Trump, quem é você pra derramar meu mungunzá?
- Sara Goes
- 4 de fev.
- 2 min de leitura
Na voz potente de Flávio José, essa pergunta ganha timbre de trombeta nordestina: quando Trump e seus discípulos tentam impor seu gosto amargo à panela dos povos latino-americanos, ecoa a indagação que parte do fogão de barro ao tabuleiro geopolítico

Câmara Cascudo sabia, fazer mungunzá não é cozinhar, é invocar memórias, um processo quase litúrgico onde cada aroma é um portal para o passado. Mas vejam bem, não confundam mungunzá com canjica, isso é coisa de quem nunca viu um fogão de barro fumegando no quintal.
No Cariri, o mungunzá salgado carrega o peso da terra, milho, feijão, carne de sol, linguiça, toucinho, mocotó, costelinha, cebola, alho e um arsenal de especiarias que fazem da panela um caldeirão de identidade. A carne de sol tem que dessalgar devagar, o milho tem que dormir de molho, e o fogo precisa ser paciente. Tudo tem seu tempo. Apresse um mungunzá e ele vira um mingau sem alma.
E foi com um mungunzá desses que Petrúcio Amorim fez a pergunta definitiva da música brasileira, quem é você pra derramar meu mungunzá? Não é só uma indagação gastronômica, é uma questão de sobrevivência, de respeito. E não foi só um cabra qualquer que tentou derramar esse mungunzá. Donald Trump, o homem que caminha na contramão do mundo, quer entornar o caldo com sua presunção de que tudo gira em torno dele.
Trump não entende de panela, nem de fogo brando. Ele gosta de fritar tudo no óleo quente da grosseria e da imposição. Seu apetite por separações e muros é a prova de que ele não compreende o que faz um povo ser um povo, a mistura, a resistência, a história cozinhada lentamente até ganhar sabor. E pior, sua prepotência contaminou o galeguinho sul-americano, Javier Milei, que, iludido pelo brilho artificial de Wall Street, esquece que é latino e que seu prato de comida não vem da Casa Branca, mas do solo sofrido da Argentina.
A diferença entre Petro e Lula é a diferença entre quem tempera a comida de véspera e quem aprende a cozinhar com o fogo aceso. Petro vocifera, Lula maneja a panela. O primeiro tenta apressar o cozimento, o segundo sabe que um bom prato leva tempo. A diplomacia não se faz com rompantes de fervura alta, mas com a paciência de um caldo que incorpora os sabores do tempo.
A resposta precisa ser unificada, como o sertanejo que junta os grãos para alimentar sua gente. Trump pode atirar pedras, mas o Nordeste sabe que mungunzá bom é aquele que resiste ao fogo, que se entranha na memória coletiva.
Trump, quem é você pra derramar meu mungunzá? Aqui, a receita é nossa, o fogo é nosso, e a resistência tem o cheiro do milho cozinhando devagar, espalhando pelo mundo a certeza de que a América Latina não se curva, não agora, não nunca.




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