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Como os jogos estão ajudando a metapolítica de Extrema direita

  • Foto do escritor: Heitor Aragon
    Heitor Aragon
  • 4 de out.
  • 4 min de leitura

Como sabemos, muitos grupos de extrema direita estão utilizando sistemas sociais de dentro de jogos, para disseminar o ódio e espalhar suas ideias extremistas na internet, nesse artigo vamos dar uma explorada no contexto social e metapolítico que esses espaços virtuais podem dar.

Hoje, é comum entrar em uma partida de jogo online ou em um bate-papo e se deparar com ofensas, preconceito e até ameaças, protegidos pelo anonimato quase absoluto do mundo virtual. Muitas vezes, esse comportamento é tratado como mero "bait ", mas o impacto de um simples comentário pode ser devastador. É justamente nesse terreno aparentemente banal que a extrema-direita encontra um espaço fértil para sua metapolítica, transformando piadas e ofensas em um processo lento de normalização do ódio.

A metapolítica de extrema direita virtual

Diferente da política tradicional, que busca o poder imediato por meio de eleições, partidos e parlamentos, a metapolítica prioriza a disputa cultural: a defesa de valores, símbolos e normas sociais com o objetivo de moldar o imaginário coletivo antes que o indivíduo tome decisões políticas formais. Esse método surgiu com a Nova Direita europeia e foi amplamente divulgado por Alain de Benoist como reação direta à hegemonia da esquerda da época. Para Benoist, se você domina os valores culturais, a linguagem e os símbolos de uma sociedade, domina também seu imaginário coletivo. Alguns podem notar semelhança com a hegemonia cultural de Gramsci, mas há diferenças fundamentais: enquanto ambos debatem o campo simbólico, a direita usa a metapolítica como instrumento para alterar o senso comum a seu favor, enquanto Gramsci analisa como o poder já se perpetua e defendia que a esquerda deve construir uma contra-hegemonia para resistir.

Como o espaço digital pode ser um terreno fértill para políticas reacionárias Essa disputa pelo imaginário coletivo não acontece apenas em livros, mídias ou debates acadêmicos, mas também em espaços digitais de lazer, como os jogos online. Em títulos como World of Warcraft, Minecraft ou Roblox, jogadores se reúnem em guildas, clãs e servidores, trocando ideias e participando de atividades conjuntas. Essa convivência cria laços de confiança e pertencimento, tornando os participantes mais receptivos a ideias extremistas ou fascistas. Em pouco tempo, algumas comunidades podem se estruturar em torno desses valores, funcionando como microesferas de radicalização, nas quais piadas, memes e símbolos aparentemente inofensivos lentamente reforçam a ideologia, preparando o terreno para a metapolítica de extrema-direita fortalecer seu discurso.

Muitas dessas comunidades atuam como portas de entrada para redes mais profundas de extremismo, encaminhando jogadores para servidores no Discord, grupos no Telegram ou fóruns como o 4chan. Nesses espaços, a radicalização tende a se intensificar: piadas se transformam em discursos de ódio explícitos, desafios em chamadas para ataques coordenados, e a sensação de anonimato estimula comportamentos cada vez mais violentos. A passagem do jogo para essas plataformas cria uma continuidade entre lazer e política, onde a diversão serve de pretexto para mobilização ideológica. Assim, ambientes criados para socializar acabam convertidos em instrumentos de recrutamento e disseminação de discursos que, em casos extremos, podem extrapolar para ataques virtuais ou mesmo inspirar atentados no mundo real.

Consequências de uma visão distorcida Inúmeros casos envolvendo comunidades extremistas em jogos já foram documentados pela mídia. Um dos mais conhecidos ocorreu em World of Warcraft, em outubro de 2019, durante o período de Halloween, quando jogadores organizaram uma marcha simulando a Ku Klux Klan. Durante o evento, players exibiam trajes brancos típicos da KKK e proferiam mensagens como 'next stop Charlottesville', em referência irônica ao comício nacionalista branco de Charlottesville, em 2017, que resultou na morte de uma manifestante anti-racista.

A guilda responsável pelo evento, chamada 'Enclave', era reconhecida por sua postura racista e antissemita. Seus membros constantemente utilizavam linguagem ofensiva nos chats, insultando jogadores recém-chegados e disseminando ideias radicalizadas. Segundo denúncias de outros jogadores, a comunidade substitui a N word pelo termo 'orc' uma das raças jogáveis no game, uma forma de contornar a moderação e evitar suspensões, mantendo ativa a propaganda ideológica dentro do jogo.


Esse caso se conecta diretamente a outro fenômeno de extrema-direita online: a Stormfront, um fórum neonazista criado em 1995 por um ex-membro da Ku Klux Klan. No site, eram discutidos diversos jogos, como World of Warcraft, Counter-Strike e Minecraft, e utilizavam essas plataformas como veículos para disseminar ideias extremistas por meio da internet e de múltiplas comunidades virtuais. Em 2009, a guilda Enclave chegou a anunciar uma parceria com a Stormfront, evidenciando como essas redes de radicalização se espalhavam rapidamente e de forma anônima, utilizando tanto fóruns quanto ambientes de jogos online para ampliar seu alcance ideológico.

As empresas e suas falhas em combater o discurso de ódio Se não bastasse o problema de grupos neonazistas em jogos virtuais, as grandes empresas responsáveis por essas plataformas também mostram-se ineficazes no combate a essas práticas. Muitos jogos não possuem políticas claras ou mecanismos consistentes para lidar com comportamentos extremistas, limitando-se, na melhor das hipóteses, a aplicar banimentos temporários, advertências leves ou, em raros casos, banimentos permanentes. Essa abordagem superficial evidencia uma preocupação maior com a imagem pública do que com a efetiva proteção das comunidades virtuais, permitindo que grupos como o Enclave ou apoiadores da Stormfront operem de maneira estruturada e contínua, propagando discursos de ódio e recrudescendo ideologias extremistas no ambiente online.


As empresas de jogos tratam seus produtos e suas comunidades como mercadorias. O bem-estar dos jogadores, especialmente daqueles afetados por assédio ou discriminação, torna-se secundário frente à lógica de engajamento e monetização. Intervenções firmes contra grupos extremistas poderiam reduzir a retenção de usuários ou gerar controvérsias que impactassem os lucros, tornando o combate ao extremismo um custo que muitas vezes não estão dispostas a arcar.

Essa negligência tem efeitos reais: jogadores que sofrem assédio ou perseguição podem abandonar os jogos ou se sentir marginalizados, enfraquecendo a diversidade e a inclusão nos ambientes virtuais. Ao mesmo tempo, grupos extremistas se fortalecem, utilizando a plataforma como espaço de organização, recrutamento e propaganda.


Os casos da guilda Enclave e da Stormfront mostram que jogos online podem ser usados como espaço de metapolítica, influenciando cultura e valores enquanto difundem ideologias extremistas. A falta de políticas eficazes e a priorização do lucro pelas empresas refletem a lógica capitalista, transformando a experiência virtual em mercadoria e alienando os jogadores. Para conter esse fenômeno, é necessário que desenvolvedoras, legisladores e comunidades implementem medidas claras e rigorosas, equilibrando entretenimento, liberdade e responsabilidade social.



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