Como o Brasil pode vencer a guerra informacional até 2026
- Rey Aragon
- 30 de jul.
- 18 min de leitura

A democracia brasileira está sob o maior ataque da sua história. Este artigo aponta o caminho para construir as trincheiras que podem derrotar o fascismo e garantir a sobrevivência do Brasil democrático.
Este artigo é uma contribuição ao debate sobre como defender a democracia brasileira em um momento tão delicado. Ele reúne análises e propostas construídas a partir de evidências, estudos e observação da realidade objetiva. A intenção é oferecer um norte possível para que governo, instituições e sociedade civil possam se fortalecer diante da guerra informacional em curso.
O Brasil no epicentro da guerra híbrida

O Brasil vive, neste exato momento, a maior ofensiva de guerra híbrida de sua história, e provavelmente a mais sofisticada em andamento no planeta. Essa guerra não se anuncia por tanques de guerra, mas por narrativas, ataques coordenados contra instituições e estratégias meticulosas para corroer a confiança da sociedade na própria democracia. É uma disputa pelo sentido da realidade, travada em redes sociais, grupos de mensageria, rádios locais, púlpitos religiosos e arenas políticas, com o objetivo claro de paralisar o Estado, desorganizar a população e abrir espaço para a ruptura autoritária. Essa ofensiva não começou agora. Ela foi testada, adaptada e aperfeiçoada ao longo de duas décadas, mas hoje está em seu estágio mais agressivo, com todos os vetores da extrema-direita nacional e internacional operando para que a eleição de outubro de 2026 seja o ponto de inflexão da democracia brasileira.
O ataque informacional que vivemos não é um fenômeno isolado. Ele faz parte de uma lógica global, já experimentada em países como Ucrânia, nos protestos de 2014, no Brexit em 2016 e nas eleições norte-americanas do mesmo ano. Mas, no Brasil, essa estratégia encontrou um ambiente fértil. Nossa desigualdade estrutural, a capilaridade das redes de fé, a precarização informacional e a ausência de uma política nacional de defesa no campo da comunicação transformaram o país no laboratório perfeito para a aplicação combinada de guerra cultural, operações psicológicas e desinformação massiva. Aqui, os adversários da democracia testam métodos, escalonam tecnologias de manipulação e, depois, exportam o que funciona.
Não se trata mais de debater se a democracia está sob ameaça: ela está sob ataque frontal. A ofensiva de 8 de janeiro de 2023, que deixou claro o potencial destrutivo dessas redes de mobilização digital, foi apenas um prenúncio. De lá para cá, a estratégia se sofisticou. Narrativas sobre “fraude eleitoral”, lawfare contra lideranças progressistas, ataques diários ao Supremo Tribunal Federal e campanhas coordenadas contra vacinas e políticas públicas revelam um inimigo que não dorme. A guerra informacional está em curso e tende a se intensificar. Se a sociedade brasileira, seus setores democráticos e o governo federal não construírem, desde já, uma estratégia de defesa-ofensiva articulada, 2026 pode se transformar em um ponto de ruptura irreversível.
Este artigo não pretende fazer diagnósticos genéricos nem repetir análises já conhecidas. Ele foi escrito para ser uma bússola. Um documento de referência, capaz de organizar o pensamento estratégico do campo democrático e indicar caminhos concretos para enfrentar, com rigor científico e político, a guerra híbrida que avança sobre o Brasil. O que está em jogo não é apenas o resultado de uma eleição, mas a própria sobrevivência da democracia e a possibilidade de reconstruir um país justo, soberano e capaz de enfrentar suas contradições históricas.
