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Amazônia na mira dos EUA: como a Operação Lança do Sul prepara a internacionalização da floresta

  • Foto do escritor: Rey Aragon
    Rey Aragon
  • há 11 horas
  • 18 min de leitura

A partir da ofensiva contra a Venezuela e do discurso do “narcoterrorismo”, EUA e aliados da OTAN avançam sobre a Amazônia como zona de risco global, abrindo caminho para um regime de tutela que esvazia a soberania dos países sul americanos.


Enquanto a Casa Branca ameaça bombardear Caracas, sabe que uma ocupação terrestre da Venezuela seria um atoleiro militar e político. Por isso aposta em algo mais ambicioso e silencioso: transformar a Amazônia em território internacionalizado sob o pretexto de combater o crime e salvar o clima, deslocando o centro de decisão sobre a floresta para Washington, Bruxelas e seus aliados e reduzindo Brasil, Venezuela, Colômbia e vizinhos a administradores locais de uma região estratégica tutelada pelo Norte global.

O Tabuleiro Invisível



A geopolítica continental mudou de eixo. Enquanto Washington ensaia ataques a Caracas e reativa a retórica do narcoterrorismo, o movimento decisivo não está na Venezuela, mas na floresta que a circunda. O imperialismo do século XXI não precisa ocupar capitais hostis: precisa controlar sistemas ecológicos estratégicos, suas rotas, seus dados e a narrativa que os legitima. É por isso que, hoje, a Amazônia está mais no centro da estratégia dos Estados Unidos do que qualquer outro território do hemisfério.


A Operação Lança do Sul não é apenas uma manobra militar de pressão sobre Maduro. É a abertura de um novo regime discursivo que redesenha o mapa do poder regional. Ao transformar o crime organizado, o desmatamento e a crise ambiental em um mesmo enredo de segurança hemisférica, Washington cria as condições ideológicas para apresentar a Amazônia como zona de risco global, suscetível a tutela internacional e intervenção extraterritorial.


A disputa não é entre países, mas entre projetos civilizatórios. No Norte global, a Amazônia é vista como reserva energética, depósito de minérios críticos, laboratório de biodiversidade e variável climática planetária. No Sul, ela é território de soberania e de luta. É nesse conflito estrutural que se decide se a região será governada por seus povos ou convertida no maior condomínio geoestratégico do Ocidente desde a Guerra Fria.


O Limite Imperial: Por que os EUA Não Conseguem Ocupação na Venezuela



A ideia de uma ocupação norte-americana da Venezuela é militarmente fantasiosa e politicamente suicida. O imperialismo conhece seus próprios limites materiais. A Venezuela combina geografia hostil, exército numeroso, milícias populares armadas, redes territoriais de defesa e uma cultura política forjada em décadas de conflito assimétrico. Para Washington, entrar seria fácil; permanecer seria impossível.


O território venezuelano é um pesadelo operacional para forças invasoras. Montanhas, selvas densas, rotas fluviais tortuosas e cidades controladas por estruturas populares de defesa criam um ambiente semelhante ao que derrotou os Estados Unidos no Vietnã e no Afeganistão. O Estado venezuelano não depende apenas de suas Forças Armadas. Possui milícias organizadas, integrada a um tecido social que, em cenário de invasão, se transforma em resistência permanente. A guerra deixaria de ser convencional e entraria no campo da guerrilha prolongada, o tipo de conflito que o império sempre tenta evitar porque destrói moral, orçamento e legitimidade.


O custo político seria ainda mais alto. Uma ocupação violaria acordos hemisféricos, detonaria protestos internacionais, abriria crises diplomáticas com Rússia, China, Irã e grande parte da América Latina, e exigiria uma presença militar prolongada em escala que o eleitorado norte-americano não tolera desde o Iraque. A estabilização pós-invasão, etapa que os EUA nunca conseguem completar, seria inviável: fragmentação econômica, redes de crime organizado, tensões etnopolíticas e retaliações internas transformariam qualquer tentativa de reconstrução em outro atoleiro sem fim.


