EUA escalam guerra híbrida na América Latina para conter BRICS e China
- Rey Aragon
- há 1 minuto
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Sem poder na Eurásia e no Oriente Médio, Washington transforma o Caribe e o Atlântico Sul em trincheira de última hora: ataques militares, lawfare, sanções e bases estrangeiras para travar a integração latino-americana.
Enquanto o porto de Chancay abre a rota direta China–Pacífico e o Brasil estuda a ferrovia bioceânica, os EUA recorrem ao manual de sempre: cinismo jurídico, psyops, sanções extraterritoriais e operações letais para impedir que Lula, Maduro e Petro consolidem um eixo de soberania. Argentina e Equador oferecem suas costas como plataformas externas, mas o alvo é claro — desestabilizar os governos que ousam projetar autonomia num mundo multipolar.
A última trincheira do império

Os Estados Unidos já não conseguem impor sua ordem como antes. Na Eurásia, foram atropelados pela consolidação da China e pela resistência russa. Na Europa, sua influência se dilui na fragmentação interna da União Europeia. No Oriente Médio, perderam a capacidade de ditar o rumo dos conflitos. Diante da perda de alcance global, a Casa Branca concentra fogo naquilo que ainda acredita controlar: o Caribe e o Atlântico Sul.
O cálculo estratégico é claro. Se não podem mais decidir a arquitetura do mundo, ao menos tentam sufocar a integração latino-americana, última região onde Washington ainda mobiliza a combinação de força militar, lawfare, sanções extraterritoriais e guerra psicológica. O objetivo não é combater cartéis ou proteger rotas comerciais, como repetem as justificativas oficiais, mas travar o avanço de um sistema multipolar que já se materializa em projetos como o porto de Chancay no Peru, a ferrovia bioceânica e os cabos submarinos que ligam o Brasil diretamente à Europa e à Ásia.
O Brasil, sob a liderança de Lula, é a peça central desse tabuleiro. Sem Brasília, não há contenção possível do Atlântico Sul nem da Amazônia Azul. E é por isso que, mesmo sem declarar, Washington joga todas as fichas para desestabilizar governos que ousam afirmar soberania — seja na forma de ataques militares no Caribe, seja no uso cínico da justiça internacional, seja no bombardeio narrativo diário contra lideranças que não se curvam.
O tabuleiro em mutação: Chancay, ferrovia bioceânica e cabos

A geopolítica não se move apenas por tanques ou sanções: ela se desloca também pelas linhas de logística que definem o fluxo de mercadorias e dados. Hoje, o que altera o jogo no Pacífico e no Atlântico Sul não é apenas a presença militar, mas a infraestrutura que muda a rota dos navios, dos trens e da informação.
O porto de Chancay, no Peru, é um exemplo cristalino. Construído com capital chinês, ele abre um corredor direto para a Ásia, reduzindo em até 20% o tempo e os custos das exportações. É mais do que um porto: é a ponta de lança de uma nova arquitetura comercial que permite à América do Sul falar diretamente com a China sem depender do Canal do Panamá ou dos hubs dominados por empresas norte-americanas.
Na mesma direção, os estudos para a ferrovia bioceânica — ligando o Brasil ao Pacífico — reconfiguram a posição do país no comércio global. Grãos, minérios e manufaturas brasileiros poderão chegar à Ásia sem a intermediação de rotas controladas por Washington. Essa linha férrea, conectada ao interior produtivo do Brasil, é uma rota de soberania: quanto mais viável ela se torna, maior a pressão externa para sabotá-la.
O campo digital acompanha esse movimento. Cabos submarinos como o EllaLink (ligando Fortaleza a Sines, em Portugal) e o Firmina (com ramais entre EUA, Brasil, Uruguai e Argentina) estão alterando a geografia da internet. O Brasil já não precisa necessariamente roteirizar seus dados por Miami: pode acessar a Europa em baixa latência e estruturar uma autonomia informacional inédita. Cada nova fibra que entra em operação desloca poder — e cada deslocamento é percebido em Washington como uma ameaça.
Esse é o ponto: a integração física e digital multipolar já está acontecendo. O papel dos EUA, diante disso, é tentar travar, atrasar ou sabotar. E cada uma dessas infraestruturas — portos, ferrovias, cabos — torna-se alvo direto de narrativas, chantagens e, se necessário, operações de desestabilização.
O manual de Washington: coerção, lawfare e psyops