O que está em jogo: a destruição planejada da democracia

O que está em curso no Brasil não é um mero embate ideológico, tampouco um conflito político convencional. É uma operação de desestabilização planejada, parte de uma lógica global de guerra híbrida que tem como objetivo final a destruição do pacto democrático. Essa guerra combina métodos militares, econômicos, jurídicos e, sobretudo, informacionais. Sua principal arma é a erosão da confiança: a criação deliberada de um ambiente em que as pessoas duvidam de tudo e de todos, exceto da narrativa oferecida por redes organizadas de manipulação. Nesse cenário, qualquer política pública se torna inviável, qualquer decisão institucional pode ser deslegitimada e qualquer resultado eleitoral pode ser contestado. É o caos como método.
Essa ofensiva não atua apenas no nível macro da política institucional. Ela se infiltra no tecido social por meio da guerra cultural e das operações psicológicas, moldando identidades, fragmentando comunidades e explorando fissuras históricas da sociedade brasileira. O inimigo sabe que uma população dividida, descrente e tomada pelo medo é mais facilmente controlável. Por isso, sua estratégia combina narrativas morais sobre família e religião, teorias conspiratórias sobre o “inimigo interno”, ataques seletivos a instituições democráticas e campanhas coordenadas de desinformação sobre temas sensíveis como economia, segurança pública e saúde. Cada peça cumpre a função de corroer laços sociais e reduzir a capacidade da sociedade de reagir coletivamente.
O Brasil se tornou o palco central dessa disputa porque reúne fatores que potencializam o sucesso da guerra híbrida: uma profunda desigualdade social e informacional, a fragilidade histórica da comunicação pública, a presença de redes religiosas e midiáticas capilarizadas e a ausência de uma política nacional capaz de articular defesa informacional com trabalho de base. Essa combinação torna o país vulnerável a estratégias que já mostraram sua eficácia em contextos internacionais, mas que aqui assumem proporções mais perigosas. Não é por acaso que o Brasil virou laboratório: as forças que atacam a democracia sabem que, se essa metodologia for bem-sucedida aqui, será exportada com ainda mais força para outras partes do mundo.
É preciso entender com clareza que essa guerra não se encerra em um único episódio, uma manifestação golpista ou uma eleição contestada. Ela é estrutural, planejada no longo prazo, e opera de forma contínua, testando a cada dia a resiliência das instituições e a capacidade de resposta do campo democrático. O que está em jogo é a própria possibilidade de se ter um país governável, capaz de resolver suas contradições internas sem ser permanentemente capturado por uma minoria organizada que atua contra a soberania nacional. Essa percepção é fundamental porque nos obriga a abandonar qualquer ilusão de que a guerra informacional se resolverá sozinha. Ela só será enfrentada com estratégia, coordenação e a construção de trincheiras permanentes que impeçam a ruptura democrática.
O Brasil como principal laboratório da guerra híbrida mundial

Nenhum outro país no mundo se tornou tão central para a experimentação e o aperfeiçoamento das estratégias de guerra híbrida quanto o Brasil. Aqui, os métodos são testados em escala, calibrados e depois exportados. As razões são profundas e estruturais. Somos a maior democracia do Hemisfério Sul, com dimensões continentais, vastos recursos naturais, posição geopolítica estratégica e um sistema institucional ainda frágil diante da ofensiva coordenada de forças internas e externas. Essa combinação transforma o país em um ambiente perfeito para experimentações. Se a desestabilização dá certo aqui, o impacto reverbera não apenas na América Latina, mas em todo o sistema democrático global.
A ofensiva que testemunhamos nos últimos anos demonstra isso de forma cristalina. O Brasil foi palco de um dos mais sofisticados esquemas de manipulação informacional do planeta durante as eleições de 2018, com uso intensivo de disparos em massa, microsegmentação de narrativas, exploração de mensageria fechada e mobilização de redes religiosas como estruturas de capilaridade. O que começou ali não apenas ajudou a eleger um governo de extrema-direita, como também criou um ecossistema de desinformação que segue ativo, cada vez mais profissionalizado. Esse ecossistema é híbrido: combina redes digitais e estruturas físicas (igrejas, associações de bairro, rádios locais) para garantir presença permanente em territórios populares onde o Estado pouco chega.
