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ICE: a SS informacional da era Trump

  • Foto do escritor: Rey Aragon
    Rey Aragon
  • há 2 minutos
  • 13 min de leitura

O aparato migratório dos EUA se converte em uma força paramilitar digitalizada, guiada por Palantir, Israel e o Vale do Silício, configurando um novo Reich informacional a serviço do fascismo MAGA.


Sob Trump, o ICE deixou de ser mera burocracia migratória e se tornou o embrião de uma SS/SA remodelada para o século XXI: menos botas, mais algoritmos; menos porretes, mais dashboards. Com contratos bilionários entregues a Palantir, spyware israelense e startups tecnolibertárias do Vale do Silício, nasce um aparato de exceção que não só persegue imigrantes, mas ameaça também os próprios cidadãos americanos, pavimentando o caminho para um fascismo de baixa fricção e alta tecnologia.

O nascimento de uma SS algorítmica



O que era para ser apenas uma agência de enforcement administrativo tornou-se, sob a era Trump 2.0, uma força de exceção remodelada para o século XXI. O ICE, órgão criado em 2003 após o 11 de Setembro, nasceu com a missão de fiscalizar fronteiras, prisões migratórias e crimes ligados a imigração. Duas décadas depois, deixou de ser apenas um braço burocrático e se converteu em coluna vertebral da política de pureza nacional da MAGA — uma política que combina supremacia branca, paranoia securitária e tecnolibertarianismo do Vale do Silício.


A metamorfose não se deu apenas na escala orçamentária — hoje bilionária, com centros de detenção privados reabertos em massa — mas, sobretudo, na dimensão tecnológica. O ICE transformou-se em uma SS informacional: menos botas, mais algoritmos; menos porretes, mais dashboards; menos marchas em praças públicas, mais contratos silenciosos com startups de dados e espionagem. Trata-se de um fascismo de baixa fricção, invisível ao olhar cotidiano, mas devastador para a vida de imigrantes e, cada vez mais, para a própria sociedade americana.


Este é o novo Reich informacional. Palantir, Vale do Silício e Israel assumem papéis que, na Alemanha de 1930, cabiam à burocracia partidária e às milícias de rua. São empresas privadas e tecnológicas que não apenas fornecem ferramentas, mas também moldam políticas, decidem prioridades e estabelecem os parâmetros da exceção. Assim como a SS e a Gestapo foram braços organizadores de um regime totalitário, o ICE hoje funciona como laboratório de um autoritarismo algorítmico que pode, em breve, ser projetado contra qualquer um que ouse resistir.


O alerta é direto: o que começa como perseguição a imigrantes pode terminar como perseguição a cidadãos. A história mostra que a exceção, uma vez naturalizada, não conhece limites. A pergunta que se impõe é se os Estados Unidos estão erguendo um aparato que, como no passado fascista europeu, será voltado também contra o seu próprio povo.

Raízes históricas — SS, SA e OVRA como modelos de exceção



Toda máquina de exceção precisa de um modelo. No século XX, o fascismo europeu nos deixou os exemplos mais extremos e didáticos: as SA e as SS na Alemanha nazista e as camicie nere e a OVRA na Itália de Mussolini. É a partir desse legado que podemos compreender como o ICE, na era Trump, se remodela como força repressiva de alta intensidade.


As SA (Sturmabteilung) foram as milícias de rua, o braço performático do nazismo em ascensão. Intimidavam opositores, atacavam sindicatos, ocupavam praças, impunham o medo como linguagem política. Sua função não era burocrática, mas simbólica: demonstrar que o regime nascente tinha musculatura e estava disposto a suprimir pela força qualquer resistência. Na Itália, esse mesmo papel coube às camicie nere, que se organizavam em esquadras punitivas contra camponeses, comunistas e qualquer voz dissonante.


