A palavra em disputa: análise crítica dos discursos na crise da soberania
- Sara Goes
- 4 de ago.
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Atualizado: há 19 horas
A sessão do Supremo Tribunal Federal de 1º de agosto de 2025 transcende o rito processual para se inscrever como um evento discursivo fundamental. Sob a ótica da Análise do Discurso Crítica (ADC), os pronunciamentos proferidos não foram meras declarações, mas atos de linguagem estratégicos, travados no que Valentin Volóchinov definiu como o campo de batalha da enunciação. Ali, em um palco de máxima autoridade simbólica, as palavras foram mobilizadas para soldar uma frente institucional, construir o adversário e disputar o sentido de signos centrais como "soberania", "democracia" e "justiça"
O signo em batalha: a soberania como palavra plena
O fio condutor da sessão, a soberania nacional, exemplifica a tese de Volóchinov de que o signo ideológico é multissignificante e reflete a luta de projetos políticos. A palavra "soberania" não possui um valor neutro; seu sentido foi ativamente disputado. O discurso do poder instituído buscou saturar este signo com um significado específico: o da dignidade inegociável do Estado-nação. O Advogado-Geral da União, Jorge Messias, foi direto ao afirmar que a soberania é uma "premissa é inegociável" e que o Brasil "não aceita que nenhuma autoridade brasileira (...) seja ameaçada ou punida por Estados estrangeiros".
Neste ponto, o dialogismo de Bakhtin se torna visível. Cada palavra proferida estava carregada de uma "palavra alheia". O discurso da Corte foi uma réplica polêmica àqueles que, segundo o ministro Alexandre de Moraes, agem com a "finalidade de submeter o funcionamento desta Corte ao crivo de um Estado estrangeiro". O decano Gilmar Mendes qualificou essa articulação como um "verdadeiro ato de lesa-pátria" , praticado por meio de uma "ação orquestrada de sabotagem contra o povo brasileiro". A fala de Moraes, ao conectar a pressão externa à chantagem por anistia com ameaças explícitas como "'ou votam a anistia ou as tarifas continuarão'" , revela essa bivocalidade: ele enuncia a ameaça do outro para, ao mesmo tempo, esvaziá-la de legitimidade e reenquadrá-la como "coação" e "atentado à soberania nacional".
A cenografia do poder e a construção do ethos
A análise de Dominique Maingueneau nos ajuda a compreender a força performativa do evento. A cena englobante (o espaço do Judiciário) e a cenografia (a solenidade da abertura do semestre forense) conferem legitimidade e gravidade aos enunciados. É nesse cenário que os oradores tecem, cada um à sua maneira, um ethos complementar que fortalece o conjunto. O presidente Luís Roberto Barroso constrói para si um ethos de fiador histórico, mobilizando a autoridade do testemunho, "Vivemos uma ditadura. Ninguém me contou. Eu estava lá" , para se posicionar como o guardião da memória cuja missão é "impedir a volta ao passado".
Por sua vez, Alexandre de Moraes encarna o ethos do alvo que se torna acusador. Sua fala não é a de uma vítima passiva, mas a de quem desmascara uma "verdadeira organização criminosa" que age de maneira "covarde e traiçoeira". Ao descrever que os réus ameaçam não apenas ministros, "mas também suas famílias, comportamento típico de milicianos do submundo do crime", ele constrói o adversário e, em contraste, sua própria imagem de resistência. Esse edifício de autoridade é completado por Gilmar Mendes, que adota um ethos analítico e combativo ao nomear os adversários como "radicais inconformados com a derrota de seu grupo político nas últimas eleições" , incluindo um "deputado que, na linha de frente do entreguismo, fugiu do país para covardemente difundir mentiras".
O segundo front: o papel das Big Techs na crise
Além da chantagem política, os discursos, em especial o do ministro Gilmar Mendes, expuseram um segundo e poderoso front de insatisfação com o STF. A crise não foi forjada apenas em gabinetes políticos; ela encontrou no ambiente digital seu mais complexo campo de operação, onde os interesses de gigantes globais de tecnologia se alinharam aos dos extremistas. O Brasil emergiu como um caso particularmente agudo do fenômeno da desinformação coordenada , com o STF e o Ministro Alexandre de Moraes no epicentro da resposta do Estado.
Em seu discurso, o ministro Gilmar Mendes desnudou essa aliança, apontando que as acusações e ataques partem de "dois eixos". De um lado, a "claque que apoia lideranças políticas acusadas de tentativa de golpe". De outro, e com igual força, "a reação de grandes empresas de tecnologia". A pesquisa corrobora essa visão, descrevendo o que o Ministro Moraes classifica como um "modelo de negócios 'perverso'" , que lucra com a polarização e a disseminação de discursos de ódio e desinformação.