Washington sabe disso. Por isso, em vez de ocupar Caracas, mira o ambiente estratégico que dá sustentação ao Estado venezuelano: a Amazônia. O cálculo imperial é simples e dialético. Se o custo de dominar o país é proibitivo, domina-se o espaço geopolítico ao redor. Controlar a Amazônia significa isolar a Venezuela, cercá-la por narrativas de segurança, restringir seus corredores logísticos, enquadrar sua economia ilícita e lícita e redesenhar a balança de poder regional. É um ataque indireto, mais eficiente e menos custoso. É a guerra sem ocupação.

A Solução Alternativa: Transformar a Amazônia em Zona Internacionalizada



Quando a ocupação direta se torna inviável, o imperialismo muda de escala. Em vez de capturar Estados, captura ecossistemas. Em vez de conquistar capitais, conquista narrativas. A impossibilidade de subjugar Caracas obriga Washington a reposicionar sua estratégia: se não pode derrotar a Venezuela, pode redesenhar o território que define o poder da região. A Amazônia é essa peça. Controlá-la significa controlar o fluxo energético, mineral, ambiental, militar e informacional do continente.


A internacionalização da Amazônia nunca aparece como projeto explícito. Ela se infiltra por discursos de proteção climática, cooperação ambiental, combate ao narcotráfico e defesa da biodiversidade. A operação é sofisticada: transformar a floresta em uma “zona de risco global”, onde a soberania dos países amazônicos é relativizada em nome de uma segurança coletiva definida pelo Norte. Nessa lógica, o crime organizado, o desmatamento e a crise ambiental deixam de ser problemas locais para se tornarem justificativas de tutela. O território é deslocado do domínio dos Estados para o domínio da “comunidade internacional”, conceito sempre mediado por potências ocidentais e suas corporações.


A estratégia opera por camadas. Primeiro, constrói-se o diagnóstico de ingovernabilidade: facções transnacionais, corredores fluviais de cocaína, garimpo armado, paramilitares e destruição ambiental. Depois, associa-se esse diagnóstico a uma leitura securitária: a Amazônia seria ameaça ao clima global, à estabilidade regional e à segurança hemisférica. Por fim, cria-se a solução: ampliar a presença norte-americana sob forma de cooperação militar, bases logísticas discretas, vigilância satelital, drones israelenses, acordos climáticos condicionados e mecanismos internacionais de “gestão sustentável”.


A internacionalização da Amazônia não viria por tanques, mas por resoluções, memorandos, fundos e protocolos. É a ocupação sem tropas. A floresta se transforma em condomínio geopolítico, administrado por uma coalizão liderada pelos EUA, com apoio técnico da OTAN, cobertura moral da União Europeia, vigilância israelense, infraestrutura de dados das Big Techs e legitimação de elites locais que lucram com a perda de soberania.


A chave estratégica é simples: dominar a Amazônia permite enquadrar a Venezuela, condicionar o Brasil, pressionar Colômbia e Peru, redesenhar o Caribe, controlar rotas, restringir autonomias e impor a lógica imperial sob o disfarce da proteção global. É uma forma de neocolonialismo verde, travestido de cooperação.

A Engenharia da Crise: Como EUA e Aliados Constroem o Diagnóstico de “Território Ingovernável”



Nenhum processo de intervenção começa pela intervenção. Começa pela narrativa. Para que a Amazônia seja percebida como zona de risco global, é necessário fabricar um consenso internacional de que os Estados amazônicos perderam o controle sobre seu território. Essa engenharia discursiva é precisa, acumulativa e meticulosamente construída ao longo de duas décadas.


O primeiro movimento é inflar o crime organizado como ameaça transnacional. As facções brasileiras, as dissidências das FARC, o ELN e redes de garimpo armado passam a ser apresentadas como uma infraestrutura criminal integrada, conectada a cartéis mexicanos e a grupos terroristas globais. O crime real existe, mas a narrativa o eleva à categoria de “narcoterrorismo”, um termo criado para dissolver fronteiras entre delito, insurgência e ameaça à segurança hemisférica. Essa fusão semântica é intencional: ela permite que o combate ao crime seja tratado como combate a um inimigo militar.