Mas quando o nazismo consolidou o poder, as SS (Schutzstaffel) assumiram outra função: a da racionalização do terror. Diferentemente das SA, que eram massas indisciplinadas, as SS tornaram-se a elite do regime, a burocracia da exceção. Integraram polícia, inteligência, campos de concentração e deportação. Tornaram-se o aparelho central do Estado totalitário, o fio condutor entre o discurso de pureza racial e sua execução material. Na Itália, a OVRA, polícia secreta fascista, cumpriu função semelhante: redes de informantes, dossiês, perseguição a opositores.


Três elementos marcam esses aparatos:


  • Suspeição coletiva — todos de uma determinada categoria (judeus, comunistas, ciganos, antifascistas) eram potenciais inimigos do Estado.


  • Exceção como regra — o direito comum não valia; valia o decreto do partido, da polícia, da burocracia da exceção.


  • Integração total — polícia, milícias e sistema de detenção se fundiam em um único corpo de coerção.


É aqui que o paralelismo com o ICE ganha sentido. Não porque o ICE esteja operando campos de extermínio — isso seria um anacronismo —, mas porque a lógica estrutural da exceção é a mesma: transformar uma categoria (imigrantes) em inimigos coletivos, suspender garantias, criar infraestrutura de detenção massiva e integrar tecnologia e polícia numa engrenagem única. A história mostra que esse mecanismo nunca se limita ao grupo inicial: uma vez instituído, o aparato tende a se expandir, passando de estrangeiros a cidadãos, de marginais a opositores, de minorias a qualquer dissidência política.


É essa herança que assombra o presente. O que ontem eram milícias de rua e fichários em papel, hoje são dashboards algorítmicos, bancos de dados comerciais e contratos com Palantir, Paragon ou GEO Group. A forma muda; a essência permanece.

Do porrete ao dashboard — A mutação do ICE



O ICE nasceu em 2003, filho direto da paranoia securitária do pós-11 de Setembro. À época, tratava-se de mais uma engrenagem do Departamento de Segurança Interna (DHS), com funções de enforcement migratório e aduaneiro. Mas, sob Trump e a ideologia MAGA, essa engrenagem se converteu em um organismo autônomo de exceção. O que era enforcement administrativo virou espetáculo político, com orçamentos recordes, contratos bilionários e a promessa de uma “guerra total” contra imigrantes.


Essa mutação tem duas dimensões complementares: a expansão física e a digitalização do controle.


A expansão física


Entre 2024 e 2025, o ICE reabriu centros de detenção notoriamente abusivos — Reeves, Irwin, Leavenworth —, todos com históricos de negligência médica, violência e violações de direitos humanos. O objetivo não era resolver gargalos administrativos, mas construir uma infraestrutura de confinamento massivo, financiada por contratos com gigantes privados como GEO Group e CoreCivic. As denúncias de superlotação, mortes por descaso e práticas degradantes, como obrigar detentos a comer ajoelhados, não impediram a expansão; ao contrário, serviram como alerta de que a dor estava sendo normalizada como política pública.


A digitalização do controle


Ao lado das jaulas físicas, ergueu-se uma rede de jaulas digitais. O programa ISAP/SmartLINK, da BI Incorporated, monitora migrantes com tornozeleiras, apps e check-ins por voz. A Palantir construiu o ImmigrationOS, um sistema que integra dados de múltiplas fontes, rastreia rotas de vida e cria modelos preditivos de risco. Vigilant Solutions, comprada pela Motorola, fornece ALPRs que rastreiam placas e movimentos de veículos; LexisNexis, via Accurint, vende perfis completos com informações de crédito, consumo e registros públicos. E, mais recentemente, o ICE reativou contratos com Paragon e Cellebrite, exportando para dentro dos EUA a lógica de ocupação israelense: extrair dados de celulares, invadir comunicações criptografadas, mapear redes pessoais.


