápido, a Europa exige inclusão plena de Kiev e garantias reais de segurança, e Moscou não recua de demandas territoriais maximalistas; no front, porém, nada sugere um desfecho técnico-militar iminente que, por si só, encerre a guerra. O campo de batalha, portanto, sustenta a inércia do conflito e empurra a solução para a política, com alto risco de se chegar apenas a uma pausa armada.
Diplomacia e mesa de negociações

A diplomacia em torno da guerra da Ucrânia entrou em um momento de alta tensão e ambiguidade. De um lado, há sinais explícitos e implícitos de que atores centrais — sobretudo Estados Unidos e Rússia — buscam explorar canais para um cessar-fogo ou congelamento da linha de frente. Do outro, a ausência de consenso sobre as condições mínimas impede que essas iniciativas avancem para um acordo concreto.
Nas últimas semanas, movimentações diplomáticas sugerem que Washington pretende reconfigurar seu papel no conflito. O governo americano, pressionado internamente por um eleitorado cansado dos gastos bilionários e interessado em redirecionar recursos para a contenção da China, sinaliza que está disposto a patrocinar um encerramento controlado da guerra. No entanto, essa disposição vem acompanhada de uma condição estratégica: qualquer solução precisa preservar a imagem de que a Rússia não “venceu” e de que a OTAN manteve sua coesão. Isso significa que Washington não aceitará um acordo que pareça consagrar uma vitória russa plena, mesmo que isso implique a perda de territórios por Kiev.
Moscou, por sua vez, mantém a narrativa de que está aberta ao diálogo, mas apenas em bases que consolidem os ganhos territoriais já obtidos e garantam, formalmente ou na prática, a neutralidade ucraniana. Para o Kremlin, qualquer negociação que implique renúncia a esses pontos seria uma derrota política inaceitável, com potencial de fragilizar a liderança de Vladimir Putin internamente. A Rússia também vê no prolongamento das hostilidades uma oportunidade de aprofundar a fadiga política e econômica do Ocidente, aumentando a margem de manobra nas conversas.
A Ucrânia está presa a um dilema estratégico. Publicamente, o presidente Zelensky e seu círculo mais próximo mantêm a posição de recuperar todos os territórios ocupados, incluindo a Crimeia. Na prática, porém, assessores e diplomatas reconhecem que, sem o fluxo contínuo de armas, financiamento e inteligência ocidentais, a capacidade de sustentar a guerra por tempo indefinido é limitada. Aceitar um congelamento das linhas de frente, contudo, seria politicamente tóxico e arriscaria um colapso do apoio interno.
A União Europeia tenta atuar como ponte entre as demandas de Kiev e as pressões de Washington, mas também está dividida. Países como Polônia e Estados Bálticos defendem a continuação do esforço militar até a completa retirada russa, enquanto França e Alemanha mostram-se mais inclinadas a aceitar um congelamento pragmático que estabilize a situação e reduza os riscos de escalada.
Por fora, China e Turquia exploram a oportunidade para se apresentar como mediadores, cada qual visando ampliar sua influência. Pequim, com sua retórica de “paz responsável”, preserva relações estratégicas com Moscou e busca ganhar prestígio internacional ao propor fórmulas de cessar-fogo. Ancara, por sua vez, alterna entre apoiar a Ucrânia e manter canais abertos com a Rússia, de olho em ganhos geopolíticos no Mar Negro e no Cáucaso.
Esse mosaico diplomático revela um ponto central: todos falam em paz, mas cada ator a define de forma diferente e condiciona sua aceitação a concessões que o outro lado não está disposto a fazer. É nesse impasse que surgem os cenários futuros possíveis, cada um moldado pela soma de pressões internas, capacidade militar e cálculo geopolítico.
Cenários futuros possíveis