Em seguida, a degradação ambiental é incorporada ao mesmo enredo. Desmatamento, queimadas, mineração ilegal e rotas fluviais do tráfico são descritos como fenômenos de mesma natureza, produzindo a imagem de uma floresta dominada por economias ilícitas e governada por forças paralelas. A destruição ambiental passa a ser caracterizada não como resultado histórico de desigualdade e ausência de políticas públicas, mas como evidência de caos estrutural. Forma-se a ideia de “colapso governamental”.


O passo seguinte é geopolítico: conectar crime e degradação à ideia de ameaça global. A Amazônia deixa de ser um problema local e vira risco climático, sanitário, energético e estratégico. Think tanks norte-americanos e europeus publicam relatórios que repetem a mesma formulação: se a Amazônia colapsar, o clima global colapsa; se o clima colapsa, a segurança internacional está ameaçada; se a segurança está ameaçada, a ação internacional torna-se legítima. É a lógica clássica da securitização: transformar um fenômeno complexo em emergência que permite exceção.


Por fim, introduz-se a solução: cooperação militar ampliada, inteligência compartilhada, vigilância satelital, operações conjuntas e a necessidade de “governança internacional”. O território é apresentado como ingovernável, mas sempre de forma seletiva. A incapacidade estatal é usada não para defender fortalecimento da soberania dos países amazônicos, mas para justificar sua diminuição em favor de instâncias transnacionais comandadas pelo Norte global.


A engenharia é completa quando a opinião pública internacional aceita que a Amazônia não pertence integralmente a seus povos, mas ao “mundo”. É nesse ponto que a intervenção deixa de parecer ingerência e passa a parecer responsabilidade. O que começa como narrativa termina como arquitetura de poder.


O Arco Norte como Porta de Entrada Imperial: Guiana, Essequibo e Reino Unido



A chave da estratégia norte-americana não está nos Andes nem no interior da floresta. Está no Atlântico Norte. O arco formado por Guiana, Suriname e o território em disputa do Essequibo tornou-se o corredor privilegiado para penetração militar, política e energética das potências ocidentais na borda amazônica. É por ali que o império prepara seu avanço — não pela selva, mas pelo mar.


A Guiana é hoje o país mais cobiçado do hemisfério. Seu petróleo offshore transformou uma nação historicamente periférica em plataforma estratégica da ExxonMobil, da Chevron e de um consórcio internacional que opera sob proteção direta dos Estados Unidos. A descoberta de reservas gigantescas criou não apenas riqueza súbita, mas vulnerabilidade estrutural: onde há petróleo em volume geopolítico, há projeção militar estrangeira. Washington sabe disso e trata o país como zona de interesse vital, articulando cooperação militar, acordos de defesa e a presença constante do Comando Sul no litoral guianense.


A disputa com a Venezuela pelo Essequibo amplifica essa dinâmica. Não importa apenas quem controla o território, mas quem controla sua legitimidade. Cada crise fronteiriça acelera o alinhamento de Georgetown com EUA e Reino Unido, que atuam como garantes da integridade territorial guianense. Londres, com sua história colonial na região e sua projeção no Caribe, funciona como extensão diplomática da OTAN no Atlântico Sul. A antiga colônia britânica abre para o Ocidente um ponto de apoio estratégico que toca, por terra, as franjas da Amazônia venezuelana e, por mar, os corredores energéticos do Caribe.


O que emerge é um cinturão geoestratégico perfeito para o imperialismo do século XXI. A Guiana oferece petróleo, legitimidade jurídica, vulnerabilidade política e proximidade geográfica. O Reino Unido oferece diplomacia, doutrina militar e respaldo da OTAN. Os Estados Unidos oferecem dissuasão, inteligência e proteção energética. Juntos, constroem um arco de poder que funciona como porta de entrada silenciosa para dentro da Amazônia. A floresta não é invadida: é cercada.


É por esse corredor atlântico que se projeta vigilância, presença naval, acordos climáticos condicionados, cooperação em segurança e, sobretudo, capacidade de isolar a Venezuela sem disparar um tiro. É também por ali que se articula a pressão constante sobre Brasil e Suriname. Quem controla o Atlântico Norte controla a chave de acesso ao corredor amazônico do norte — e, portanto, ao coração geopolítico da América do Sul.