A partir dessa base, a estratégia se sofisticou. Operações de lawfare passaram a ser utilizadas de maneira sistemática para destruir lideranças progressistas, enquanto ataques diários às instituições, em especial ao Supremo Tribunal Federal e ao Tribunal Superior Eleitoral, visavam corroer a legitimidade do sistema democrático. Paralelamente, campanhas de guerra cultural e moral foram disseminadas em larga escala, com narrativas cuidadosamente construídas para ativar emoções profundas – medo, ódio, ressentimento – e consolidar identidades políticas alinhadas à extrema-direita. Esses mecanismos não se limitam ao ambiente online: eles reconfiguram a própria vida social, alteram relações comunitárias e criam bolhas de crença impermeáveis à realidade.
Ao contrário do que muitos imaginam, essa não é uma operação improvisada. Existe um intercâmbio constante entre atores brasileiros e redes internacionais de desestabilização, incluindo think tanks, políticos estrangeiros e estruturas de financiamento que operam globalmente. Organizações como a Atlas Network e a Heritage Foundation, figuras como Steve Bannon e empresas de tecnologia que atuam como metaintermediárias do debate público são peças de uma engrenagem que enxerga o Brasil como campo prioritário. Aqui, testam-se tecnologias de vigilância, mecanismos de manipulação algorítmica, estratégias de mobilização religiosa e até mesmo o uso coordenado de crises institucionais para paralisar governos.
Essa centralidade do Brasil impõe um desafio adicional: estamos lidando com adversários que não apenas têm vastos recursos, mas que aprendem rápido. Cada reação democrática mal coordenada se torna um dado valioso para o adversário ajustar sua tática. Por isso, compreender o país como o principal laboratório da guerra híbrida mundial não é uma análise retórica: é um alerta estratégico. Se não formos capazes de neutralizar essas estratégias aqui e agora, elas se tornarão ainda mais sofisticadas e difíceis de combater. Ao mesmo tempo, essa condição também pode ser revertida: se conseguirmos construir um modelo de resistência eficaz no Brasil, poderemos oferecer ao mundo uma referência de defesa democrática em tempos de guerra informacional.
Diagnóstico da correlação de forças no Brasil e no mundo

Para entender a gravidade da situação brasileira, é preciso analisar a correlação de forças com clareza. O campo democrático enfrenta adversários que não apenas têm recursos financeiros e tecnológicos muito superiores, mas também estão organizados globalmente e operam com uma lógica de longo prazo. A extrema-direita no Brasil é parte de um ecossistema internacional que inclui think tanks, fundações privadas, setores do capital financeiro, Big Techs e redes políticas transnacionais. Essa aliança tem o objetivo explícito de enfraquecer Estados nacionais, desmontar políticas públicas e reduzir a capacidade de países do Sul Global de exercerem soberania.
No plano interno, a extrema-direita conta com um ecossistema de poder que se enraizou em diversas camadas da sociedade. Igrejas neopentecostais com presença territorial em áreas onde o Estado é ausente funcionam como centros de mobilização política permanente. Rádios comunitárias, associações de bairro e redes de mensageria fechada garantem capilaridade em territórios populares. Parlamentares e lideranças locais, muitas vezes ligados ao crime organizado, formam a linha de frente institucional do projeto. Essa engrenagem funciona como um sistema vivo: produz narrativas diariamente, ativa emoções coletivas e está pronta para desestabilizar qualquer governo que ameace seus interesses.
Do outro lado, o campo democrático brasileiro enfrenta uma série de limitações. A comunicação pública é fragmentada e, em muitos casos, incapaz de dialogar com as camadas populares de forma capilar e contínua. As instituições têm o desafio de responder a ataques coordenados com um tempo de reação muito mais lento do que o das redes adversárias. O Judiciário, por exemplo, opera com prazos que parecem uma eternidade diante da velocidade algorítmica da desinformação. Os partidos e movimentos sociais progressistas ainda não conseguiram articular uma estratégia unificada de defesa no campo informacional. O resultado é que, muitas vezes, a resposta às ofensivas adversárias é tardia, isolada e incapaz de neutralizar os danos já produzidos.
