Bia Lula e a herança de Dona Lindu
- Sara Goes
- 23 de jul.
- 4 min de leitura
Em semana de tensão entre Brasil, Trump e Bolsonaro, vídeo de Bia Lula reafirma o elo afetivo e político que une gerações em torno da herança de Dona Lindu

Em meio a uma das semanas mais tensas do cenário político recente, com Bolsonaro exibindo tornozeleira no Congresso e desafiando o STF, Eduardo Bolsonaro e neto de ditador atacando Moraes ao vivo em podcast, e a defesa do ex-presidente optando pelo silêncio diante da ameaça real de prisão, foi da base afetiva do lulismo que surgiu uma resposta inesperada. Enquanto as instituições se movimentavam para conter a escalada golpista quem ergueu a voz nas redes foi Bia Lula, neta do presidente.
No vídeo publicado em 22 de julho, Bia critica duramente a imposição de tarifas de 50% por Donald Trump a produtos brasileiros, denuncia a tentativa de desestabilização econômica como parte de uma ofensiva geopolítica e não poupa Jair Bolsonaro, a quem chama de "fantoche". A fala, certeira e popular, viralizou no mesmo dia em que o Brasil protocolava denúncia na OMC contra as tarifas arbitrárias e em que Trump era oficialmente incluído entre os investigados do caso Epstein. No meio desse turbilhão, a neta do presidente transformou seu afeto em posicionamento político e sua herança em linguagem de resistência.
“Ah, vão dizer que o Bolsonaro criou o Pix. Gente, o Pix foi criado pelo Banco Central, por técnicos brasileiros. E sabe quem está defendendo o Pix agora? Quem está enfrentando Trump para manter o Pix gratuito? O Lula! Porque, se fosse o Bolsonaro, já teria entregado tudo. Eles não suportam ver o Brasil livre”
Mais do que viralizar, Bia soube mimetizar com precisão cirúrgica a estética da extrema direita para desmontá-la por dentro. O enquadramento frontal, a entonação exaltada, o cenário caseiro improvisado, o olhar direto para a câmera, tudo evoca de imediato o modelo de comunicação popularizado por Nikolas Ferreira. Mas, ao contrário do deputado, que transforma indignação performática em ressentimento e mentira, Bia desloca esse código visual para outra frequência. Não há ódio coreografado, há ironia política. Não há encenação de guerra cultural, há defesa do povo em linguagem popular. Ao apropriar-se da fórmula audiovisual do bolsonarismo, ela faz exatamente o que eles mais temem, vira o algoritmo contra seus criadores. Mostra que o Brasil profundo não é deles. E que a fúria também pode ser feminina, de esquerda e amorosa.A firmeza da fala chamou atenção não só pela coragem, mas também por sua carga afetiva e histórica. Maria Beatriz da Silva Sato Rosa é filha de Lurian, a primogênita de Lula, que conhece como poucas o peso da exposição política. Em 1989, aos 15 anos, Lurian viu sua mãe, Miriam Cordeiro, ser usada por Fernando Collor como bala de prata contra Lula na campanha presidencial. Na propaganda que entrou para a história como uma das mais baixas da Nova República, Miriam falava em suposta proposta de aborto. O episódio foi decisivo. A adolescência de Lurian foi triturada em rede nacional, usada como escudo moralista numa guerra política.
Ao contrário da família Bolsonaro, que se comporta como uma oligarquia forçada, promovendo filhos, esposas e agregados em cargos públicos, a família de Lula manteve-se discreta. Não por falta de tentativas de exploração, mas por uma ética forjada na dor e na resistência. Bolsonaro tentou emplacar a imagem de avô, mas fracassou. Nunca colou. Assim como nunca colou a ideia de pai carinhoso. Ele próprio se encarregou de destruir essa imagem ao chamar a filha de "fraquejada" e ao declarar que "sentiu clima" com uma menina de 14 anos, mesma idade de sua própria filha à época. Sua masculinidade sempre foi afirmada à base de brutalidade, não de afeto.
Bia rompe esse padrão de silêncio sem nunca trair a delicadeza do lugar de onde fala. Ela já havia viralizado em 2015 ao reagir a uma abordagem da imprensa com o dedo em riste e a acusação de assédio. Estudante de psicologia, cresceu sob o signo da sobrevivência política.
Tenho uma memória especialmente afetuosa com a Bia. A acompanho há anos e sempre me chamou atenção sua autenticidade desarmada, sua sensibilidade intensa, especialmente com as causas ligadas à infância. É uma mãe jovem e dedicada, uma mulher trabalhadora, absurdamente engraçada e firme sem precisar performar dureza. Ela não veste a armadura da política, carrega no corpo a experiência de quem sobrevive com afeto, mesmo quando o mundo exige couraça.
Durante a pandemia, na minha última participação no canal Diário do Centro do Mundo, convidei a Bia para o programa de despedida. Quis que aquela transmissão tivesse esse registro de afeto e continuidade. Ali, ao vivo, disse o que sentia: que nós éramos primas. Nós, petistas millennials, crescemos com esse vínculo silencioso com ela. Acompanhamos sua história como quem observa uma prima querida, neta do vovô Lula, com quem dividimos não apenas a memória política, mas também o afeto atravessado pelas lutas, pela ternura e pelo senso de justiça que nos formou.
A importância da família na trajetória de Lula é algo que a direita jamais conseguiu compreender. O vínculo com Dona Lindu, a mãe que se transformou em bússola moral, não é uma construção publicitária, é o núcleo existencial de sua política. Foi pensando nela que Lula se manteve firme na prisão. Foi com o rosto dela na memória que enfrentou a morte do irmão e do neto. Foi por ela que ele nunca deixou de repetir que sua força vem de casa. A casa de Guaranhuns virou ponto turístico porque é um símbolo de origem e dignidade. Onde está a casa de Bolsonaro?
Mesmo nos momentos de maior viralização, mesmo no topo da presidência, Lula não abre mão desse eixo afetivo. Ele fala de economia como quem fala da mesa de jantar. Ele fala de soberania como quem fala da porta da frente. Ele é, com todas as letras, o verdadeiro defensor da família brasileira. Não por marketing ou slogan, mas por políticas públicas, por laço de sangue e por escolha moral. No Brasil que resiste, a neta fala, o avô ouve e o povo reconhece.




Como militância lulista venho comungar desse vínculo silencioso e desse sentimento afetuoso, rsrs , que você, Sarah, tão bem descreveu nesse texto terno, mas forte e muito necessário à nossa resistência na luta que nos move por justiça social e, consequentemente, por um Brasil melhor para todos os brasileiros. Que boniteza, isso: “Acompanhamos sua história como quem observa uma prima querida, neta do vovô Lula, com quem dividimos não apenas a memória política, mas também o afeto atravessado pelas lutas, pela ternura e pelo senso de justiça que nos formou.”