A nova gramática da coerção


A combinação de porretes e dashboards não é mera modernização — é uma mutação qualitativa. A violência deixou de ser apenas física e visível, para se tornar invisível, preditiva e algorítmica. Onde antes havia uma batida policial com agentes armados, agora existe um painel que antecipa comportamentos, gera listas e distribui prioridades para captura. O que antes era repressão localizada, hoje é uma vigilância difusa que transforma qualquer migrante — e até cidadãos — em potenciais suspeitos.


A lógica que guiava as SA nas ruas ou as SS nos escritórios da Gestapo é hoje traduzida em linhas de código, contratos de nuvem e APIs privadas. Se a modernidade fascista dependia de fichários e dossiês em papel, o fascismo algorítmico depende de dashboards, machine learning e integração de bases de dados. O resultado, no entanto, ecoa a mesma finalidade: organizar a exceção como regra.

O novo Reich informacional — Palantir, Israel e o Vale do Silício



O fascismo clássico dependia de milícias de rua, dossiês de papel e o monopólio da violência física. O fascismo contemporâneo, ao estilo MAGA, opera com outra gramática: plataformas privadas, dashboards algorítmicos e espionagem terceirizada. O núcleo desse arranjo é o que podemos chamar de novo Reich informacional — uma fusão de big techs do Vale do Silício, empresas israelenses de ciberespionagem e o Estado securitário estadunidense.


Palantir: o “Eichmann digital”


Fundada com apoio direto da CIA, a Palantir é hoje o coração analítico do ICE e do Pentágono. O ImmigrationOS consolida dados de múltiplas fontes — ALPRs, brokers de crédito, registros locais — e gera perfis que determinam quem deve ser detido ou priorizado. Não é exagero dizer que Palantir funciona como uma Gestapo algorítmica, só que privatizada. Seus algoritmos não apenas organizam informações; eles deliberam sobre a vida de milhares, fora do alcance do devido processo.


Israel: exportador de tecnologias de ocupação


Ferramentas como o Cellebrite (forense móvel), o Paragon/Graphite (spyware capaz de invadir celulares e apps criptografados) e o Cobwebs (OSINT de redes sociais) são aplicadas nos EUA contra imigrantes da mesma forma como são usadas na Palestina contra civis. Trata-se da exportação direta de um modelo colonial de vigilância: transformar comunidades em populações permanentemente suspeitas. Ao contratar Israel, o ICE internaliza a lógica da ocupação e normaliza a exceção como método.


Vale do Silício e o tecnolibertarianismo


Empresas como LexisNexis, Motorola/Vigilant, Anduril e as startups do complexo de defesa digital assumem funções antes reservadas ao Estado. CEOs sentam em conselhos do Pentágono, VCs moldam estratégias nacionais e algoritmos se tornam normas não votadas. O ideário tecnolibertário, que prega a incompatibilidade entre democracia e liberdade de mercado, encontra no ICE o campo perfeito: um Estado mínimo nos direitos e máximo na vigilância, com contratos bilionários que substituem política por “roadmaps de produto”.


Privatização da soberania


O que está em jogo é mais profundo do que apenas abusos contra imigrantes. Ao terceirizar funções centrais da segurança e da justiça para plataformas privadas, os EUA estão privatizando a soberania. As empresas decidem prioridades, constroem bases de dados, definem critérios de risco e, no limite, escolhem quem é livre e quem será privado de liberdade. É o Estado profundo terceirizado — uma SS algorítmica alimentada por dashboards e contratos.

Abusos e experimentos sobre imigrantes



Se na Alemanha dos anos 1930 os judeus foram transformados em laboratório da política de exceção, hoje, nos EUA, são os imigrantes latinos, africanos e asiáticos que ocupam esse lugar. O ICE opera como campo de testes do fascismo digital, experimentando tecnologias, métodos e protocolos que depois podem ser aplicados contra qualquer dissidência interna.