No cenário internacional, a situação é ainda mais desafiadora. O Brasil está inserido em uma disputa geopolítica em que as grandes potências utilizam a guerra híbrida como instrumento de dominação. As Big Techs, que concentram o controle sobre as plataformas digitais, atuam como metaintermediárias do debate público e resistem a qualquer forma de regulação que reduza sua capacidade de operar sem transparência. Think tanks internacionais oferecem suporte intelectual, jurídico e financeiro para movimentos locais da extrema-direita. Redes globais de desinformação compartilham técnicas e narrativas que são replicadas em diferentes contextos.
Essa correlação de forças deixa claro que a luta democrática no Brasil não pode ser reduzida a um embate eleitoral ou institucional. Trata-se de um conflito assimétrico e permanente, no qual os adversários operam com enorme capacidade de mobilização social, apoio financeiro transnacional e domínio do campo informacional. Reconhecer essa assimetria não é uma postura derrotista: é um requisito estratégico. Só assim será possível abandonar respostas pontuais e construir um sistema articulado de defesa e contra-ataque que esteja à altura da ameaça que enfrentamos.
A lógica do inimigo: como o fascismo avança na guerra informacional

A extrema-direita no Brasil não age de forma improvisada. Ela opera a partir de uma lógica precisa, combinando guerra cultural, operações psicológicas e desinformação massiva para capturar corações e mentes. Essa estratégia está enraizada na compreensão de que, em um país marcado por desigualdade estrutural e vulnerabilidade informacional, não é necessário convencer a maioria com argumentos racionais: basta criar um ambiente de caos e descrédito permanente, mobilizando uma base radicalizada capaz de desestabilizar qualquer governo democrático e intimidar a sociedade.
O primeiro movimento dessa lógica é a construção de narrativas emocionais. O adversário entende que o medo, o ódio e o ressentimento são forças poderosas, capazes de mobilizar multidões mesmo contra seus próprios interesses. Narrativas sobre a “corrupção generalizada”, a “ameaça comunista” e a “destruição da família” são exemplos de frames que ativam emoções profundas e produzem identidades políticas rígidas. Essas narrativas são repetidas de forma incessante até se tornarem familiaridade pura – e, por isso, verdade para milhões de pessoas. O inimigo sabe explorar heurísticas cognitivas: quanto mais uma mentira é repetida, mais difícil é desarmá-la.
O segundo movimento é a escolha de canais de alta capilaridade. Redes de mensageria fechada, como WhatsApp e Telegram, são ambientes perfeitos para espalhar boatos de difícil rastreamento. Microinfluenciadores locais e lideranças religiosas são utilizados como “porta-vozes orgânicos”, emprestando credibilidade à narrativa. Rádios comunitárias, associações de bairro e escolas religiosas completam o ecossistema, garantindo presença constante nos territórios onde a comunicação oficial do Estado não chega. Essa capilaridade é a grande vantagem estratégica do adversário: ele está onde as instituições democráticas estão ausentes.
O terceiro movimento é a articulação com as instituições. Parlamentares e lideranças da extrema-direita atuam como amplificadores de narrativas, dando aparência de legitimidade ao que circula nos grupos digitais. Ao mesmo tempo, operações de lawfare são utilizadas para atacar lideranças progressistas, intimidar movimentos sociais e desgastar a imagem das instituições. O inimigo entende que destruir reputações é tão eficaz quanto ganhar eleições. Cada investigação seletiva, cada denúncia fabricada ou cada prisão midiática gera descrédito e paralisia no campo democrático.
