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A Palantir Chegou ao Brasil: o Algoritmo que Quer Decidir o Futuro da Nação

  • Foto do escritor: Rey Aragon
    Rey Aragon
  • há 3 horas
  • 10 min de leitura

Deputados que regulam a IA viajaram aos EUA, visitaram a Palantir e tiveram custos pagos por entidades privadas — abrindo a porta para a colonização algorítmica do Estado brasileiro.


O que parecia uma simples missão técnica pode ser o início de algo muito mais grave: a integração silenciosa do Brasil ao ecossistema de vigilância da Palantir — a empresa que transformou guerra, polícia e saúde pública em plataformas privadas de controle social. Este artigo revela o perigo invisível por trás da viagem de nossos parlamentares e explica por que, se nada for feito agora, o país pode acordar administrado por algoritmos estrangeiros.

A Fagulha



O vídeo publicado pelo The Intercept Brasil acendeu um alerta que vai muito além de uma simples denúncia: deputados brasileiros envolvidos na regulação da Inteligência Artificial viajaram aos Estados Unidos com custos pagos por entidades privadas e visitaram a Palantir, a empresa de vigilância mais poderosa do planeta. O caso, revelado pelo jornalismo independente do The Intercept, lança luz sobre o que pode ser o início de uma nova fase da colonização algorítmica do Estado brasileiro.


O mérito da revelação é inquestionável. Mas é importante lembrar que essa fagulha acende um pavio que vem sendo traçado há anos. A Palantir não é um nome novo nem uma ameaça invisível: ela é o centro de um projeto global que transforma governos em clientes cativos e soberanias em contratos de licenciamento. Há muito tempo venho alertando, em relatórios e artigos, que essa empresa representa a materialização mais avançada da ideologia do controle informacional — e que sua chegada ao Brasil seria apenas questão de tempo.


Agora, o tempo chegou.

O que aconteceu



Entre 2024 e 2025, dois movimentos discretos prepararam o terreno para o que o The Intercept Brasil agora expôs em rede nacional. Em março de 2024, uma missão parlamentar a Washington foi organizada pela Frente Parlamentar Mista pelo Brasil Competitivo e pelo Movimento Brasil Competitivo (MBC). O roteiro incluiu encontros com Amazon, Microsoft e Google, sob o argumento de “trocar experiências” sobre regulação de Inteligência Artificial. O problema: parte das despesas foi custeada por entidades privadas, e logo após o retorno, surgiram emendas no Congresso que enfraqueciam trechos centrais do projeto de lei brasileiro de IA, copiando inclusive trechos de textos empresariais estrangeiros.


Em abril de 2025, outro grupo de parlamentares — liderado por Luísa Canziani (PSD-PR), presidente da Comissão Especial sobre o PL 2.338/2023 — embarcou para a Califórnia em missão paga pela Associação Nacional de Hospitais Privados (Anahp). A viagem incluiu visitas à sede do Google, encontros com executivos de tecnologia e a defesa pública de “parcerias estratégicas” entre o setor público e Big Techs. A Coalizão Direitos na Rede (CDR) denunciou o risco de conflito de interesses.


Agora, com o vídeo do The Intercept Brasil mostrando que parte dos mesmos parlamentares também visitou a Palantir, o quadro se fecha: não se trata apenas de influência corporativa. Trata-se de imersão ideológica — uma pedagogia silenciosa de dependência tecnológica e de submissão informacional.


Enquanto o Brasil discute como regular a Inteligência Artificial, quem deveria proteger o interesse público está sendo tutelado pelo próprio ecossistema que a lei deveria regular. E a Palantir, nesse tabuleiro, é a peça mais perigosa.

Quem é a Palantir



A Palantir nasceu das ruínas do 11 de Setembro. Criada em 2003 com financiamento da CIA, através do fundo In-Q-Tel, e fundada por Peter Thiel e Alex Karp, a empresa se vendeu ao mundo como um escudo tecnológico contra o terrorismo. Na prática, construiu algo bem mais profundo: uma máquina de mineração, cruzamento e predição de dados humanos em escala planetária.