Centros de detenção como laboratórios do autoritarismo


Em 2025, a reabertura de unidades como Reeves (Texas), Irwin (Geórgia) e Leavenworth (Kansas) escancarou a lógica da repetição histórica: prisões já denunciadas por mortes, abusos sexuais, negligência médica e superlotação voltam a operar sob contratos renovados com GEO Group, CoreCivic e LaSalle. Essas instalações não apenas armazenam corpos; elas testam a resiliência da sociedade civil diante de violações explícitas. Se o escândalo passa sem reação, o limite do inaceitável é rebaixado mais uma vez.


O caso da Flórida: comer ajoelhado, frio extremo, mortes


Relatórios de Human Rights Watch e denúncias de senadores revelaram cenas que lembram regimes de trabalhos forçados: migrantes acorrentados e obrigados a comer ajoelhados como cães, celas geladas, ausência de cuidados médicos e privação de privacidade para mulheres. Três mortes foram registradas em 2025 apenas no complexo Krome, em Miami. A mensagem política é clara: a dor é parte do método, um instrumento de dissuasão e espetáculo.


A morte de Jaime Alanís García


Em agosto de 2025, na Califórnia, uma operação do ICE terminou com a morte do trabalhador Jaime Alanís García, que caiu de uma estrutura ao tentar fugir da batida. A família acusa a agência de busca ilegal e uso de força excessiva. O caso não é exceção; é sintoma de uma máquina que opera na fronteira entre a legalidade e a brutalidade, confiando que a opacidade institucional e o medo manterão o silêncio.


Monitoramento digital: jaulas invisíveis


Para além das grades, os imigrantes vivem sob o cerco de tornozeleiras eletrônicas, apps de monitoramento e check-ins por voz. O programa ISAP, administrado pela BI Incorporated (subsidiária da GEO Group), criou um regime de prisão sem muros. O controle psicológico e o constrangimento social tornam-se armas de coerção invisível. Enquanto isso, algoritmos da Palantir decidem quem será visitado, monitorado ou detido — sem que a vítima saiba os critérios que determinaram sua classificação.


O imigrante como “prova de conceito”


Cada contrato com a Palantir, cada intrusão da Paragon em celulares, cada perfil montado pela LexisNexis é, antes de tudo, um experimento testado sobre populações desprovidas de poder político. O imigrante é o terreno fértil para o fascismo algorítmico porque sua voz não ecoa nas urnas, sua cidadania é frágil e sua vulnerabilidade permite o avanço da exceção sem resistência imediata. Mas a história ensina: os mecanismos forjados contra os estrangeiros cedo ou tarde se voltam contra os cidadãos.

Do inimigo externo ao inimigo interno



O fascismo sempre começa mirando o outro. Judeus, comunistas, ciganos, migrantes: a exceção se justifica pela diferença. Mas a história demonstra que esse mecanismo não conhece limites. O que se ergue como política contra estrangeiros cedo ou tarde é reprogramado contra o próprio povo. Nos Estados Unidos de 2025, o ICE já ensaia essa transição.


Os erros recentes de detenção de cidadãos americanos são sinais claros. Pessoas nascidas no país, algumas veteranas de guerra, foram presas porque bancos de dados comerciais ou algoritmos do governo as marcaram como “removíveis”. Não se trata de falhas isoladas, mas de sintomas de uma máquina que presume a culpa antes de verificar a inocência. A classificação algorítmica substitui a Constituição, e o cidadão torna-se refém de linhas de código opacas, alimentadas por dados comprados no mercado.


Esse movimento se expande além da imigração. Agentes do ICE passaram a realizar prisões dentro de tribunais, intimidando vítimas e testemunhas, criando um clima de medo que afeta não apenas imigrantes, mas a confiança de toda a comunidade no sistema de justiça. Protestos diante de prédios federais têm sido tratados como ameaças de segurança nacional, com dezenas de pessoas processadas como se fossem terroristas. A exceção administrativa da imigração se funde com a repressão política: quem protesta passa a ser tratado como quem invade.