O quarto movimento é a saturação. A extrema-direita não aposta em uma narrativa única, mas em centenas de ataques simultâneos. Essa tática de enxame tem um objetivo claro: ocupar o espaço público com tantas versões que a verdade se torna irrelevante. Enquanto o campo democrático tenta responder a um boato, outros dez já foram lançados. Essa sobrecarga informacional desorienta a sociedade e impede qualquer debate substantivo.
Essa lógica explica por que o fascismo avança com tanta força no Brasil. Ele não se apoia apenas em lideranças carismáticas, mas em uma rede descentralizada, capaz de operar no curto e no longo prazo. Essa rede atua no cotidiano, molda identidades e cria uma realidade paralela na qual a democracia é apresentada como inimiga do povo. Combater essa estratégia exige compreender que estamos diante de uma guerra de posição no campo informacional. O adversário está entrincheirado, com raízes profundas, e não será derrotado apenas com respostas pontuais ou comunicação institucional. É preciso construir um sistema próprio de trincheiras, capaz de neutralizar a lógica do inimigo e devolver confiança à sociedade.
O que precisa ser feito: trincheiras da guerra informacional

Se o fascismo no Brasil se entrincheirou no campo informacional, a resposta democrática precisa ser igualmente estratégica e estruturada. Não basta reagir a cada ataque nem produzir campanhas isoladas de comunicação. O desafio exige construir trincheiras permanentes, capazes de neutralizar o avanço do inimigo e de devolver confiança à sociedade. Essas trincheiras precisam ser erguidas em três frentes articuladas: inteligência preditiva, inoculação preventiva e presença capilar com redes de credibilidade.
A primeira trincheira é a capacidade de antecipação. É impossível derrotar o adversário agindo sempre em posição reativa. É necessário desenvolver um sistema de inteligência preditiva que seja capaz de identificar sinais precoces de ataques, analisar cenários e apontar quais narrativas têm maior probabilidade de ganhar força. Esse sistema deve monitorar não apenas redes sociais abertas, mas também grupos de mensageria, rádios comunitárias e outros espaços onde a desinformação circula com maior intensidade. Com dados e indicadores em mãos, será possível agir antes da explosão, desarmando o boato quando ele ainda está em fase embrionária.
A segunda trincheira é a inoculação preventiva, conhecida como pré-bunking. Essa estratégia consiste em preparar a sociedade para reconhecer as técnicas de manipulação antes que seja exposta a elas. Funciona como uma vacina informacional: ao ensinar as pessoas a identificar narrativas falsas, descontextualizações e ataques coordenados, aumenta-se sua resistência cognitiva. O pré-bunking pode ser aplicado por meio de mensagens simples, campanhas educativas e formação em espaços de confiança, como escolas, igrejas e sindicatos. A chave é ser direto, didático e chegar antes da desinformação. Quando bem executada, a inoculação preventiva reduz drasticamente o impacto de campanhas adversárias.
A terceira trincheira é a construção de redes de credibilidade local. A extrema-direita ocupa territórios porque se faz presente no cotidiano das pessoas. Para mudar essa lógica, é fundamental apoiar e articular lideranças comunitárias, comunicadores populares, agentes de saúde, professores e religiosos progressistas que já possuem confiança em suas comunidades. São essas vozes que podem transmitir informações corretas, desmentir boatos e ajudar a reconstruir laços de solidariedade social. É preciso investir em formação e em infraestrutura para que essas redes tenham condições de atuar de forma permanente e descentralizada.
A soma dessas trincheiras cria um sistema de defesa-ofensiva que permite ao campo democrático sair do ciclo vicioso da reação tardia. Mas é importante reforçar que nenhuma dessas frentes terá efeito sozinha. Inteligência sem capacidade de comunicar no território não altera a realidade. Prebunking sem redes de confiança se perde no ruído informacional. Redes locais sem dados estratégicos ficam vulneráveis à saturação adversária. Só a integração desses três eixos pode equilibrar a correlação de forças e devolver capacidade de ação ao Brasil democrático.