Seu nome vem das “pedras élficas” de O Senhor dos Anéis — artefatos capazes de ver tudo, em qualquer lugar. A metáfora é perfeita: a Palantir transforma informação em vigilância, e vigilância em poder político. Seus produtos — Gotham, Foundry, AIP e Vantage — são sistemas que centralizam bancos de dados públicos, privados e militares, criando uma espécie de nervo óptico digital do Estado.


A promessa é sedutora: prever crimes, prevenir pandemias, antecipar ameaças. Mas por trás da narrativa de eficiência e segurança, há um projeto ideológico claro — o de substituir o Estado pela plataforma, a decisão pública pela predição privada. O código é fechado, os contratos são secretos e os algoritmos, inquestionáveis. Uma vez implantada, a Palantir não sai mais: cada governo que adota seu sistema se torna refém técnico e jurídico de sua arquitetura.


Hoje, a empresa opera nos departamentos de defesa dos EUA e da OTAN, na imigração norte-americana (ICE), nos sistemas de saúde do Reino Unido (NHS) e até em projetos ligados à guerra em Gaza, analisando fluxos de dados e alvos em tempo real. Sua expansão segue um padrão: chega em nome da eficiência, consolida-se em nome da segurança e permanece em nome da dependência.


O perigo é que, quando a Palantir entra, ela redefine o próprio conceito de Estado — quem decide, quem vê, quem vigia e quem é vigiado.

A ideologia por trás do código



Por trás da estética limpa dos painéis da Palantir existe uma doutrina: a de que o software é o novo soberano. Seu fundador, Peter Thiel, é um dos intelectuais mais influentes do tecnolibertarianismo contemporâneo. Ele defende que o monopólio é moralmente superior à concorrência, que a democracia é incompatível com a liberdade, e que a política deve ser substituída pela engenharia. A Palantir é a aplicação prática dessa visão — um Estado de exceção automatizado, onde o poder flui por circuitos invisíveis e onde o algoritmo substitui a deliberação pública.


O código da Palantir é o veículo de uma ideologia imperial do controle informacional. Ele não apenas captura dados: ele hierarquiza, interpreta e define o que o Estado deve ver, priorizar e temer. Ao fazer isso, impõe ao mundo uma nova gramática de governo: o governo preditivo. Se, no século XX, a hegemonia ocidental se sustentava no dólar e nas armas, no século XXI ela se sustenta na capacidade de prever comportamentos sociais e antecipar crises políticas. É a guerra como software, a doutrina que transforma o planeta em um grande campo de dados, onde tudo é monitorável e tudo é passível de antecipação.


A Palantir é a vanguarda dessa transformação. Ela opera como uma estrutura privada de poder geopolítico, um middleware entre governos e realidades, capaz de influenciar decisões militares, políticas e econômicas. Por isso, quando seus representantes recebem parlamentares estrangeiros — como agora ocorreu com o Brasil —, não estão vendendo tecnologia. Estão exportando uma visão de mundo: a de que a segurança vem antes da liberdade, e a eficiência antes da soberania.

O tamanho do poder



Hoje, a Palantir Technologies é uma das empresas mais estratégicas e politicamente enraizadas do planeta.

Ela está presente em todos os eixos de poder dos Estados Unidos: Defesa, Segurança Interna, Justiça, Saúde, Energia e até nas cadeias logísticas da indústria militar. O Pentágono, a CIA, o FBI e o ICE utilizam seus sistemas para integrar dados de inteligência, prever crises e decidir operações.


Seu principal produto militar, o Army Vantage, é o “sistema operacional da guerra moderna”. Ele coleta, organiza e cruza milhões de dados táticos de soldados, equipamentos e alvos em tempo real. O contrato exclusivo com o Exército americano — renovado em US$ 618 milhões — transformou a empresa em espinha dorsal informacional das forças armadas dos EUA.


Na Europa, a Palantir ganhou contratos com o Ministério da Defesa britânico, com a OTAN e com o Serviço Nacional de Saúde do Reino Unido (NHS).