O arco norte é o flanco perfeito: indefenso, fragmentado, repleto de interesses externos e geopoliticamente subestimado. É pela borda que o império entra.

Israel e o Complexo Tecnomilitar Privado como Extensão do Comando Sul



O imperialismo contemporâneo não avança apenas com tropas, mas com sensores, nuvens de dados, plataformas de vigilância e sistemas de guerra automatizada. É nesse ponto que Israel se torna peça central da arquitetura de poder dos Estados Unidos na Amazônia. O país opera como extensão tecnomilitar do Comando Sul: fornece os olhos, os ouvidos e a infraestrutura digital que permitem controlar um território sem ocupá-lo.


Israel não exporta apenas drones, mas um paradigma de controle. O Hermes 900, os sistemas eletro-ópticos, as plataformas de vigilância de fronteira e as tecnologias de interceptação de comunicação vendidos para Brasil, Colômbia, México e Chile transformaram a América Latina em laboratório de segurança importada. A Amazônia, com suas fronteiras porosas e imensidão inabitada, é o ambiente ideal para testar e expandir esse modelo. Ao equipar Estados amazônicos, Israel cria dependência técnica e, portanto, dependência estratégica.


Mas o vetor decisivo está mais acima: na nuvem. A maior parte da infraestrutura tecnológica militar israelense opera sobre plataformas de dados das Big Techs norte-americanas, principalmente Amazon Web Services e Google Cloud. Isso significa que, mesmo quando o hardware é israelense, o software e a camada de processamento pertencem ao ecossistema digital dos EUA. A inteligência que monitora fronteiras, rotas fluviais, pistas clandestinas e movimentos de facções é processada em servidores que respondem ao arcabouço jurídico imperial. O controle da informação permanece no Norte.


É uma integração perfeita. Israel fornece a tecnologia de vigilância e o know-how de ocupação remota. As Big Techs fornecem a infraestrutura de dados que organiza e interpreta o território. E os EUA fornecem a doutrina militar que legitima a presença operacional. A Amazônia torna-se visível não para os governos que a habitam, mas para o poder que a monitora.


Esse modelo de ocupação invisível converte o território em imagem. Quem controla a imagem controla o território. A soberania deixa de ser função do monopólio da força e passa a ser função do monopólio do dado. Israel opera como braço tático; as Big Techs, como cérebro; o Comando Sul, como comando estratégico. É a tríade perfeita da nova dominação imperial.


A intervenção não precisa se manifestar fisicamente. Ela já ocorre no plano informacional, nos algoritmos que identificam “ameaças”, nos mapas de calor que definem “zonas críticas”, nos protocolos de “cooperação” que enquadram políticas públicas. A floresta é governada antes de ser tocada. É o neocolonialismo técnico-cognitivo funcionando em sua forma mais avançada.

A Guerra Climática: Como a Amazônia Vira Questão de Segurança Internacional



A virada estratégica mais profunda do imperialismo contemporâneo não está nos drones nem nos navios, mas na linguagem. Ao transformar o clima em tema de segurança, o Norte global encontrou a ferramenta perfeita para intervir onde não pode ocupar e impor onde não pode conquistar. A Amazônia tornou-se o principal laboratório desse deslocamento: deixou de ser bioma, país, fronteira ou patrimônio nacional, e passou a ser “risco global”. Quando um território é reclassificado como risco, sua soberania torna-se opcional.


A OTAN já incorporou oficialmente as mudanças climáticas ao conceito de ameaça à estabilidade internacional. Isso não é retórica: é doutrina. Significa que eventos ambientais deixam de ser tratados como fenômenos naturais e passam a integrar a gramática militar de prevenção, vigilância e ação coordenada. Onde há risco climático, há “interesse de segurança”. E onde há interesse de segurança, há justificativa para interferência. Esse é o salto qualitativo que coloca a Amazônia no centro da estratégia ocidental.