Como funciona o método – didático e acionável

O método que pode equilibrar a correlação de forças na guerra informacional brasileira não é teórico nem abstrato. Ele é operacional, já testado em outros contextos, e precisa ser adaptado à nossa realidade. A lógica é simples: detectar sinais precoces, prever ataques e agir de forma coordenada e antecipada, sempre por meio de redes de confiança. Esse pipeline, quando bem estruturado, transforma o campo democrático de um ator reativo em um agente estratégico.
Tudo começa com a detecção de sinais. A desinformação e as operações psicológicas não surgem do nada; elas deixam pistas. Grupos de mensageria, rádios locais, perfis de redes sociais e sites de desinformação formam um ecossistema que pode ser monitorado em busca de palavras-chave, padrões de reencaminhamento, picos de engajamento e movimentações coordenadas. Esses dados precisam ser analisados em tempo real por equipes especializadas capazes de identificar quais narrativas têm potencial de se transformar em cascatas virais.
Com os sinais em mãos, entra em cena a previsão. Esse é o momento de estimar a probabilidade de que uma narrativa se espalhe e qual será o impacto político e social dela se não for neutralizada. O uso de modelos preditivos, combinados com análise de inteligência humana, permite priorizar ataques e definir onde concentrar esforços. Não se trata de monitorar tudo o tempo todo, mas de entender quais boatos têm maior poder de desestabilização. Essa etapa é essencial para evitar o desperdício de recursos e agir com precisão cirúrgica.
O passo seguinte é o disparo do pré-bunking. A partir da previsão de um ataque, são ativadas mensagens e conteúdos que inoculam a população contra a narrativa adversária antes que ela se consolide. Essa inoculação precisa ser rápida, clara e transmitida por canais de alta confiança. Pode assumir a forma de vídeos curtos, mensagens de áudio, posts simples em redes sociais, spots de rádio ou conversas presenciais conduzidas por lideranças locais. O objetivo não é confrontar diretamente a mentira, mas preparar a sociedade para reconhecê-la quando ela surgir, explicando a técnica de manipulação por trás dela e oferecendo a informação correta.
A execução desse método só é possível por meio da Rede de Credibilidade Local. São as vozes comunitárias que conferem legitimidade à mensagem. Professores, líderes religiosos, comunicadores populares, agentes de saúde e movimentos sociais são fundamentais porque estão enraizados em seus territórios e têm confiança do público. Ao serem equipados com informações, ferramentas e treinamento, esses atores conseguem atuar como nós de um sistema descentralizado de defesa democrática.
Por fim, é necessário medir os resultados e ajustar a estratégia. Cada ação precisa ser avaliada em termos de alcance, impacto e capacidade de reduzir a adesão às narrativas adversárias. O método funciona como um organismo vivo: aprende a cada ciclo, corrige erros e se fortalece. Com a integração das etapas de detecção, previsão, inoculação e avaliação, o campo democrático se torna capaz de interromper ataques antes que eles ganhem escala e, ao mesmo tempo, formar uma sociedade mais resiliente à manipulação.
Bases sociais e formação: o escudo antifascista

Nenhuma estratégia de defesa democrática será sustentável se não estiver enraizada na sociedade. O que dá força ao fascismo não é apenas a tecnologia ou a capacidade de produzir narrativas; é o enraizamento em comunidades reais, a ocupação de espaços de sociabilidade e a transformação desses espaços em instrumentos de mobilização política permanente. Para enfrentar isso, o campo democrático precisa ir além do monitoramento e do pré-bunking: precisa reconstruir laços sociais e formar redes comunitárias capazes de atuar como um verdadeiro escudo antifascista.
Esse trabalho começa pela educação midiática e pela metainoculação. É fundamental ensinar as pessoas, de forma didática e contínua, a reconhecer as técnicas de manipulação usadas pelo adversário. Essa formação não pode ser episódica nem restrita a campanhas online; ela deve fazer parte do cotidiano das escolas, igrejas, sindicatos, associações comunitárias e demais espaços de convivência. Quando cidadãos compreendem como funcionam as estratégias de desinformação, desenvolvem um senso crítico mais apurado e se tornam menos suscetíveis ao medo e ao ódio fabricados.
