Cabeça de Lula, oficina de símbolos
- Sara Goes
- 17 de ago.
- 3 min de leitura
Atualizado: 19 de ago.
Um chapéu pode parecer detalhe, mas em Lula virou símbolo. Entre bonés que marcam programas sociais e o panamá elevado a metáfora de soberania, o presidente transformou a moda popular em ferramenta de comunicação política

Meu filho, Luiz Inácio, um bebê de um ano e três meses que leva o nome do presidente, descobriu há três semanas uma paixão por chapéus. É uma obsessão divertida que ele exibe usando meu Fedora nos nossos passeios diários à padaria e ao petshop. Numa busca despretensiosa por um “chapéu+panamá+para+bebê” acabei em um destino curioso: um anúncio na Shopee que usava como imagem de divulgação uma foto do próprio presidente Lula com o acessório que virou sua marca durante a recuperação de uma cirurgia.
Aquele momento, entre a ternura da busca para meu filho e o algoritmo do mercado de massa, revelou a velocidade com que um símbolo político nasce e se capilariza na cultura popular. Um acessório usado por necessidade médica para cobrir uma cicatriz havia se transformado, em poucos meses, em um produto de consumo, um significante político à venda em uma plataforma global. A cabeça de Lula, e o que a cobre, tornou-se uma das mais eficientes plataformas de comunicação do seu governo.

A estratégia não é acidental. Se o chapéu panamá surgiu de uma circunstância pessoal, sua simbologia foi rapidamente compreendida e absorvida, contrastando com a outra faceta da comunicação do Planalto: o exército de bonés. Cada grande programa social da gestão atual vem acompanhado de seu próprio boné, com cor e slogan específicos. Vimos o boné do "Novo PAC", o do "Desenrola Brasil", o do "Minha Casa, Minha Vida". São peças de comunicação tática, do varejo político. Elas servem para identificar as "entregas", materializar políticas públicas complexas em uma marca simples e criar um senso de pertencimento imediato nos eventos de lançamento.
Essa tática de "propaganda vestível" se aprofundou com os programas sociais, mas suas raízes ideológicas são ainda mais claras no boné "O Brasil dos Brasileiros". A peça surgiu como uma calculada contranarrativa ao "Make America Great Again" (MAGA) de Donald Trump. Enquanto o slogan americano apela para um nacionalismo excludente e nostálgico, a versão brasileira buscou redefinir o patriotismo por uma ótica de inclusão, soberania e pertencimento de todos. Foi um movimento para disputar e ressignificar os símbolos nacionais que haviam sido cooptados pela direita.
O chapéu panamá, por outro lado, opera no campo estratégico, no atacado das ideias. Ele não promove um programa, mas um conceito. Enquanto os bonés falam para a militância e para os beneficiários diretos das políticas, o chapéu dialoga com a nação e com o mundo. Ele evoca uma imagem de estadista, de maturidade e de serenidade. Sua origem latino-americana, do Equador, e não do Panamá, é em si uma poderosa metáfora da política externa de Lula: a afirmação de uma identidade do Sul Global, com altivez e soberania.
Em um mundo de símbolos polarizados, o chapéu representa uma aposta na elegância como contraponto à estridência. É um gesto de resgate de uma liturgia política que parecia perdida. Ao usá-lo, Lula não está apenas se protegendo do sol; está projetando uma visão de Brasil. Uma visão que se orgulha de suas raízes, que valoriza o trabalho artesanal, em oposição à produção em massa e descartável e que se posiciona de forma altiva no cenário internacional.
Não é exagero, portanto, enxergar neste acessório a construção da marca para a campanha de 2026. Se os bonés são o testemunho do que o governo fez, o chapéu panamá pode ser o símbolo do que o governo aspira ser: a consolidação de um projeto de soberania nacional.
Aquele anúncio na Shopee, portanto, era mais que um negócio de ocasião. Era a prova de que a disputa política hoje se dá em todas as frentes, inclusive na moda popular. E enquanto procuro um pequeno chapéu para a cabeça do meu Luiz Inácio, percebo que, em outra escala, o presidente está fazendo o mesmo: buscando um símbolo que sirva ao Brasil e que o apresente ao futuro. Um símbolo que, ao que tudo indica, já foi encontrado.
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