A União Europeia atua como legitimadora moral dessa doutrina. Seus acordos climáticos, pacotes regulatórios e metas de conservação global operam como uma moldura civilizatória que permite apresentar a intervenção como responsabilidade ética. O 30x30 — transformar 30 por cento do planeta em áreas “protegidas” até 2030 — é exemplar. Sob aparência de proteção, ele cria instrumentos transnacionais de controle sobre territórios de alto valor ecológico, quase todos no Sul global. A Amazônia é o troféu máximo desse arranjo.


A narrativa é sofisticada. O Norte global cria o diagnóstico: “se a Amazônia cai, o clima global colapsa”. Em seguida, produz o enredo: “os países amazônicos não conseguem controlar a destruição”. Por fim, apresenta a solução: “a comunidade internacional deve agir”. Essa comunidade, claro, é comandada por quem controla as finanças, a tecnologia, as ONGs globais, as Big Techs e as instituições multilaterais que definem padrões ambientais e fluxos financeiros.


A guerra climática cria, portanto, uma forma inédita de dominação: a tutela ambiental. Não é preciso ocupar territórios, basta ocupar a autoridade moral sobre eles. A proteção da floresta torna-se justificativa para impor protocolos de monitoramento, condicionalidades de financiamento, auditorias internacionais, operações conjuntas e redes de vigilância que rebaixam a autonomia dos Estados amazônicos. O imperialismo veste o uniforme verde.


No fundo, o que está em disputa não é a temperatura média do planeta, mas quem controla o futuro político e econômico do bioma mais estratégico do século XXI. A Amazônia é tratada como variável de segurança global não para salvá-la, mas para governá-la. E quem governa a Amazônia governa a correlação de forças da América do Sul.


A guerra climática é a guerra que não parece guerra.


A Nova Corrida pelos Minérios Críticos: Canadá, UE e o Extrativismo Verde



A transição energética do Norte global exige uma quantidade inédita de minerais que não existem em volume suficiente dentro das fronteiras dos países centrais. Cobre, níquel, nióbio, manganês, bauxita, terras raras e silício de ultra pureza tornaram-se a nova base material da economia verde. A disputa climática não é, portanto, apenas moral: é mineral. E a maior reserva desses minérios estratégicos está na Amazônia.


O Canadá é o ator mais agressivo dessa frente. Suas mineradoras operam na região com o mesmo padrão predatório que levou à devastação de territórios indígenas na Colúmbia Britânica e em Saskatchewan. No Brasil, empresas canadenses impulsionam projetos de ouro, níquel e potássio em áreas de alta sensibilidade ambiental, sempre ancoradas em parcerias financeiras internacionais e uso de arbitragens externas que limitam a capacidade regulatória dos países amazônicos. É a versão “limpa” da velha fronteira extrativa.


A União Europeia entra com outro mecanismo: regulações ambientais que, sob aparência civilizatória, criam dependência estrutural. O chamado Critical Raw Materials Act define que a UE deve garantir acesso seguro e contínuo a minerais essenciais. Isso significa, na prática, terceirizar o impacto socioambiental da transição energética para o Sul global e impor condicionalidades econômicas aos países fornecedores. A Amazônia converte-se em zona de sacrifício para que o Velho Continente possa reduzir emissões sem confrontar seu próprio padrão de consumo.


A lógica é sempre a mesma. O Norte cria a demanda, define os padrões, controla o financiamento e determina a certificação ambiental. O Sul fornece o minério, absorve o impacto social e ecológico e aceita a tutela sob o pretexto de desenvolvimento sustentável. O extrativismo verde repete o extrativismo colonial, apenas com uma paleta cromática mais aceitável ao público global.


Esse processo não ocorre isoladamente. Ele se articula a dois vetores simultâneos: o aumento da presença militar nas bordas amazônicas e o avanço de mecanismos internacionais de governança ambiental. Onde se extraem minérios críticos, instala-se vigilância, presença privada armada, acordos de segurança, corredores logísticos e parcerias estratégicas que ampliam a influência de EUA, Canadá e UE. O discurso de proteção do clima serve como legitimidade moral para proteger, na verdade, cadeias industriais do Norte.