Os Estados Unidos não inventaram novas armas para conter a América Latina. Apenas reciclaram o manual de sempre, agora travestido de “guerra contra o narcotráfico” e “defesa da democracia”. É o velho imperialismo com roupagem jurídica e narrativa do século XXI.
No campo econômico, a ofensiva vem pelas sanções extraterritoriais. O OFAC e o Kingpin Act transformam empresas, navios e até países inteiros em reféns da legislação norte-americana. Basta um carregamento suspeito de petróleo venezuelano para que bancos e armadores brasileiros tenham de se defender de multas bilionárias em Nova York. A extraterritorialidade funciona como bloqueio silencioso: ninguém precisa disparar um míssil para paralisar o comércio.
No campo militar, a doutrina se radicaliza. Washington declarou estar em “conflito armado não internacional” contra cartéis — uma manobra jurídica inédita. Com essa brecha, navios e aviões norte-americanos já atacam alvos no Caribe como se fosse um teatro de guerra formal. A legalidade é contestada, mas o efeito é claro: abrir espaço para operações letais na região sem precisar do aval da ONU ou de aliados.
No campo informacional, as ferramentas são mais sutis e, ao mesmo tempo, mais profundas. Lawfare judicializa governos soberanos; psyops digitais bombardeiam lideranças como Lula, Maduro e Petro com campanhas de descrédito; operações narrativas simulam “espontaneidade popular”, quando na verdade são clusters coordenados. O objetivo não é convencer, mas desgastar, minar a confiança pública e abrir caminho para a intervenção econômica ou militar.
O manual é velho, mas a intensidade é nova. Cada linha — seja ela sancionatória, jurídica ou digital — converge para o mesmo objetivo: travar a integração latino-americana e manter a região sob tutela em um mundo que já não aceita a tutela de Washington.
Plataformas de submissão: Equador e Argentina

Enquanto alguns governos resistem, outros se oferecem como plataformas de projeção do poder externo. Equador e Argentina são hoje peças fundamentais na estratégia norte-americana para manter o controle do Atlântico Sul e do Pacífico.
No Equador, o presidente Daniel Noboa abriu caminho para a volta de bases estrangeiras. O Congresso já aprovou reformas constitucionais, e um referendo em novembro de 2025 deve legitimar de vez a presença militar dos EUA. A justificativa é o combate ao narcotráfico, mas a realidade é outra: garantir ao Pentágono um ponto avançado de vigilância sobre a Amazônia, o Pacífico e as rotas bioceânicas que interessam diretamente ao Brasil. O discurso de “cooperação internacional” esconde a perda de soberania em troca de proteção temporária contra cartéis que o próprio modelo neoliberal ajudou a alimentar.
Na Argentina, a entrega é ainda mais explícita. O governo cedeu Ushuaia, no extremo sul, como hub logístico para exercícios e operações conjuntas com os EUA. Trata-se de uma localização estratégica: ali se controla o acesso ao Atlântico Sul, à Antártica e às futuras rotas marítimas que surgirão com o degelo polar. Não por acaso, o SOUTHCOM aumentou sua presença, instalando equipamentos, ampliando manobras e testando interoperabilidade com as Forças Armadas argentinas.
Tanto Quito quanto Buenos Aires se apresentam como “cabeças de ponte” de Washington. Não são meros aliados: são plataformas. Cada concessão abre uma brecha para operações externas de pressão e vigilância contra vizinhos que buscam autonomia. A geografia desses dois países passa a servir não às suas populações, mas à estratégia de contenção de Washington — um reposicionamento geopolítico que transforma Equador e Argentina em peças de submissão na disputa multipolar.
O alvo real: soberania no Brasil, Venezuela e Colômbia

