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Uma nova guerra pelo mundo: soberania informacional, tarifas e algoritmos

  • Foto do escritor: Rey Aragon
    Rey Aragon
  • 11 de jun.
  • 4 min de leitura

A disputa entre Estados Unidos e China não é apenas econômica, mas civilizatória. Em jogo está o controle sobre dados, narrativas e afetos numa guerra que se desloca do campo militar para o território invisível dos algoritmos e da soberania informacional. Entre tarifas, plataformas e bilionários, o que se decide é quem terá o poder de moldar o mundo que virá.

Não estamos diante de uma simples guerra comercial. O embate entre Estados Unidos e China, intensificado sob o segundo mandato de Donald Trump, representa um choque de paradigmas sobre como se exerce poder no século XXI. O que se disputa não é apenas a liderança econômica, mas o controle sobre fluxos globais de informação, riqueza e percepção. A guerra híbrida, nesse contexto, assume contornos algorítmicos, culturais e financeiros.

Segundo o economista Ladislau Dowbor, o Produto Interno Bruto da China — quando medido pelo real poder de compra, e não pela cotação artificial do dólar — já ultrapassou o dos Estados Unidos desde 2017. “O PIB da China hoje, tal como o Fundo Monetário apresenta, é trinta e sete trilhões de dólares. Os Estados Unidos é vinte e nove trilhões”, afirmou Dowbor (Boa Noite 247, 11/04/2025). Essa mudança de escala altera radicalmente o cenário geoeconômico: o país asiático não apenas se consolidou como potência produtiva, mas também vem articulando acordos regionais e fortalecendo seu mercado interno, o que o torna menos vulnerável a boicotes e tarifas.

Do lado estado-unidense, as tarifas são mais do que instrumentos econômicos: são gestos simbólicos de dominação. Trump impõe sanções como quem exige submissão, numa tentativa de reencenar a hegemonia global dos tempos da Guerra Fria. Como observou Dowbor, “essas tarifas não têm racionalidade econômica, é o porte. Pra ver quem se ajoelha na frente”. A metáfora da humilhação traduz o sentido profundo da atual política externa dos EUA: a busca desesperada por reafirmar a centralidade perdida diante da emergência de uma nova ordem multipolar.

Mas os tentáculos do poder estado-unidense já não se limitam às tarifas e às tropas. A nova fronteira da dominação é digital — e corporativa. De acordo com Dowbor, apenas dez conglomerados financeiros, majoritariamente dos EUA, controlam cerca de 50 trilhões de dólares em ativos — metade do PIB mundial de 2022. A isso se somam os monopólios informacionais: Google, Apple, Amazon, Meta, Microsoft, Tesla e Nvidia não apenas concentram capital, mas gerenciam dados, algoritmos e comportamentos. Esses conglomerados constituem o que o glossário conceitual define como colonialismo de dados: a extração de informação de populações inteiras sem consentimento, retorno ou transparência​.

Essa realidade está intrinsecamente conectada à captura algorítmica — o processo pelo qual algoritmos de recomendação moldam a percepção política, o consumo e até mesmo os afetos. A autonomia individual se dilui diante da engenharia de atenção e do bombardeio emocional, gerando um novo modo de dominação: a psicopolítica. Diferente do totalitarismo clássico, que impunha a repressão de fora para dentro, o controle hoje opera de dentro para fora, estimulando a autoexploração e o engajamento compulsivo​.

O paradoxo é evidente: embora os EUA apresentem indicadores de fragilidade econômica crescente — como a extrema desigualdade e o colapso do sistema de saúde — continuam sendo a maior potência militar do planeta. Essa assimetria, como alerta Dowbor, é perigosa. “Eles estão se fragilizando em termos econômicos, e têm o poder militar. Isso é extremamente perigoso pro resto do mundo”, disse ele na mesma entrevista. Ao se perceberem ultrapassados, os EUA recorrem ao que ainda lhes resta: as armas, os dados e a desinformação.

É nesse cenário que surge a relevância da soberania informacional. O conceito, conforme definido no anexo, envolve a capacidade de um Estado e sua sociedade civil de controlar seus dados, suas infraestruturas digitais e suas narrativas. No Brasil, iniciativas para taxar as Big Techs foram anunciadas como estratégia para financiar políticas públicas e reduzir a dependência de plataformas estrangeiras. No entanto, sob pressão diplomática estado-unidense, a proposta foi adiada, revelando o quanto o país ainda opera sob constrangimentos externos.

O que está em jogo, portanto, é a própria possibilidade de autodeterminação na era digital. A ausência de regulação global para plataformas, fluxos financeiros e sistemas de inteligência artificial resulta numa governança caótica — ou, como diz Dowbor, numa “zona internacional” onde as decisões são tomadas por poucos, sem qualquer mediação democrática. “Nós temos uma economia global. Nós não temos governo global”, resume ele.

Diante desse cenário, o fortalecimento de blocos como os BRICS e a construção de pactos alternativos — o que Dowbor chama de “novo pacto global” — aparecem como caminhos viáveis. Trata-se de construir uma ordem onde o digital não seja sinônimo de dominação, e onde a tecnologia sirva ao bem comum. Isso passa pela defesa de políticas de debiasing, prebunking e educação midiática crítica, conforme apontado no anexo conceitual​​​.

O conflito entre Trump e Xi é, portanto, mais do que uma rixa entre potências. É a expressão de um mundo em transição — entre um império em decadência e uma nova articulação de soberanias. O futuro não será decidido apenas por tarifas ou tratados, mas por quem conseguir construir infraestruturas de conhecimento, comunicação e justiça que resistam à barbárie algorítmica. Como Dowbor conclui: “o problema não é o Trump; por trás do Trump, tem uns treze bilionários... Tudo o que tem sido discutido nos BRICS vai se reforçar muito”.


 
 
 

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