Ao mesmo tempo, é preciso formar porta-vozes comunitários. Professores, lideranças religiosas, agentes de saúde, comunicadores populares, lideranças de movimentos sociais e jovens com potencial de influência precisam ser capacitados para atuar como nós de uma rede de credibilidade descentralizada. Eles não apenas ajudam a disseminar informações corretas, como também são os primeiros a identificar sinais de ataques informacionais em seus territórios. Essa estrutura, quando bem articulada, cria um sistema de alerta precoce que complementa a inteligência preditiva.
A formação de base deve ser tratada como um investimento estratégico e permanente, não como ação pontual. Cada ofensiva adversária precisa ser convertida em oportunidade pedagógica. Se uma narrativa falsa sobre vacinas circula em determinada comunidade, o esforço de desmenti-la deve ser acompanhado de formação local sobre como identificar boatos semelhantes no futuro. O mesmo vale para ataques a instituições, manipulação de pautas morais ou campanhas de lawfare: o trabalho educativo precisa usar exemplos reais para mostrar como a manipulação ocorre e por que ela é perigosa.
Essa abordagem fortalece a sociedade em duas frentes. Primeiro, aumenta a resiliência individual, tornando as pessoas menos vulneráveis a narrativas falsas. Segundo, fortalece o tecido social, reconstruindo laços de confiança que o fascismo tenta destruir. Comunidades coesas, que confiam em lideranças legítimas e têm acesso à informação de qualidade, são mais difíceis de manipular. Elas se tornam não apenas receptoras de mensagens, mas protagonistas da defesa democrática.
Construir esse escudo antifascista exige articulação entre governo, movimentos sociais e instituições da sociedade civil. É uma tarefa que demanda tempo, recursos e persistência, mas que precisa começar agora. Sem uma base social organizada, qualquer estratégia no campo informacional será frágil. Com ela, será possível neutralizar ataques, recuperar confiança nas instituições e preparar o país para resistir às tentativas de ruptura que certamente se intensificarão até as eleições de 2026.
Apoio estratégico ao governo e instituições

Para que a estratégia de defesa democrática seja eficaz, ela precisa ser abraçada pelo Estado brasileiro e articulada com as instituições-chave que garantem a governabilidade. O campo democrático não pode depender apenas da iniciativa de movimentos sociais e organizações da sociedade civil, por mais importantes que sejam. É necessário criar estruturas permanentes que protejam as instituições e deem sustentação às políticas públicas diante dos ataques do fascismo.
A primeira tarefa é consolidar a soberania informacional como prioridade nacional. O Brasil precisa de uma estrutura interministerial capaz de coordenar a inteligência preditiva, o pré-bunking e a articulação com redes de credibilidade local. Essa estrutura deve incluir governo federal, estados, municípios, Poder Judiciário, Ministério Público e órgãos de controle, de modo a garantir respostas rápidas e coordenadas. Não se trata de criar uma máquina de propaganda, mas de estabelecer um sistema ético e transparente de defesa do Estado democrático de direito.
Esse sistema pode ser materializado por meio de um Comitê Estratégico de Soberania Informacional, responsável por monitorar riscos, identificar ataques coordenados e ativar redes de inoculação preventiva. Ele deve atuar em estreita colaboração com órgãos como o Supremo Tribunal Federal e o Tribunal Superior Eleitoral, que têm sido alvos constantes da extrema-direita. Também precisa estar conectado a ministérios estratégicos, como Educação, Saúde e Assistência Social, pois muitos ataques informacionais são direcionados às políticas dessas áreas.