O inimigo comum de ambos os eixos, segundo a análise dos discursos, era um Judiciário que ousava desafiar o "excepcionalismo digital" , decidindo que plataformas como Google, Meta e X (antigo Twitter) têm o dever de remover conteúdos criminosos (como pedofilia, terrorismo e incitação a atos antidemocráticos) assim que notificadas. O STF mostrou que "é possível responsabilizar sem travar a inovação". Essa regulação mínima, vista como civilizatória pela Corte, é uma ameaça ao modelo de negócios das Big Techs, que se sustenta no engajamento a qualquer custo e na lucrativa isenção de responsabilidade. Mendes afirmou que essas empresas reagem "sob o pretexto de defender a liberdade de expressão" , mas na verdade atuam "em defesa de interesses privados".
Foi nesse cenário, como lembrou o decano, que as plataformas se tornaram a infraestrutura do 8 de janeiro. As convocações para a "festa da Selma" , código para as invasões, foram "amplamente difundida com hashtags como 'primavera brasileira'". Segundo Mendes, essa mobilização foi acompanhada de "perfis monetizados e anúncios patrocinados" que impulsionaram "conteúdos golpistas". Assim, os ataques ao STF ganharam uma nova dimensão: não eram apenas os "radicais inconformados" confrontados com provas de seus crimes, mas também os "lobos poderosos", nas palavras de Mendes, reagindo para "tentar em vão dobrar o Tribunal e o governo brasileiro aos seus caprichos e interesses econômicos".
A eloquência do não-dito: o silêncio como estratégia e omissão
Uma análise completa do evento discursivo de 1º de agosto não pode se ater apenas às palavras que foram ditas, mas deve também interpretar os silêncios que as cercaram. Na análise do discurso, o silêncio não é um vazio, mas um ato com significado próprio. A contenção discursiva de outros ministros e a ausência da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) do púlpito foram cruciais para a construção da mensagem de força, seja por estratégia ou por omissão.
O silêncio dos demais ministros da Corte presentes na sessão, como Cármen Lúcia e Cristiano Zanin, pode ser interpretado como um ato de profunda disciplina institucional e a medida certa para o momento. Em vez de uma polifonia de vozes que poderia arriscar fissuras ou diluir a mensagem central, o Supremo Tribunal Federal optou por uma estratégia de contenção. A mensagem foi concentrada em seus porta-vozes mais simbólicos: o Presidente (Barroso), o decano (Mendes) e o alvo direto dos ataques (Moraes), com o apoio formal dos chefes da PGR e da AGU. O silêncio dos outros magistrados funcionou como um endosso tácito e poderoso, comunicando unidade e coesão e reforçando o argumento de que a Corte atuava de forma colegiada, como o próprio Moraes fez questão de ressaltar em sua fala.
De forma distinta, a ausência de um pronunciamento da OAB, uma instituição historicamente central na defesa do Estado de Direito, constitui um silêncio que ressoa como uma omissão preocupante. Em um momento de ataque direto à soberania e ao Judiciário, o vácuo deixado pela Ordem torna-se notável. Essa ausência se agrava quando contrastada com o apoio explícito de outras entidades jurídicas, como o Instituto dos Advogados Brasileiros (IAB), que, segundo os registros, manifestou solidariedade e "apoio irrestrito ao ministro diante da pressão externa".
Nesse contexto, o silêncio da OAB dificilmente pode ser lido como prudência ou estratégia. Ele se aproxima mais de um sintoma de fratura interna, hesitação política ou, de forma mais crítica, do abandono de seu papel histórico de vanguarda na defesa intransigente das instituições. É um não-dito que, ao invés de demarcar autonomia, arrisca comunicar uma falha no exato momento em que sua presença e sua voz eram mais esperadas pela sociedade civil e pelo próprio sistema de Justiça.