Durante a pandemia, foi a responsável por centralizar dados sensíveis de saúde de milhões de cidadãos britânicos sob a justificativa de “eficiência” no combate à COVID-19.

Hoje, essa mesma base é o alicerce da nova Federated Data Platform (FDP), um megaprojeto de integração de dados hospitalares criticado por médicos e entidades de direitos civis por risco de vigilância sistêmica e uso indevido de informações pessoais.


A Palantir também atua em migração e fronteiras, gerenciando o sistema ImmigrationOS do governo dos EUA — usado para rastrear imigrantes em tempo real e gerar relatórios de “risco preditivo”.

É a mesma lógica que depois é exportada a outros países, empacotada como “segurança pública de última geração”.


Em síntese: a Palantir não vende tecnologia, vende dependência.

Cada país que assina um contrato com ela abre mão de parte da sua autonomia informacional.

O código vira contrato, e o contrato vira soberania condicionada.


Se essa empresa entrar no coração da infraestrutura brasileira — sob o pretexto de “cooperar” —, o Brasil não será mais dono do seu próprio back-end.

Será cliente do império digital que ela representa.

O risco para o Brasil



O perigo não está apenas na viagem. Está no significado histórico e geopolítico do que ela representa.

Quando parlamentares brasileiros encarregados de regular a Inteligência Artificial viajam aos Estados Unidos com despesas pagas por entidades privadas — e visitam a Palantir, a empresa-símbolo da vigilância ocidental — o que está em jogo não é apenas ética pública.

É soberania informacional.

É autonomia de Estado.

É controle sobre o futuro.


A Palantir não vende software, vende infraestrutura de decisão. E quem controla a infraestrutura, controla o país.

Se o Brasil permitir que tecnologias como as da Palantir se integrem a sistemas públicos — de segurança, saúde, defesa ou dados civis —, abrirá um canal direto de dependência tecnológica e estratégica com o complexo militar-digital dos EUA.

E a dependência informacional é o estágio mais perigoso da dependência econômica: ela é invisível, contínua e irreversível.


A presença da Palantir no Brasil significaria importar não apenas uma tecnologia, mas uma lógica de exceção.

No vocabulário da empresa, “segurança” significa vigilância; “prevenção” significa predição; e “eficiência” significa ausência de debate.

O Estado passa a ser observado pelo código — e não o contrário.

A partir daí, os direitos civis deixam de ser cláusulas constitucionais e passam a ser variáveis ajustáveis em sistemas de risco.


No plano político, o risco é ainda maior: a colonização algorítmica começa sempre de forma simbólica — com viagens, workshops e memorandos de cooperação — e termina com contratos que transformam a soberania em licença de uso.

E como o Brasil ainda não consolidou uma autoridade nacional independente de IA, nem uma estratégia pública de soberania digital, o terreno está aberto para que a próxima década seja definida por empresas estrangeiras com interesses alheios à democracia brasileira.


Em termos diretos: se o Brasil não criar suas próprias infraestruturas de dados, seus próprios códigos e seus próprios critérios de decisão, seremos governados por sistemas que não podemos auditar, entender ou desligar.

Soberania ou submissão



O Brasil está diante de uma escolha histórica.

Ou consolida uma política de soberania informacional, capaz de proteger seus dados, sua infraestrutura e sua inteligência,

ou se converte em cliente de um império digital, administrado a partir de servidores estrangeiros e orientado por algoritmos que não prestam contas a ninguém.


A disputa não é apenas técnica — é civilizatória.

O que está em jogo é quem decide o destino nacional: o Parlamento brasileiro ou o código de uma empresa sediada em Denver e conectada ao Departamento de Defesa dos Estados Unidos.

É a velha luta entre autonomia e tutela, agora travada em linguagem binária.


Enquanto o país se divide em debates superficiais sobre “inteligência artificial generativa” e “inovação”, as engrenagens do poder real estão sendo reposicionadas.

E nelas, quem domina a infraestrutura de dados domina também o imaginário da decisão.

A Palantir sabe disso.