No fundo, a nova corrida por minérios críticos é a camada material do projeto de internacionalização da Amazônia. Ela fornece o motivo, o financiamento e a infraestrutura para que a tutela seja incorporada como necessidade econômica global. Não é sobre salvar o planeta: é sobre garantir que o planeta continue servindo a quem controla a demanda.


A transição energética, tal como organizada hoje, não corrige o imperialismo. Ela o atualiza.

O Colonialismo de Dados: Quem Controla a Amazônia é Quem Controla Sua Imagem



No século XXI, o território não é disputado apenas pela força física, mas pela capacidade de representá-lo. Satélites, sensores, algoritmos, mapas de calor e plataformas privadas definem não apenas o que vemos da Amazônia, mas o que acreditamos ser a Amazônia. A soberania, antes alicerçada no monopólio do território e das armas, depende agora do monopólio da informação. E é nessa dimensão que a região se torna mais vulnerável ao poder imperial.


As principais bases de dados que monitoram a floresta — desmatamento, rotas fluviais, pistas clandestinas, queimadas, mineração ilegal, movimentação de grupos armados — estão hospedadas, processadas e visualizadas em infraestruturas pertencentes ao Norte global. Amazon Web Services, Google, Microsoft, Planet, Maxar e BlackSky produzem e controlam a maior parte das imagens que alimentam relatórios científicos, operações policiais, decisões judiciais e políticas ambientais na América do Sul. A Amazônia é observada de fora para dentro. O olhar é estrangeiro; a interpretação também.


Esse é o mecanismo central do colonialismo de dados. A floresta não é apenas filmada, é traduzida por algoritmos que pertencem a corporações privadas, sujeitas às legislações e aos interesses estratégicos dos Estados Unidos. Quando uma empresa decide o que é “alerta”, “risco”, “área sensível” ou “corredor ilícito”, ela define prioridades políticas e de segurança para países inteiros. A geopolítica passa a ser mediada por interfaces digitais que os Estados amazônicos não controlam.


A integração entre tecnologias israelenses e nuvens norte-americanas aprofunda essa dependência. Drones, sensores e sistemas de vigilância produzidos por Israel são apenas a ponta do iceberg. O núcleo é a infraestrutura digital que processa e analisa os dados — sempre localizada em servidores do Norte. Isso significa que a imagem operacional da Amazônia, aquela que orienta operações militares, ambientais e policiais, pertence a arquiteturas tecnológicas que não respondem ao Brasil, à Venezuela, ao Peru ou à Colômbia. Pertencem ao império.


Sem soberania informacional não existe soberania territorial. A Amazônia pode estar fisicamente dentro de nossas fronteiras, mas digitalmente sob custódia de outros. O mapa se torna uma ferramenta de poder, e quem o controla governa o território. A ocupação deixa de ser física e se torna cognitiva: decide-se o que é verdade, o que é ameaça, o que é ilegal, o que é urgente e o que deve ser combatido. E quando a interpretação se torna monopolizada, a política se torna dependente.


O colonialismo de dados é a nova fronteira do imperialismo. Ele não precisa ocupar a floresta: basta controlar o modo como ela é representada. Quem controla a imagem controla o real.

Elites Locais Colaboracionistas: A Porta Interna de Entrada da Tutela Externa



Nenhum processo de dominação se impõe apenas de fora. Ele precisa de aliados internos, frações de classe dispostas a converter a perda de soberania em vantagem própria. Na Amazônia, essa engrenagem é especialmente evidente. O avanço imperial sobre o território não ocorre contra todas as elites nacionais, mas através das que lucram com o enfraquecimento do Estado e com a internacionalização do bioma. São elas que funcionam como vetor de abertura para a tutela externa.


O agronegócio exportador é um desses pilares. Mesmo quando acusa interferência internacional, sua lógica estrutural depende de commodities indexadas ao mercado global e de cadeias de suprimentos controladas por corporações estrangeiras. Essa dependência cria incentivos para aceitar regimes de certificação, auditorias externas, protocolos ambientais impostos por compradores europeus e parcerias que deslocam o poder decisório das políticas públicas para consórcios privados transnacionais. O discurso de soberania esconde uma prática de subordinação.