Conclusão: a palavra como ato institucional
A sessão de 1º de agosto de 2025 se revela, portanto, um complexo ato discursivo de resistência. Utilizando a linguagem como principal ferramenta, as lideranças da República se engajaram ativamente na batalha pelos sentidos que fundam o Estado Democrático de Direito. A análise crítica demonstra que os discursos foram muito além de uma "mensagem uníssona", configurando uma sofisticada operação discursiva. Essa operação foi tecida em conjunto para fixar o sentido de signos cruciais como "soberania", ao mesmo tempo em que construía dialogicamente o adversário, antecipando e refutando seus argumentos. Ao fazer isso, legitimou a própria autoridade através de um ethos cuidadosamente elaborado e amparado pela cenografia do poder, projetando sua força ao expor e deslegitimar os "jogos de linguagem" dos oponentes. Naquele dia, a palavra não foi usada para descrever a realidade, mas para forjá-la. Em pleno campo de batalha discursivo, as instituições reafirmaram sua força, ecoando a fala de Gilmar Mendes: "Este Supremo Tribunal Federal não se curvou à ditadura militar. Não sucumbiu ao populismo iliberal durante a pandemia. E não se submeterá agora. Está preparado para enfrentar, com altivez, todas as ameaças venham de onde vierem".
Discursos:
Luís Roberto Barroso – Presidente do STF:
Senhores ministros, leio um breve pronunciamento ao tribunal que intitulei: O Supremo Tribunal Federal e a defesa da institucionalidade.
Um pouco de história política do Brasil.
Em novembro de 1891, Deodoro da Fonseca, primeiro presidente da República, renunciou após uma tentativa fracassada de golpe de Estado. Foi substituído por Floriano Peixoto, que, violando a Constituição, deixou de convocar eleições e permaneceu ilegitimamente no poder até 1894.
As tentativas de ruptura da ordem institucional nos acompanham desde os primeiros passos da República. Em 1892, diante de um habeas corpus impetrado no Supremo em favor de generais rebelados, Floriano teria dito: “Se o Supremo Tribunal Federal conceder o habeas corpus, não sei quem amanhã dará habeas corpus aos ministros”. O Supremo, então, decidiu não conhecer do pedido, por considerá-lo questão essencialmente política.
Esses episódios revelam três traços marcantes da história constitucional brasileira: presidentes autoritários, militares envolvidos em política e ameaças ao Supremo Tribunal Federal.
Do início da República até o fim do regime militar, a história do Brasil foi marcada por golpes, contragolpes, intervenções e rupturas da legalidade constitucional.
Fazendo um recorte dos últimos 100 anos, tivemos:
– as tentativas de golpe do movimento tenentista em 1922 e 1924,
– a Revolução de 1930,
– a Revolução Constitucionalista de 1932,
– a Intentona Comunista de 1935,
– o golpe do Estado Novo de 1937,
– a deposição de Getúlio Vargas em 1945,
– o contragolpe preventivo do Marechal Lott em 1955,
– as rebeliões de Jacareacanga (1956) e Aragarças (1959),
– o veto militar à posse de João Goulart em 1961,
– o golpe militar de 1964,
– o AI-5 de 1968,
– o impedimento da posse de Pedro Aleixo em 1969,
– a outorga da Constituição de 1969,
– e o fechamento do Congresso pelo presidente Geisel em 1977.
Até 1988, o sistema de justiça não conseguiu se opor de forma eficaz às ameaças autoritárias.
Um pouco da história do Supremo Tribunal Federal.
O Supremo também sofreu ameaças, desrespeitos e violências.
Floriano Peixoto recusou-se por longo período a nomear ministros, causando falta de quórum. Nomeou, inclusive, um médico e um general sem formação jurídica. Getúlio Vargas, em 1931, reduziu o número de ministros e aposentou compulsoriamente seis deles. Em 1937, a Constituição do Estado Novo permitia que decisões do STF fossem revistas pelo Congresso.
Em 1969, com base no AI-5, três ministros — Evandro Lins e Silva, Victor Nunes
Leal e Hermes Lima — foram aposentados compulsoriamente. No mesmo ano, a Junta Militar aumentou o número de ministros para 16, nomeando aliados do regime.
Como se passam as coisas numa ditadura?
Eu, e muitos aqui, vivemos uma ditadura. Conhecemos pessoas torturadas, jornalistas censurados, músicas proibidas, professores afastados, presos políticos, desaparecidos.
Vimos atentados como o do Riocentro em 1981 e assassinatos disfarçados de suicídio, como os de Vladimir Herzog e Manoel Fiel Filho. A ditadura torturou grávidas, lançou corpos no mar, forjou investigações.
Por tudo isso, para mim e para minha geração, a democracia e o constitucionalismo são fundamentais. Eles são o antídoto contra os horrores que testemunhamos. O processo civilizatório existe para reprimir o mal e potencializar o bem. As ditaduras fazem o contrário.