O efeito é corrosivo. Migrantes deixam de denunciar crimes por medo da deportação; cidadãos evitam tribunais, escolas e hospitais temendo serem rastreados. O medo coletivo desorganiza a vida civil, erode a segurança pública e naturaliza a vigilância como rotina. É a transição da exceção localizada para a exceção difusa, espalhada por todas as instituições.


O perigo maior é que o aparato já está montado. Palantir organiza dashboards que ranqueiam indivíduos; spyware israelense penetra celulares e redes sociais; data brokers como LexisNexis montam dossiês secretos; fusion centers compartilham informações sem supervisão adequada. A linha entre “imigrante irregular” e “dissidente político” é apenas uma questão de decisão política.


A lógica dialética é implacável: nenhuma estrutura repressiva nasce para se autolimitar. Se hoje a exceção serve para perseguir migrantes, amanhã servirá para vigiar jornalistas, prender ativistas, silenciar sindicatos. O ICE já não é apenas uma agência migratória — é a porta de entrada de um fascismo algorítmico que ameaça o próprio povo americano.

Tecnolibertarianismo e fascismo de baixa fricção



O fascismo clássico precisava de marchas, de camisas uniformizadas, de multidões nas ruas ostentando violência como espetáculo político. O fascismo da era Trump dispensa essa liturgia. O que o sustenta é o tecnolibertarianismo do Vale do Silício, uma ideologia que veste o autoritarismo com a máscara da liberdade individual e da eficiência tecnológica.


Peter Thiel resumiu o credo: democracia e liberdade não são compatíveis. Essa frase não é apenas provocação, é programa político. No tecnolibertarianismo, o Estado deve ser mínimo nos direitos sociais, mas máximo na vigilância; deve se ausentar da regulação, mas se tornar cliente-âncora de plataformas privadas; deve ceder a soberania a CEOs e fundos de risco, em nome de uma suposta racionalidade técnica que substitui a política.


É nesse terreno que floresce o fascismo de baixa fricção. O ICE não precisa mais de marchas de SA para intimidar; basta um contrato com a Palantir que transforma dados em listas de perseguição. Não precisa de OVRA para encher fichários de suspeitos; a LexisNexis entrega pacotes completos de informações civis. Não precisa de camicie nere para caçar opositores; basta um spyware israelense capaz de invadir celulares e mapear redes sociais em tempo real.


A estética da violência muda. No lugar de porretes, dashboards. No lugar de cânticos de guerra, algoritmos que ranqueiam riscos. No lugar de campos de concentração visíveis, centros de detenção privatizados e jaulas digitais, onde tornozeleiras e aplicativos vigiam silenciosamente milhares de vidas. É a exceção tornada rotina pela eficiência tecnológica, naturalizada por relatórios de desempenho e estatísticas de “sucesso”.


Esse é o fascismo de baixa fricção: não precisa sujar as mãos com sangue nas ruas quando pode reduzir a vida a dados e administrar o medo por software. A lógica é a mesma que moveu as SS e a OVRA — suspeição coletiva, opacidade burocrática, exceção permanente —, mas agora traduzida em código, em contratos e em startups que se tornaram o verdadeiro Estado profundo do século XXI.

Cenários preditivos (2025–2030)



O fascismo algorítmico que hoje se ergue nos Estados Unidos através do ICE não é apenas uma política migratória endurecida; é o embrião de uma transformação mais profunda, capaz de redesenhar as fronteiras da própria democracia. Ao olhar os próximos cinco anos com a lente do materialismo histórico-dialético, três cenários emergem, todos baseados nas contradições já em curso.


