Câmara debate IA com foco na soberania e proteção de direitos
- Redação
- há 4 dias
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Bancos, seguradoras, Anatel, Banco Central e o governo federal defenderam marcos regulatórios claros, harmonia institucional e segurança jurídica no uso da IA

Em audiência pública realizada no dia 6 de agosto de 2025, a Comissão Especial da Câmara dos Deputados que analisa o PL 2338/2023 — projeto de lei que estabelece diretrizes para o uso ético e responsável da inteligência artificial (IA) no Brasil — ouviu representantes de instituições públicas e privadas sobre o modelo de governança da tecnologia no país. A reunião, presidida pela deputada Luísa Canziani (PSD-PR), contou com a presença do relator Agnaldo Ribeiro (PP-PB) e foi transmitida ao vivo pela página da comissão no YouTube.
Entre os participantes, estiveram porta-vozes da Febraban, Banco Central, Anatel, Confederação Nacional das Seguradoras, Autoridade Nacional de Proteção de Dados (ANPD), Ministério da Justiça e do Instituto de Tecnologia e Sociedade (ITS Rio). As falas convergiram para a necessidade de um sistema regulatório que respeite as competências setoriais, evite sobreposição normativa e promova um ambiente equilibrado entre inovação, proteção de dados e segurança jurídica.
“Essa audiência foi fundamental para reforçar a importância de delimitar com clareza os papéis do ente coordenador e das autoridades reguladoras setoriais. O sistema bancário, por exemplo, já atua sob rígida supervisão do Banco Central, e a inteligência artificial é um componente central nas operações de crédito e segurança digital”, afirmou Adalto Duarte, diretor da Febraban. Ele destacou que o setor realiza mais de 200 bilhões de transações anuais, 93% delas em canais digitais, e investe quase R$ 2 bilhões por ano apenas em IA.
Na mesma linha, Antônio Guimarães, representante do Banco Central, defendeu que o projeto adote uma abordagem regulatória baseada no risco e inspirada no modelo britânico “bottom-up”, que confere maior autonomia aos reguladores setoriais. “A IA é uma alavanca geopolítica. Países que dominarem essa tecnologia terão vantagem estratégica, como já ocorre com chips e baterias. O Brasil tem potencial de liderança, mas isso exige equilíbrio entre inovação e proteção de direitos fundamentais”, declarou.
A Anatel reforçou o apelo por autonomia regulatória, apontando os riscos de decisões unilaterais que desconsiderem as especificidades de setores como telecomunicações, onde contratos privados e regimes de concessão exigem equilíbrio tarifário e regulação técnica especializada. “É preciso que as normas gerais possam ser afastadas por justificativa técnica quando colidirem com regulamentações já existentes no setor”, defendeu Gustavo Borges, superintendente da agência.
Representando o setor de seguros, Gláus Carvalhal, diretora jurídica da CNseg, pontuou que a IA já é amplamente utilizada em subscrição de riscos, combate a fraudes e regulação de sinistros. Ela elogiou o texto do projeto, mas propôs ajustes pontuais para ampliar a segurança jurídica, como a definição legal do que constitui serviço essencial e a revisão de obrigações de transparência que podem gerar riscos reputacionais desnecessários. “A intervenção regulatória deve ser proporcional ao risco, sem criar barreiras ao desenvolvimento tecnológico”, afirmou.
Do ponto de vista governamental, a secretária de Direito Digital do Ministério da Justiça, Lilian Cintra, reiterou o compromisso do governo Lula com uma governança democrática e eficaz da IA, com ênfase na coordenação da ANPD. “O Brasil pode ser protagonista global nessa agenda. Temos um papel estratégico no equilíbrio entre inovação e direitos. O projeto é maduro e o Congresso tem demonstrado grande capacidade de diálogo”, declarou.
Valdemar Ortunho, presidente da ANPD, ressaltou que a autoridade já atua diretamente em casos envolvendo IA e dados pessoais, inclusive com aplicação de sanções e medidas cautelares. Segundo ele, a ANPD está preparada para assumir a coordenação do Sistema Nacional de Governança da Inteligência Artificial (CIA), mas precisa de fortalecimento institucional. “Já estamos construindo um sandbox regulatório com a USP e participamos ativamente de redes internacionais de proteção de dados. A experiência acumulada nos últimos cinco anos não pode ser desperdiçada”, defendeu.
A audiência também contou com a contribuição de Fábro Stabel, do ITS Rio, que destacou os riscos de concentração de mercado caso o PL não diferencie obrigações para empresas de grande porte e pequenas iniciativas emergentes. “É preciso proteger o berçário da IA nacional, como projetos universitários e startups que desenvolvem soluções de baixo risco. Um modelo único pode sufocar a inovação”, alertou.
Ao final da reunião, o relator Agnaldo Ribeiro propôs aprofundar o debate sobre governança, reconhecendo as tensões entre coordenação centralizada e autonomia setorial. “O desafio é garantir eficácia regulatória sem gerar conflitos institucionais. O Parlamento está comprometido com um modelo claro, seguro e funcional para o país”, concluiu.
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