A Constituição de 1988
A Constituição de 1988 proporcionou o mais longo período de estabilidade institucional da nossa história republicana. E não foram tempos banais:
– dois impeachments presidenciais,
– hiperinflação,
– escândalos de corrupção,
– planos econômicos fracassados.
Mas em nenhum momento se cogitou romper a legalidade constitucional.
O que aconteceu entre nós nos últimos anos?
Desde 2019, vivenciamos episódios graves:
– tentativa de atentado terrorista no aeroporto de Brasília,
– explosivos nas imediações do STF,
– falsas acusações de fraude eleitoral,
– acampamentos pedindo intervenção militar,
– ameaças a ministros,
– e, em 8 de janeiro de 2023, a invasão e depredação das sedes dos Três Poderes.
Segundo denúncia da PGR, havia inclusive planos para assassinar o presidente da República, o vice e um ministro do Supremo.
Foi necessário um tribunal independente para evitar o colapso institucional.
Sobre as ações penais.
Estão em curso ações penais que buscam apurar as responsabilidades por crimes contra o Estado democrático de direito, conforme a lei de 2021.
Essas ações vêm sendo conduzidas com transparência, devido processo legal, sessões públicas e provas robustas — áudios, vídeos, confissões.
A marca do Judiciário brasileiro é a independência e a imparcialidade. Todos os réus serão julgados com base nas provas, sem interferências.
Registro aqui o reconhecimento ao relator, ministro Alexandre de Moraes, que com empenho, coragem e custos pessoais conduziu essas investigações. Nem todos compreendem os riscos que o país correu e a importância de uma atuação firme e rigorosa. Mas cabe lembrar:
– não houve desaparecidos,
– ninguém foi torturado,
– não há acusações sem prova,
– a imprensa é livre,
– e a regulação digital é equilibrada.
Conclusão.
Somos um dos raros casos no mundo em que um tribunal, ao lado da sociedade civil, da imprensa e da maioria da classe política, conseguiu evitar uma erosão democrática sem abalar as instituições.
Como sempre repito:
A democracia tem lugar para todos — conservadores, liberais e progressistas.
Ninguém tem o monopólio da virtude.
Ninguém tem o monopólio do amor ao Brasil.
Quem ganha leva. Quem perde pode tentar ganhar na próxima eleição. E quem ganha deve respeitar as regras do jogo e os direitos de todos.
Isso é uma democracia constitucional.
Essa é a nossa causa.
Essa é a nossa fé racional.
E como toda fé sinceramente cultivada, ela não pode ser negociada.
Obrigado pela atenção.
Alexandre de Moraes:
Senhor presidente, cumprimento Vossa Excelência, ministro Luís Roberto Barroso. Cumprimento o nosso decano, ministro Gilmar Mendes, a ministra Cármen Lúcia, o ministro Cristiano Zanin e o procurador-geral da República, professor Paulo Gonet.
Início agradecendo as palavras de Vossa Excelência e do eminente ministro Gilmar Mendes, que recebo não só pessoalmente, mas principalmente institucionalmente, como ministro do Supremo Tribunal Federal.
Presidente, temos visto recentemente ações de diversos brasileiros que estão sendo processados pela Procuradoria-Geral da República ou investigados pela Polícia Federal. Verificamos condutas dolosas e conscientes de uma organização criminosa que, de forma jamais vista anteriormente em nosso país, age de maneira covarde e traiçoeira, com a finalidade de submeter o funcionamento desta Corte ao crivo de um Estado estrangeiro.
Repito: é uma atuação covarde, porque esses pseudo patriotas encontram-se foragidos e escondidos fora do território nacional. Não tiveram coragem de permanecer no Brasil. É traiçoeira porque atuam por meio de atos hostis e mentirosos, oriundos de negociações espúrias e criminosas, com a patente finalidade de obstrução à Justiça e de coação desta Corte no julgamento da ação penal 2688 — ação penal do núcleo crucial da tentativa de golpe de Estado do dia 8 de janeiro.
Essa forma covarde e traiçoeira de atuação gera reflexos nocivos à economia e à sociedade brasileira. Como bem disse o ministro Gilmar Mendes, trata-se de uma verdadeira traição à pátria. Há fartas provas nas investigações que demonstram não apenas o induzimento, instigação e auxílio na tentativa de submeter o funcionamento desta Corte ao crivo de outro Estado, com afronta à soberania nacional, mas também o envolvimento direto em negociações espúrias com autoridades estrangeiras para a prática de atos hostis à economia do Brasil.