O primeiro é o cenário da consolidação. Nele, o ICE mantém-se formalmente como agência migratória, mas de fato assume funções de polícia política, normalizando centros de detenção privatizados e monitoramento digital em massa. As tecnologias da Palantir, da LexisNexis e das empresas israelenses se tornam rotinas burocráticas: dashboards decidem quem será detido, algoritmos determinam prioridades de deportação e contratos privados substituem a deliberação pública. O resultado é a naturalização da exceção como regra.


O segundo é o cenário da fusão securitária. Aqui, o aparato migratório se expande para além da imigração, transformando protestos, movimentos sociais e sindicatos em alvos. Fusion centers, já ativos, integram dados de manifestantes e classificam dissidentes como “ameaças internas”. O mesmo software que rastreia migrantes passa a alimentar listas de jornalistas, ativistas e opositores políticos. O inimigo interno torna-se o foco central, e o Estado de exceção atinge cidadãos nativos com a mesma intensidade que atinge imigrantes hoje.


O terceiro é o cenário da privatização total da soberania. Nesse horizonte, o ICE se torna apenas a fachada de um complexo securitário controlado por big techs e startups militares. CEOs e fundos de investimento definem os parâmetros de risco, ajustam algoritmos, determinam prioridades e, no limite, passam a exercer poder deliberativo sobre quem vive sob vigilância e quem está fora dela. O Estado profundo não é mais composto apenas por burocratas invisíveis, mas por contratos corporativos que substituem a política. É o triunfo do tecnolibertarianismo: um Estado mínimo nos direitos e máximo na coerção, entregue à racionalidade mercantil de dashboards.


Esses cenários não são excludentes. Pelo contrário: podem se encadear como etapas de uma mesma transformação. O que começa como política migratória dura pode consolidar-se em vigilância interna e culminar na captura corporativa da soberania. O fascismo, nesse contexto, deixa de ser um regime de botas nas ruas e se torna uma arquitetura de código, contratos e nuvens privadas, erguida sobre as contradições do capitalismo digital e militarizado.

Conclusão — O alerta do materialismo histórico



O ICE, em sua metamorfose sob Trump e a lógica MAGA, não é apenas uma agência migratória endurecida: é o protótipo de uma SS algorítmica moldada para o século XXI. O que antes se traduzia em marchas, porretes e fichários em papel agora se manifesta em dashboards da Palantir, spyware israelense, contratos de data brokers e centros de detenção privatizados. A forma mudou, mas a essência permanece: a exceção elevada a método e a suspeição coletiva como norma.


O materialismo histórico nos ensina que nenhum aparato repressivo se autolimita. A exceção que hoje atinge imigrantes latinos e caribenhos já mostra seus dentes contra cidadãos americanos, jornalistas e manifestantes. O que começa como perseguição ao estrangeiro pode se tornar, em pouco tempo, perseguição a qualquer dissidente. A dialética é implacável: a máquina do fascismo, uma vez construída, busca novos alvos para se justificar.


O perigo maior está no novo Reich informacional. Palantir, Vale do Silício e Israel não são apenas fornecedores; são coautores de um modelo de Estado que transfere soberania para CEOs e fundos de risco. É o tecnolibertarianismo em sua versão mais perversa: liberdade de mercado para empresas, vigilância total para cidadãos. Um fascismo de baixa fricção que não precisa de marchas de rua para mostrar força, porque se instala nas nuvens, nos contratos e nos algoritmos.


O alerta é global. Assim como o nazismo não ficou restrito às fronteiras da Alemanha, o fascismo digital também não ficará restrito às fronteiras dos EUA. Se não contido, ele será exportado como modelo de governança autoritária, pronto para ser aplicado contra povos inteiros sob o pretexto de eficiência e segurança.


Cabe à sociedade internacional reconhecer o que está em jogo: o futuro da democracia diante do avanço de uma arquitetura de exceção privatizada. O ICE é apenas a face visível de uma engrenagem mais ampla, que une Estado, big techs e ideologia supremacista. Denunciar, compreender e resistir é mais que um exercício de análise: é uma necessidade histórica.

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