E é por isso que investe tanto em aproximar elites políticas, reguladores e tomadores de decisão:

não apenas para vender software, mas para moldar a epistemologia do poder — a forma como o Estado pensa, prevê e reage.


Resistir a isso não é anti-tecnologia.

É afirmar que a tecnologia deve servir ao povo, e não o contrário.

A soberania informacional não é um conceito abstrato: é o novo nome da independência.

Assim como o petróleo definiu o século XX, os dados definirão o XXI.

E quem abrir mão deles, abrirá mão de seu próprio futuro.

O que precisa ser feito



O Brasil precisa agir com rapidez e método.

Não há tempo para reações tardias nem para discursos genéricos sobre “inovação”. O que está em jogo é o controle da infraestrutura informacional do Estado — e quem o exerce define o futuro do país.


O primeiro passo é transparência total: viagens, agendas e reuniões de parlamentares que lidam com temas estratégicos devem ser públicas e rastreáveis.

Nenhum agente político pode participar de missões patrocinadas por entidades privadas com interesse direto nas leis que regula.

A fronteira entre “intercâmbio técnico” e lobby disfarçado precisa ser visível, registrada e punível.


O segundo passo é estrutural: o Brasil precisa criar uma Autoridade Nacional de Inteligência Artificial verdadeiramente independente — com poder de auditoria sobre algoritmos de uso público e estatal, e capacidade técnica para exigir relatórios de impacto, auditorias de viés e cláusulas de reversibilidade tecnológica.

Nenhum sistema que interfira em decisões de governo pode operar como uma caixa-preta estrangeira.


O terceiro passo é econômico e soberano: investir na construção de uma infraestrutura nacional de dados — segura, pública e interoperável — que garanta que as informações estratégicas do país permaneçam sob jurisdição brasileira.

Isso implica criar centros de processamento e nuvens públicas, fomentar software livre, formar quadros técnicos e fortalecer a pesquisa nacional.


Por fim, o quarto passo é cultural e político: educar o país para a soberania informacional.

Sem consciência pública sobre o poder dos dados e das plataformas, a captura ocorre com consentimento passivo.

Precisamos de alfabetização digital crítica, comunicação pública forte e investimento em ciência e jornalismo investigativo — as três armas de defesa de qualquer democracia digital.


Porque resistir à Palantir não é resistir à tecnologia.

É garantir que o cérebro digital da nação permaneça no corpo do próprio país.

Conclusão — O algoritmo e o artigo 5º



O vídeo do The Intercept Brasil fez o que o jornalismo estratégico precisa fazer: acendeu a luz em uma sala escura.

A denúncia é fundamental e deve ser reconhecida — ela revela um movimento silencioso, sofisticado e coordenado de influência sobre quem deveria legislar com independência.

Mas a verdade é que essa história começou muito antes.

A Palantir não chega de surpresa: ela é o ápice de uma arquitetura de poder que o Ocidente vem exportando há décadas — e que agora tenta se infiltrar no coração do Estado brasileiro.


Desde 2020 venho alertando: o perigo maior não é a invasão militar, é a invasão cognitiva.

Quando os algoritmos estrangeiros passam a decidir o que o Estado vê, prevê e prioriza, a soberania deixa de ser jurídica e se torna técnica.

E quando o poder se torna técnico, ele se torna invisível — e, portanto, incontestável.


É disso que se trata.

A Palantir é apenas o nome mais visível de um projeto que quer transformar o Estado em um cliente e o cidadão em um dado.

E é por isso que o debate sobre Inteligência Artificial no Brasil não pode se restringir à inovação ou à produtividade:

trata-se de democracia, de direitos e da integridade da Constituição.


O artigo 5º garante a inviolabilidade da intimidade, da vida privada e dos dados pessoais.

Mas nenhuma lei pode proteger um país se o código que o governa não for seu.

A luta agora é para que o Brasil continue dono de sua própria infraestrutura de decisão — para que o futuro da nação não seja terceirizado, licenciado ou hospedado fora de seu território.


Porque a democracia não é um aplicativo.

É uma conquista diária.

E se o Brasil não programar o seu futuro, alguém o programará contra ele.

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