Mais do que esses ataques criminosos, o que se observa são condutas impregnadas pelo desprezo à pátria, pela defesa de interesses pessoais e pelo amargo sabor da traição. Assumem publicamente, principalmente nas redes sociais, a autoria de intermediações com governos estrangeiros para a imposição de medidas econômicas contra o próprio país, como a taxação de 50% sobre produtos brasileiros pelos Estados Unidos.
Essas medidas já começaram a causar prejuízos grandiosos a empresários e ameaçam milhares de empregos. A organização criminosa insiste na implementação de tarifas nocivas ao Brasil, com o objetivo claro de provocar uma crise econômica e, com isso, gerar instabilidade política e social que interfira no andamento das ações penais em curso.
O modus operandi é o mesmo do golpe: acampamentos, invasões, tentativa de mobilização das Forças Armadas e agora o incentivo à crise econômica para gerar comoção e instabilidade. Trata-se de uma estratégia que visa favorecer interesses pessoais com ameaças diretas aos presidentes da Câmara e do Senado — ameaças explícitas, como "ou votam a anistia ou as tarifas continuarão", ou "também terão aplicada a lei da morte financeira".
Essas ameaças foram repudiadas por ambos os presidentes das Casas Legislativas, por meio de notas oficiais. Mas a organização criminosa segue atuando contra o Judiciário, especialmente contra o STF, com o único objetivo de obter o arquivamento imediato de ações penais devidamente propostas pelo Ministério Público.
Afirmo: trata-se de tentativa de golpe de Estado. Esta Corte já condenou mais de 700 pessoas por tentativa de golpe. Outras ações penais seguem em curso, com ampla observância do devido processo legal. São 96 advogados habilitados nos autos, com acesso total às provas, 149 testemunhas de defesa ouvidas, 31 réus interrogados, tudo com absoluta publicidade, transmitido ao vivo pela TV Justiça e pela imprensa.
Não há, nem houve, no mundo, ação penal com tanta transparência. Nenhum país transmite interrogatórios e oitivas de testemunhas para toda a sociedade acompanhar. E não será com pressões externas ou internas que o STF se dobrará. O objetivo dessa organização criminosa é substituir o processo legal por um arquivamento tirânico que beneficie aqueles que se julgam acima da Constituição.
Esses réus não ameaçam apenas ministros, mas também suas famílias, comportamento típico de milicianos do submundo do crime. Essas condutas são confissões de traição ao Brasil, obstrução à Justiça e atentado à soberania nacional.
Repito: não haverá rendição. As instituições brasileiras são fortes. Esta Corte foi forjada no espírito democrático da Constituição de 1988. A soberania nacional não pode, não deve e jamais será vilipendiada. É um dos fundamentos da República, previsto no artigo 1º da Constituição.
O STF será inflexível na defesa da soberania, da democracia, dos direitos fundamentais e da independência do Judiciário. Como bem citou o ministro Flávio Dino, Hamilton, Gay e Madison defenderam a separação dos poderes nos Estados Unidos. Eu complemento com Abraham Lincoln, que afirmava que os princípios mais importantes podem e devem ser inflexíveis.
A independência judicial não é um direito do juiz, é um direito do cidadão, que tem direito a uma tutela imparcial. Sem Judiciário independente, não há Estado de Direito. Esse é um princípio inflexível da Constituição brasileira.
O STF continuará julgando os responsáveis pela tentativa de golpe de 8 de janeiro. Já encerramos a instrução dos quatro núcleos. Um deles está em fase final de alegações. Outros iniciarão em breve. Este semestre haverá julgamento de todos os réus. Absolveremos quem for inocente e condenaremos os culpados.
Já julgamos 638 ações penais, sendo 370 no Plenário e 268 na Primeira Turma, além de 551 acordos de não persecução penal. O rito não será alterado. O relator ignora as sanções externas e seguirá trabalhando com colegialidade.
Durante as investigações, foram interpostos 707 recursos contra decisões monocráticas minhas. Todos foram improvidos. Isso mostra que o STF atua de forma colegiada e legal. Este segundo semestre concluirá os quatro núcleos das ações penais do golpe, com serenidade, coragem e compromisso com a Constituição.
A tentativa de coação por meio de sanções, ameaças ou desinformação não surtirá efeito. O STF continuará a exercer sua função de guardião da Constituição. Julgaremos quem tentou destruir a democracia brasileira.
Obrigado, presidente.
Paulo Gonet – Procurador-Geral da República:
Excelentíssimo senhor presidente do Supremo Tribunal Federal, ministro Luís Roberto Barroso. Excelentíssimo senhor ministro Alexandre de Moraes. Excelentíssima senhora ministra Cármen Lúcia. Excelentíssimos senhores ministros.