As elites minerárias operam segundo a mesma racionalidade. Grandes projetos de extração de ouro, cobre, bauxita e terras raras na Amazônia são, em sua maioria, articulados com capitais canadenses, australianos e europeus. Essa integração cria alianças políticas que favorecem flexibilizações regulatórias, privatização de processos de licenciamento e acordos internacionais que limitam a capacidade dos Estados amazônicos de exercer controle social sobre a mineração. Onde há mineração transnacional, há tutela tácita.


Setores das Forças Armadas também cumprem papel ambíguo. Parte significativa da oficialidade é treinada pelo Comando Sul, participa de programas de intercâmbio, recebe doutrinas de segurança de matriz norte-americana e se integra à lógica de combate ao “narcoterrorismo”. Essa convergência ideológica facilita a aceitação de operações conjuntas, vigilância compartilhada e a transferência de autoridade operacional para instâncias que servem ao interesse estratégico de Washington. A soberania militar se converte em soberania condicionada.


Governos estaduais e prefeitos de regiões periféricas, frequentemente capturados por economias ilegais ou pelo desespero fiscal, tornam-se correias de transmissão de interesses exógenos. Celebram acordos ambientais financiados por fundações estrangeiras, assinam convênios com ONGs internacionais que operam acima das instituições locais e concedem acesso a dados, territórios e populações vulneráveis em nome de parcerias que, na prática, reduzem a autonomia política e administrativa.


ONGs transnacionais, universidades estrangeiras e fundos ambientais completam o circuito. Sob a retórica da proteção, muitas reproduzem agendas políticas e epistemológicas produzidas no Norte, funcionando como instrumentos de soft power que moldam políticas públicas, influenciam legislações e interferem nos caminhos da pesquisa científica nacional. A tutela intelectual precede a tutela territorial.


O resultado é claro: o imperialismo não avança sozinho. Ele se ancora na fração das elites que ganha quando o Estado perde. A Amazônia não é internacionalizada apesar de alguns atores internos, mas por causa deles. É essa simbiose que torna a intervenção possível — e por isso é também nela que reside a maior ameaça à soberania dos povos amazônicos.

A Síntese Estratégica: O Objetivo Não é Caracas — É a Amazônia



A narrativa pública insiste em apresentar a crise atual como um confronto entre Estados Unidos e Venezuela. Mas esse é apenas o teatro superficial. O verdadeiro eixo da disputa está deslocado. O império sabe que não pode ocupar Caracas e não pode vencer uma guerra convencional contra um país com exército mobilizado, milícias populares e geografia adversa. Por isso, mira o território que circunda a Venezuela — o bioma que articula poder, recursos, clima, rotas, energia e informação. O alvo real é a Amazônia.


Tudo o que emerge no tabuleiro aponta para esse deslocamento estratégico. A securitização climática transforma a floresta em ameaça global, legitimando intervenções excepcionais. O extrativismo verde reconfigura o bioma como fonte de minerais críticos indispensáveis à transição energética do Norte. O narcoterrorismo reinventa a antiga guerra às drogas como justificativa para a expansão do Comando Sul no continente. O arco norte, consolidado pela aliança Guiana–Reino Unido–EUA, abre um corredor atlântico para penetração militar e controle regional. Israel fornece o aparato tecnomilitar que converte o território em dado. As Big Techs norte-americanas monopolizam a imagem da floresta e, com isso, a capacidade de governá-la. As elites colaboracionistas completam o circuito de dependência interna.


O padrão é claro: ao invés de enfrentar um Estado resistente, Washington pressiona o ambiente estratégico que sustenta esse Estado. Cercar a Venezuela pela borda amazônica permite isolar Caracas, restringir suas rotas, controlar suas dinâmicas de crime e mineração, e produzir a imagem de um país encurralado por um território “ingovernável”. Quanto mais a Amazônia é tratada como zona de risco, mais a Venezuela se torna vulnerável e mais a região depende de “cooperação internacional”.