A análise preditiva do momento atual indica quatro trajetórias principais para os próximos meses. Cada cenário resulta de um conjunto específico de pressões militares, diplomáticas e econômicas, e todos carregam implicações distintas para a Ucrânia, Rússia, OTAN e demais atores globais. Os percentuais estimados consideram a materialidade dos fatos, a correlação de forças e a dinâmica das negociações nos bastidores.
Cenário 1 – Cessar-fogo frágil com congelamento da linha de frente – 35%
Esse é o desfecho provável no curto prazo. As linhas de contato atuais seriam formal ou informalmente reconhecidas como fronteira temporária, com retirada de parte das forças de contato imediato e estabelecimento de zonas de segurança. Na prática, significaria que a Rússia manteria controle sobre a Crimeia e as regiões ocupadas no Donbass e no sul, enquanto a Ucrânia preservaria as áreas sob seu domínio. Acordos de monitoramento, possivelmente sob supervisão internacional, reduziriam o risco de incidentes, mas não eliminariam ataques de longo alcance. O custo político para Kiev seria alto, pois consolidaria perdas territoriais, e para Moscou, a narrativa de “vitória” teria de ser sustentada frente a uma guerra não completamente vencida. Esse congelamento, como no caso da Coreia, poderia durar décadas e ser constantemente testado por provocações.
Cenário 2 – Congelamento com concessões territoriais impostas por acordo político EUA–Rússia – 20%
Um acordo construído diretamente entre Washington e Moscou, com Kiev incluída apenas na etapa final, fixaria concessões territoriais em troca de garantias de segurança e de redução gradual das sanções. Na prática, seria uma vitória parcial para a Rússia, que consolidaria legalmente parte de suas conquistas, e um alívio estratégico para os EUA, que poderiam redirecionar recursos para a contenção da China. Para a Ucrânia, esse cenário significaria perda permanente de áreas, compensada por garantias de defesa mais robustas e integração acelerada à OTAN ou à União Europeia. No entanto, o risco de instabilidade interna e de ruptura política em Kiev seria enorme, pois o acordo poderia ser percebido como imposição externa.
Cenário 3 – Continuidade da guerra de atrito – 35%
A guerra prosseguiria em ritmo similar ao atual: avanços limitados, uso intensivo de drones e mísseis, ataques de longo alcance e pressão econômica mútua. Esse cenário é o mais compatível com a postura atual da Rússia, que parece disposta a explorar a fadiga ocidental e a manter o campo de batalha como instrumento de negociação prolongada. Para a Ucrânia, isso implicaria maior dependência externa e desgaste humano e econômico crescente. Para a OTAN e a União Europeia, significaria manter investimentos bilionários sem perspectiva de retorno rápido, ao mesmo tempo, em que o risco de escalada acidental continuaria alto.
Cenário 4 – Escalada ou desestabilização regional – 10%
Menos provável no curto prazo, mas com potencial devastador, esse cenário envolve o colapso de uma das frentes ou um incidente de grande magnitude que provoque ampliação do conflito para além da Ucrânia. Poderia incluir ataques diretos a países da OTAN, bloqueios no Mar Negro, intensificação das ofensivas cibernéticas ou uso de armamentos de efeito massivo. Essa trajetória é temida por todos os envolvidos, mas não pode ser descartada, especialmente se houver falhas de comando, erros de cálculo ou decisões políticas extremas.
No conjunto, a maior probabilidade recai sobre uma forma de congelamento (Cenários 1 e 2 somam 55%), mas ambos carregam risco elevado de instabilidade e de retomada dos combates a médio prazo. A guerra de atrito contínua (Cenário 3) é igualmente plausível, enquanto a escalada ampla (Cenário 4) permanece como ameaça latente que condiciona a cautela dos negociadores.
Impactos globais e regionais

Os desdobramentos da guerra, mesmo em cenário de congelamento, reconfiguram camadas da ordem internacional. Na geopolítica, a OTAN consolida seu retorno à lógica de contenção continental, com expansão de capacidades defensivas aérea, integração de sistemas de comando e aceleração de gastos militares. A Rússia, ainda que sem vitória decisiva, cristaliza influência sobre zonas-chave no leste ucraniano e testa um modelo de competição prolongada por desgaste, apoiada por uma base industrial de defesa que aprendeu a operar sob sanções. A China capitaliza ambiguidade: amplia interdependência energética com Moscou, reforça seu papel como mediadora interessada e consolida pontes com o Sul Global, onde cresce a percepção de declínio da hegemonia unipolar. Para o BRICS ampliado, o conflito acelera a construção de alternativas financeiras e logísticas, reduzindo a vulnerabilidade a sanções e ao dólar. No plano energético, um cessar-fogo diminui o prêmio de risco, mas o mercado internalizou a instabilidade estrutural: redesenho de rotas, reconfiguração de contratos e investimento acelerado em infraestrutura crítica permanecem. A indústria bélica vive ciclo de expansão duradouro, com cadeias de suprimentos reposicionadas e maior autonomia tecnológica na Europa. Politicamente, a Europa continua pressionada por custo de vida, fadiga de guerra e dilemas de segurança; a Rússia sustenta a narrativa de resiliência e vitória defensiva; a Ucrânia, independentemente do cenário, enfrenta o desafio monumental de reconstrução econômica, recomposição institucional e cicatrização social. Para o Sul Global, a lição é estratégica: soberania informacional, autonomia industrial e infraestruturas críticas tornaram-se prioridades de segurança nacional, não apenas agendas de desenvolvimento.
Conclusão

A pergunta “a guerra da Ucrânia está próxima do fim?” exige precisão: o que é “fim”? No horizonte mais provável, o que se avizinha é uma pausa armada, um congelamento com cessar-fogo frágil ou imposto, e não uma paz abrangente. As linhas vermelhas dos atores centrais permanecem distantes de qualquer síntese estável; a correlação de forças no terreno não produz decisão militar limpa; e a diplomacia busca, sobretudo, administrar custos e reposicionar agendas estratégicas. O cenário combinado mais plausível é o de um congelamento que estabiliza a violência aberta sem resolver a disputa de fundo, seguido de um longo período de competição política, econômica, tecnológica e informacional. Traduzido em prática, isso significa que as concessões que cabem hoje na mesa — reconhecimento tácito de linhas de contato, garantias de segurança condicionadas, flexibilização gradual de sanções — não resolvem o núcleo do conflito: o lugar da Ucrânia na arquitetura de segurança europeia e a disputa pela hegemonia na Eurásia. Por isso, responder que a guerra “acaba” seria impreciso; o que se configura é a metamorfose do conflito: de guerra quente de alta intensidade para um regime de contenção, pressão e guerra híbrida prolongada. Para leitores, analistas e decisores, a orientação é clara: monitorar variáveis críticas que podem deslocar as probabilidades — apoio externo à Ucrânia, ritmo industrial de reposição russa, fissuras políticas na Europa, gestos de grandeza nas conversas bilaterais entre Washington e Moscou — e preparar-se para um mundo em que “cessar-fogo” não equivale à estabilidade, mas a um intervalo tenso entre rodadas de disputa
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