Neste instante em que oficialmente se inaugura o semestre judiciário, gostaria, em nome do Ministério Público Federal e em meu próprio nome, mais do que desejar, exprimir a certeza de que este será, como de hábito, um período de profícuos resultados do sempre empenhado esforço de Vossas Excelências por realizar a nobre tarefa que lhes é cometida pela Constituição do nosso Estado Democrático de Direito.
Este é também, como sempre, o compromisso de atuação da Procuradoria-Geral da República: garantir que o exercício da parcela de soberania confiada a esta Corte seja respeitado por todos — no país e no exterior.
Aproveito o momento, diante de assombrosas e inconcebíveis investidas contra o ministro Alexandre de Moraes pelo desempenho legítimo de suas funções jurisdicionais, invariavelmente submetidas às regras de controle do colegiado, para assegurar-lhe a solidariedade — a mesma que estendo ao Supremo Tribunal Federal e ao Judiciário brasileiro.
Muito obrigado.
Gilmar Mendes – Ministro do STF:
Excelentíssimo presidente, ministro Luís Roberto Barroso. Excelentíssimos senhores ministros do Supremo Tribunal Federal. Excelentíssimo senhor ministro Alexandre de Moraes.
É com grande consternação, mas também com a serenidade que a gravidade do momento exige e com a firmeza que a defesa de nossas instituições impõe, que, na condição de decano, me dirijo a Vossas Excelências e ao povo brasileiro neste dia.
Nos últimos dias, temos acompanhado com perplexidade uma escalada de ataques contra membros do Supremo Tribunal Federal e, portanto, contra toda a Corte e contra o povo brasileiro, de forma agressiva e absolutamente inusual. Tais medidas, motivadas por discordâncias de natureza política em relação à atuação jurisdicional do Supremo, demandam uma resposta à altura da dignidade da nossa Corte e da soberania do Estado brasileiro.
Venho manifestar meu mais veemente repúdio aos recentes atos de hostilidade unilateral, que desprezam os mais básicos deveres de civilidade e respeito mútuo que devem balizar as relações entre indivíduos e instituições.
Os fatos recentes se revelam ainda mais graves por decorrerem de uma ação orquestrada de sabotagem contra o povo brasileiro, por parte de pessoas avessas à democracia, armadas com os mesmos radicalismos, desinformação e
servilismo que vêm marcando sua conduta já há alguns anos.
Não é segredo que os ataques à nossa soberania foram estimulados por radicais inconformados com a derrota de seu grupo político nas últimas eleições presidenciais. Entre eles, um deputado que, na linha de frente do entreguismo, fugiu do país para covardemente difundir mentiras contra o Supremo Tribunal Federal — um verdadeiro ato de lesa-pátria.
O alvo central dessas investidas tem sido o eminente ministro Alexandre de Moraes, responsável pela apuração da tentativa de golpe de Estado para impedir a posse do governo eleito em 2022. Não é de hoje que o ministro Alexandre é alvo de críticas infundadas.
Sempre digo: a atuação do Supremo e de seus ministros não está imune a críticas. Elas são bem-vindas quando, num gesto de boa-fé, buscam o aperfeiçoamento institucional. Porém, é imperativo distinguir entre ponderações sérias e opiniões levianas que se alinham às narrativas fabricadas por gabinetes do ódio e difundidas em redes sociais.
Essas investidas dolosas visam corroer a independência institucional. As censuras ao ministro Alexandre, em sua maioria, partem de radicais que desejam interditar o funcionamento do Judiciário e manietar instituições fundamentais da democracia liberal.
As acusações partem de dois eixos. De um lado, ataques da claque que apoia lideranças políticas acusadas de tentativa de golpe. À medida que testemunhas confirmam fatos graves, como planos para assassinar autoridades, os ataques se intensificam — fruto do desespero de quem se vê confrontado com provas incontestáveis e recorre ao discurso de perseguição política.
O segundo eixo diz respeito à reação de grandes empresas de tecnologia. O Supremo decidiu que plataformas não podem se omitir, quando notificadas, diante de crimes graves como pedofilia, terrorismo e incitação ao suicídio. A mera perspectiva de obrigações legais — já exigidas de todas as empresas — despertou forte lobby contrário, que agora tenta em vão dobrar o Tribunal e o governo brasileiro.
Este Supremo Tribunal Federal não se dobra a intimidações. É necessário prestar esclarecimentos não aos propagadores de calúnias, mas ao povo brasileiro, que é diariamente bombardeado por desinformação e tem o direito de compreender os reais interesses por trás desses ataques.