Ao mesmo tempo, é fundamental construir parcerias sólidas com universidades, institutos de pesquisa, veículos de comunicação regional e movimentos sociais. A academia pode contribuir com metodologias de análise preditiva, medição de impacto e educação midiática. A imprensa regional e comunitária, quando fortalecida, é peça essencial da Rede de Credibilidade Local. Os movimentos sociais, por sua vez, são insubstituíveis no trabalho de base e na formação de lideranças. Essa articulação não pode ser improvisada; precisa ser planejada e financiada como parte de uma política pública de longo prazo.
Outro ponto crucial é a criação de protocolos de comunicação em janelas críticas. Em momentos de crise, as instituições precisam falar com uma só voz, de forma clara e acessível, para não deixar espaço para narrativas adversárias. Isso exige coordenação entre os diferentes poderes e níveis de governo, além de uma compreensão coletiva de que a disputa informacional é tão importante quanto a disputa jurídica ou política. O fascismo aposta na paralisia e na desorientação do campo democrático; romper esse padrão é uma questão de sobrevivência institucional.
Por fim, é necessário estabelecer mecanismos robustos de auditoria e salvaguarda de direitos. O sistema de defesa informacional não pode ser capturado por interesses partidários nem utilizado para perseguir adversários políticos. Sua legitimidade dependerá da transparência de suas ações, da publicação regular de relatórios e da supervisão por conselhos independentes compostos por representantes da sociedade civil, da imprensa e da academia. Essa governança ética é a melhor proteção contra acusações de abuso e a melhor forma de ganhar a confiança da população.
Chamado histórico: 2026 e a reconstrução democrática

Chamado histórico: 2026 e a reconstrução democrática
O Brasil atravessa um momento que definirá o seu destino por décadas. A guerra híbrida que vivemos não é uma abstração nem um fenômeno restrito às redes sociais. Ela já destruiu reputações, bloqueou políticas públicas, corroeu a confiança da sociedade nas instituições e quase levou o país a uma ruptura em 8 de janeiro de 2023. Se nada for feito agora, a ofensiva que está em curso atingirá seu ápice em 2026, colocando em risco não apenas o resultado de uma eleição, mas a própria continuidade da democracia.
Não podemos esperar que essa guerra seja vencida apenas pelo tempo ou por decisões isoladas. O fascismo está organizado, enraizado em comunidades e operando em escala global. Ele não será derrotado com respostas improvisadas nem com ações fragmentadas. A vitória dependerá de um esforço estratégico, articulado e permanente, capaz de construir trincheiras no campo informacional, reconstruir laços sociais e devolver à sociedade a confiança em si mesma.
O método está claro: inteligência preditiva para antecipar ataques, pré-bunking para inocular a população antes que a desinformação se consolide e redes de credibilidade local para ocupar territórios onde o Estado está ausente. Mas o método, por si só, não vencerá a guerra. Ele precisa ser assumido como prioridade por todos os setores democráticos: governo federal, estados, municípios, Judiciário, Ministério Público, partidos, movimentos sociais, universidades, imprensa e lideranças comunitárias. Cada um desses atores tem uma função vital nessa batalha.
2026 será o teste definitivo da nossa capacidade de enfrentar a guerra híbrida que tomou o Brasil como laboratório. Se formos capazes de agir agora, com coragem e estratégia, poderemos transformar o país em referência mundial de defesa democrática em tempos de desinformação e manipulação massiva. Se não, a extrema-direita continuará a corroer o país por dentro até que a ruptura se torne inevitável.
Este artigo é um chamado. Não um chamado à retórica, mas à ação estratégica. As ferramentas existem, o diagnóstico está feito, e as soluções são possíveis. É hora de abandonar a ilusão de que a democracia se defende sozinha. É hora de construir, com humildade e determinação, as trincheiras da guerra informacional que garantirão a sobrevivência do Brasil democrático. O futuro ainda pode ser nosso, mas apenas se compreendermos que estamos diante de uma batalha histórica e que cada dia conta.
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