Mas a operação vai além da Venezuela. Ao transformar a Amazônia em área de gestão supranacional, o Norte global cria um tabuleiro onde Brasil, Colômbia, Peru e Bolívia deixam de ser agentes plenos e passam a atuar como administradores de um patrimônio regulado de fora. O poder político da América do Sul é reduzido à sua expressão mínima. A tutela ambiental, tecnológica e securitária reconfigura o continente como zona de estabilização do capitalismo verde, não como bloco soberano.


Na síntese, a estratégia imperial é simples e devastadora: controlar a Amazônia para controlar a América do Sul, sem a necessidade de ocupar nenhum país. A floresta torna-se a nova fronteira geopolítica da hegemonia ocidental. Quem governa a Amazônia governa o clima; quem governa o clima governa os fluxos financeiros; quem governa os fluxos financeiros governa os governos. E quem governa os governos governa o século.


O alvo nunca foi apenas Maduro. O alvo é tudo o que a Amazônia representa: soberania, recursos, território, futuro e a possibilidade de um projeto latino-americano autônomo.

Conclusão — O Último Território Livre



A Amazônia não é apenas uma floresta. É um limite. Um limite para o capital, que deseja explorá-la sem restrições. Um limite para o imperialismo, que busca convertê-la em zona de gestão global. Um limite para as elites locais, que tentam submetê-la aos mesmos padrões de espoliação que devastaram outros biomas. Mas, sobretudo, é o limite da própria ordem internacional, que sabe que não pode controlar o século XXI sem controlar o maior sistema ecológico do planeta.


Ao longo desta análise, ficou evidente que o centro da disputa não está nas fronteiras venezuelanas, nem nos discursos formais da diplomacia. Ele está na tentativa de transformar a Amazônia em plataforma geopolítica do Norte global. A guerra climática, o extrativismo verde, o narcoterrorismo, o colonialismo de dados, o corredor atlântico e a rede de atores privados e estatais que operam a vigilância tecnomilitar convergem para um único objetivo: retirar do Sul a capacidade de decidir o destino do território que ainda condiciona o equilíbrio do planeta.


A Amazônia é o último território livre porque é o último que ainda resiste a se transformar em ativo regulado pelos interesses estruturais do Ocidente. Ela impede que o mapa geopolítico seja fechado pelo imperialismo em sua fase ecológico-informacional. E é justamente por isso que a pressão aumenta. A floresta tornou-se a fronteira final do poder no século XXI: quem a controla não garante apenas recursos, dados e rotas; garante a capacidade de definir o que será segurança, desenvolvimento e futuro sob a nova lógica do capitalismo verde.


É aqui que se decide se a América do Sul será protagonista ou subordinada. Se a soberania será projeto concreto ou palavra vazia. Se o século será multipolar ou mais uma extensão da hegemonia ocidental. A Amazônia é o ponto de ruptura. Se ela for entregue à tutela externa, nenhum país da região terá real autonomia. Se ela for defendida como patrimônio dos povos que nela vivem e dos Estados que a compõem, a América do Sul poderá definir seu próprio destino.


O mundo está num momento em que florestas valem mais do que exércitos, dados valem mais do que território e narrativas valem mais do que tratados. Quem não entende isso já perdeu. Quem entende ainda pode lutar.


A Amazônia é a última linha.

Se ela cair, tudo cai com ela.

Se ela resistir, abre-se a possibilidade de um futuro em que o Sul global não será administrado — será soberano.



1 comentário


Luiz Mattos
Luiz Mattos
há uma hora

Precisamos de lideranças com coragem que contestem a presença de tudo que se relaciona aos EUA. Precisamos de POVO que aprenda a lutar repudiando os EUA na nossa terra e tirando a paz de estadounidenses em nossa Pátria,Esse País NUNCA nos beneficiou em NADA. Perdemos a oportunidade de nos livrarmos dessa gente diante das tarifas e mentem ao nosso POVO fazendo crer que 10% retirados das tarifas foi exclusivamente ao Brasil e bovinamente querem nos fazer crer que 40% de agiotagem foi bom. Cansei de ser tratado como palhaço por um Gov sem sangue,estranho e temeroso até em apoiar seu vizinho outrora um grande amigo e colaborador

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