Quanto às ações que apuram a tentativa de golpe, é fundamental frisar que o relator tem conduzido os casos com legalidade, respeito às garantias individuais e compromisso com a verdade. A defesa teve pleno acesso aos autos e provas. Os atos processuais têm ampla participação dos advogados e são transmitidos em tempo real, garantindo transparência.
Calúnias sobre o rito processual são retórica política barata para desacreditar o Tribunal e desviar o foco dos graves fatos revelados pelas provas e testemunhas. A cada nova evidência — mensagens, confissões, reuniões — os ataques se renovam. É uma tática conhecida.
Vivemos tempos em que a desinformação é arma política. Precisamos defender aqueles que, com coragem, enfrentam tais ameaças, mesmo sob críticas injustas. Além dos apoiadores do grupo político derrotado, há ainda as empresas de tecnologia, que, sob o pretexto de defender a liberdade de expressão, atuam em defesa de interesses privados, sustentando um modelo de regulação ineficaz.
Essas empresas afirmam que cabe apenas a elas decidir sobre a remoção de conteúdos — mesmo em casos de pornografia infantil, terrorismo e tráfico de pessoas. O sistema baseado em “termos de uso” tem se mostrado falho, permitindo a propagação de desinformação, ataques às instituições e convocatórias para o 8 de janeiro.
O acampamento diante do QG do Exército foi acompanhado por intensa mobilização em redes sociais. A expressão “festa da Selma” foi usada como código para as invasões, amplamente difundida com hashtags como “primavera brasileira”. Algumas contas envolvidas tinham até o selo pago de verificação do Twitter Blue.
Plataformas impulsionaram, com perfis monetizados e anúncios patrocinados, conteúdos golpistas. Em 8 de janeiro, uma turba rompeu barreiras da Polícia Militar e invadiu os três poderes. As imagens de destruição provocaram vergonha nacional e internacional.
Diante disso, o Supremo cumpriu seu dever com serenidade, construindo uma posição de equilíbrio que preserva a liberdade de expressão sem permitir que redes sociais se tornem terra sem lei. O Tribunal mostrou que é possível responsabilizar sem travar a inovação.
Como dizia o ministro Celso de Mello, esta Corte, atenta à sua responsabilidade, não transigirá nem renunciará ao desempenho isento da jurisdição. Sem juízes independentes, não há cidadãos livres. Não há registro histórico de um povo que tenha preservado seus direitos sem um Judiciário autônomo.
O Supremo tem atuado com lisura, legalidade e transparência. Julgamentos são públicos, com contraditório e fundamentações claras. A toga simboliza o compromisso exclusivo com a Constituição, que garante um Judiciário autônomo.
Por fim, reafirmo a soberania nacional do Brasil. Temos um sistema jurídico robusto e independente. Ataques à atuação jurisdicional são afrontas à soberania. A independência do Judiciário é inegociável. Cabe apenas ao povo brasileiro decidir seu destino.
Este Supremo Tribunal Federal não se curvou à ditadura militar. Não sucumbiu ao populismo iliberal durante a pandemia. E não se submeterá agora. Está preparado para enfrentar, com altivez, todas as ameaças — venham de onde vierem.
Solidarizo-me, mais uma vez, com o ministro Alexandre de Moraes, vítima de agressões e intimidações. Vossa Excelência tem prestado um serviço fundamental ao Estado brasileiro, com prudência e assertividade, na defesa da democracia.
Aos propagadores do caos que se dizem patriotas, mas atuam contra o país, afirmo: seus atos criminosos receberão a resposta devida do Estado. Que ninguém duvide da legitimidade do STF. E que ninguém ouse desrespeitar a soberania do Brasil.
A democracia e as instituições brasileiras são fortes e resilientes. Por isso, senhor presidente Barroso, senhor ministro Alexandre, senhores ministros, senhora ministra Cármen Lúcia, o Supremo Tribunal Federal e o nosso Poder Judiciário permanecerão inabaláveis em sua missão de servir à Constituição e ao povo brasileiro.
Muito obrigado.
Jorge Messias – Advogado-Geral da União:
Excelentíssimos senhores ministros, cumprimento também as demais autoridades presentes, os colegas advogados públicos e privados, e os servidores desta respeitável Suprema Corte. Bom dia.
Agradeço, senhor presidente, a oportunidade de fazer este breve pronunciamento, trazendo uma mensagem muito clara do governo brasileiro: o Brasil é um Estado soberano e merece respeito nas suas relações internacionais. Essa premissa é inegociável.