Apesar de utilizarem Equador e Argentina como plataformas de submissão, os EUA sabem que a batalha decisiva não se trava ali. O alvo real são os governos que sustentam projetos de soberania e integração: Brasil, Venezuela e Colômbia.
No Brasil, Lula concentra o foco da pressão. Washington sabe que sem Brasília não há controle do Atlântico Sul, nem do bloco BRICS ampliado. Por isso, a estratégia mistura tarifas, sanções indiretas e campanhas narrativas. O risco mais imediato está no comércio: empresas brasileiras ligadas a petróleo, fertilizantes ou logística podem ser atingidas por sanções secundárias destinadas a asfixiar Caracas. No plano informacional, operações coordenadas atacam a política externa brasileira como “antiamericana” e tentam corroer a imagem de Lula, que hoje é um dos maiores símbolos do multipolarismo.
Na Venezuela, a ofensiva é aberta. Washington reinstalou sanções, bloqueou exportações e autorizou ataques letais sob a justificativa de combater cartéis. A meta é dupla: sufocar o fluxo de petróleo venezuelano e manter o contencioso do Essequibo sempre em chamas, usando a Guiana como pivô da tensão. Caracas, por sua vez, reorienta sua produção para a China e outros parceiros asiáticos, o que reforça ainda mais o caráter geopolítico do cerco.
Na Colômbia, o conflito é híbrido. O governo de Gustavo Petro foi “decertificado” na guerra às drogas, uma manobra simbólica que abre caminho para cortes de recursos e pressões jurídicas. Ao mesmo tempo, Washington usa o pretexto do narcotráfico para ampliar patrulhas e interdições no Caribe. O recado é claro: se Petro insiste em negociar a paz com guerrilhas e afirmar autonomia, sofrerá isolamento e corrosão interna.
Esses três países são a linha de frente do multipolarismo no continente. Brasil, Venezuela e Colômbia são tratados como alvos prioritários não por suas fragilidades, mas por suas forças — porque carregam o potencial de quebrar a lógica da dependência.
Cenários estratégicos (30–60 dias) — Texto corrido

Nos próximos dois meses, a América Latina deve se preparar para uma série de movimentos coordenados que podem redefinir o equilíbrio de forças na região. O primeiro vetor é militar. Os Estados Unidos já operam sob a lógica de um “conflito armado não internacional” contra cartéis no Caribe. Isso abre a brecha jurídica para novas interdições letais no mar. A probabilidade de repetição desses ataques é alta e o impacto é elevado: cada operação pressiona o seguro marítimo, encarece o frete e obriga países como o Brasil a se antecipar com protocolos de deconfliction e monitoramento intensivo de rotas.
No campo econômico, o risco maior vem das sanções secundárias. As cadeias brasileiras ligadas a petróleo, fertilizantes e logística podem ser atingidas indiretamente por medidas destinadas a asfixiar Caracas. A probabilidade de esse cenário se materializar é média, mas o impacto é alto. Um simples FAQ do OFAC ou uma ordem executiva ampliando o escopo de punições pode bloquear créditos e contratos de empresas nacionais. Para o Brasil, o movimento imediato é reforçar due diligence, negociar coberturas alternativas de seguro e redesenhar rotas de exportação.
No Equador, o cenário é político-militar. O referendo convocado para novembro de 2025 deve definir se o país abrirá suas portas para bases estrangeiras. Caso aprovado, os EUA terão uma plataforma de projeção no Pacífico com efeitos diretos sobre a Amazônia e sobre os corredores bioceânicos que interessam ao Brasil. A probabilidade é alta e o impacto é médio-alto. Cabe a Brasília engajar Quito antes da votação, garantindo cláusulas de transparência e não utilização para operações extrarregionais.
No Cone Sul, a militarização de Ushuaia avança como hub estratégico para o Atlântico Sul e a Antártica. Embora o risco imediato seja médio, o impacto é sensível: com a instalação de sensores e depósitos logísticos, os EUA aumentam sua presença no extremo sul, transformando a Argentina em plataforma permanente. A reação brasileira deve ser dupla: intensificar sua diplomacia no Tratado Antártico e expandir a presença científica e de defesa na região.
O Essequibo permanece como um ponto de faísca. Um incidente naval ou um sobrevoo militar pode elevar de imediato os custos de seguro e frete, mesmo sem escalada maior. A probabilidade é baixa-média, mas o impacto é alto. Prevenir exige que o Brasil ative mecanismos de diálogo técnico com Caracas e Georgetown, buscando evitar que um erro de cálculo se transforme em crise aberta.
Por fim, a guerra informacional segue como fio condutor. Campanhas narrativas contra Lula, Maduro e Petro já estão em curso e podem se intensificar em fases eleitorais ou legislativas. Hashtags coordenadas, lawfare oportuno e vazamentos seletivos funcionam como gatilhos. O efeito, embora menos visível que sanções ou ataques, é corrosivo: desgasta lideranças soberanas e prepara o terreno para pressões econômicas e militares. A resposta passa pela construção de centros de gravidade comunicacional capazes de atribuir autoria e neutralizar narrativas em tempo real.
Em paralelo, há um cenário positivo que não pode ser ignorado: a integração avança apesar da coerção. O porto de Chancay já opera com linhas diretas à China, os estudos da ferrovia bioceânica progridem e novos cabos submarinos reforçam a soberania informacional do Brasil. Cada marco de obra e cada nova rota ativa funcionam como antídoto contra a coerção, provando que o tabuleiro multipolar é uma realidade em movimento.
Conclusão — Integração ou coerção

O tabuleiro da América do Sul hoje se organiza entre dois polos opostos: integração ou coerção. De um lado, avançam os projetos materiais que mudam a geografia do comércio e da informação: o porto de Chancay, a ferrovia bioceânica e os cabos submarinos como EllaLink e Firmina. Cada nova conexão física e digital reduz a dependência do continente em relação às rotas tradicionais dominadas por Washington. De outro, opera-se a coerção, reembalada sob rótulos de combate ao narcotráfico ou defesa da democracia. Interdições militares no Caribe, sanções extraterritoriais e campanhas narrativas formam a tríade com que os EUA buscam travar essa integração.
Para o Brasil, a escolha é urgente. O país não pode aceitar ser refém de seguros marítimos reajustados por cada ataque no Caribe, nem depender da boa vontade de bancos expostos ao OFAC. É preciso antecipar-se, negociar corredores protegidos de frete e bunker, blindar cadeias produtivas contra sanções secundárias e acelerar os corredores físicos que ligam o Centro-Oeste ao Pacífico. Do mesmo modo, no campo digital, o Brasil deve assumir a liderança em políticas de tráfego soberano, aproveitando as novas fibras para consolidar Fortaleza e Ilhéus como nós críticos de conectividade.
No plano diplomático, cabe articular protocolos de deconfliction com Venezuela e Guiana, para evitar que um incidente no Essequibo arraste toda a região a custos mais altos de frete e seguro. E no Atlântico Sul, a resposta à militarização de Ushuaia deve ser a presença brasileira reforçada na Antártica, tanto científica quanto operacional, para equilibrar a balança.
A guerra informacional é outro campo em que o Brasil não pode vacilar. Centros de análise e atribuição de campanhas coordenadas, aliados a respostas jurídicas e comunicacionais, são a chave para neutralizar a corrosão silenciosa do lawfare e do bombardeio digital.
A encruzilhada está traçada. Ou o Brasil lidera a integração e transforma o Atlântico Sul em eixo de autonomia, ou será reduzido à condição de periferia em uma rede de coerção. A decisão não é sobre aceitar ou rejeitar o conflito: ele já está em andamento. A decisão é sobre de que lado da história o Brasil escolherá se posicionar.
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