Não aceitamos que nenhuma autoridade brasileira, como o ministro Alexandre de Moraes, seja ameaçada ou punida por Estados estrangeiros. Da mesma forma, não podemos admitir que nossas leis e nossa Constituição sejam suspensas para que legislações estrangeiras determinem o que empresas em solo nacional devem ou não fazer.
Lembro que a soberania nacional é fundamento da República Federativa do Brasil, conforme o artigo 1º da Constituição Federal, e também princípio fundamental da ordem econômica nacional, conforme o artigo 170, inciso I. A independência nacional é princípio basilar das nossas relações internacionais.
O artigo 17 da Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro estabelece expressamente que leis, atos e sentenças de outro país, bem como quaisquer declarações de vontade, não terão eficácia no Brasil quando ofenderem a soberania nacional, a ordem pública ou os bons costumes.
Nas palavras de José Afonso da Silva, a soberania sequer precisava ser mencionada, pois ela é fundamento do próprio conceito de Estado. Também constitui princípio da ordem econômica.
Soberania significa poder político supremo e independente, como observa Marcelo Caetano — supremo, porque não está limitado a nenhum outro na ordem interna; independente, porque na ordem internacional não tem regras que não sejam voluntariamente aceitas, estando em pé de igualdade com os poderes supremos de outros povos.
Na mesma linha, Manuel Gonçalves Ferreira Filho nos lembra que só há Estado verdadeiro quando o poder que o dirige é soberano. Soberania é o caráter supremo de um poder supremo, pois não admite outro, nem acima, nem em concorrência com ele.
A Advocacia-Geral da União está vigilante e adotará todas as providências necessárias para a defesa da soberania nacional.
Este segundo semestre do ano judiciário se inicia em meio a tensões diplomáticas e a injustos ataques a autoridades públicas. É um começo de semestre atípico, complexo e preocupante.
Mais do que nunca, precisamos que o Supremo Tribunal Federal continue exercendo com firmeza e altivez o papel de guardião máximo da Constituição e da democracia brasileira.
Esta sessão, senhores ministros, não marca apenas o início do segundo semestre do Supremo. É um momento em que precisamos reafirmar a defesa da nossa democracia e da soberania do nosso país. Reafirmar que o Judiciário brasileiro não se afastará nem um centímetro da sua função constitucional, não cedendo a pressões externas ou de quem trabalha contra os interesses do povo brasileiro.
Como advogado-geral da União, instituição que representa judicial e extrajudicialmente a União, repudio a tentativa de intimidação do Poder Judiciário. Qualquer pretensão de obstrução da Justiça é arbitrária, injustificável e inaceitável.
Mais uma vez, manifesto minha irrestrita solidariedade ao ministro Alexandre de Moraes, diante das ações que conspiram contra a autoridade e a independência do nosso Judiciário.
O ministro Alexandre de Moraes é exemplo de magistrado e orgulha o nosso Judiciário independente — razão pela qual os juízes são vitalícios. E é importante destacar a vitaliciedade nesse contexto.
Reitero o que disse a nota oficial desta Corte sobre as sanções ilegítimas ao ministro Alexandre de Moraes: o julgamento de crimes que implicam atentado contra a democracia brasileira é de exclusiva competência da Justiça do país, no exercício independente de seu papel constitucional.
Esta Corte vem prestando grandes serviços à nação, e essa trajetória virtuosa não pode e não será interrompida.
Já me encaminhando para o final, reafirmo o compromisso da Advocacia-Geral da União na defesa de um Brasil justo e próspero. Todas as medidas necessárias serão adotadas para salvaguardar a autonomia e a independência do Poder Judiciário.
Trabalharemos dia e noite pela proteção dos interesses nacionais e pela elucidação da verdade, pela defesa do nosso território, dos nossos cidadãos e das nossas riquezas naturais.
O Brasil é um país que não quer guerra econômica ou diplomática. Muito pelo contrário: somos um país da paz, do diálogo e da harmonia nas relações internacionais. Estamos certos de que a verdade prevalecerá e de que as tensões serão arrefecidas.
Seguiremos firmes na convicção de que o diálogo, o respeito e a cooperação são a base da nossa democracia.
E lembro, ministro Flávio Dino, como Vossa Excelência registrou há um mês, o livro de Isaías 32:17: “O fruto da justiça será a paz e o resultado da justiça será tranquilidade e confiança para sempre”.
Que tenhamos um semestre produtivo de paz e tranquilidade institucional.
Muito obrigado. Fiquem com Deus.
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