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E se decidirem cortar nossa conexão com o mundo?

  • Foto do escritor: Rey Aragon
    Rey Aragon
  • 2 de ago.
  • 9 min de leitura

Cabos, satélites e redes que conectam o país estão nas mãos de estrangeiros. Soberania digital é impossível sem retomar essa infraestrutura.


O Brasil não controla a própria internet. Toda a nossa conexão com o mundo depende de cabos, satélites e redes que não nos pertencem. Se amanhã uma corporação estrangeira ou um governo decidir nos desconectar, nada nos protege. Fingimos debater soberania digital, mas a verdade é que somos reféns de uma infraestrutura colonizada. Enquanto não retomarmos os cabos, as fibras e os satélites, qualquer discurso sobre liberdade é uma farsa.

Introdução



O Brasil discute soberania digital como quem debate a cor das paredes de uma casa cujos alicerces estão nas mãos de outro. Fala-se em criar redes sociais próprias, aplicativos nacionais, plataformas alternativas, como se isso resolvesse o problema. Mas a verdade é brutal: não existe soberania digital se o país não controla os cabos, satélites, servidores e rotas por onde seus dados trafegam. Enquanto a infraestrutura física da internet estiver nas mãos de corporações estrangeiras e oligopólios privados, qualquer projeto de autonomia será uma ilusão.


Soberania digital não é ter a chave do cofre; é possuir o cofre, o prédio e a rua onde ele está. É dominar as vias físicas por onde a informação circula. O Brasil continua dependente de infraestruturas controladas por Google, Meta, Starlink, Telefónica, América Móvil e outros gigantes que operam não apenas com interesses comerciais, mas alinhados a estratégias geopolíticas globais. O debate brasileiro sobre soberania digital está preso ao software, enquanto o hardware que sustenta tudo está colonizado.


Enquanto não desatarmos esse nó cego — a ausência de soberania infraestrutural —, qualquer discurso sobre liberdade informacional será vazio. Não adianta construir plataformas alternativas se os canais por onde essas informações trafegam pertencem a quem pode desligá-los quando quiser. A base da soberania digital começa nos cabos, nos satélites, nas fibras ópticas e nos backbones. Ignorar isso é repetir o erro histórico de pensar independência apenas como ato simbólico, e não como poder material sobre as estruturas que sustentam a comunicação e a economia.

A Infraestrutura Invisível: Quem Controla a Conexão do Brasil com o Mundo



O Brasil está conectado ao mundo por uma rede invisível de cabos submarinos, fibras ópticas terrestres, satélites e enlaces de rádio. Invisível aos olhos do público, mas absolutamente decisiva. Invisível, mas controlada por corporações estrangeiras e oligopólios privados que determinam, na prática, os fluxos de informação que atravessam o país.


Mais de 90% do tráfego internacional de dados do Brasil passa por cabos submarinos pertencentes a consórcios controlados por empresas como Google, Telefónica (Vivo), América Móvil (Claro/Embratel) e Angola Cables. Cabos como Globenet, Monet, BRUSA e AMX-1 são as veias por onde circula a informação estratégica do país — todas nas mãos do capital privado, com trechos obrigatórios passando pelos Estados Unidos e Europa. O EllaLink, que conecta diretamente o Brasil à Europa, é uma exceção, mas segue fora do controle estatal, administrado por um consórcio privado internacional.


No espaço, a dependência se repete. O SGDC, Satélite Geoestacionário de Defesa e Comunicações Estratégicas, é o único satélite brasileiro com foco em inclusão digital e segurança nacional. Mas ele é um projeto isolado e subdimensionado para as necessidades do país. Enquanto isso, a Starlink, empresa de Elon Musk, espalha milhares de satélites de baixa órbita sobre o território brasileiro, oferecendo conectividade até nas regiões mais remotas. O preço? A soberania. A Starlink, sem qualquer regulação soberana, detém o poder de conceder ou negar acesso à internet em territórios estratégicos da Amazônia, por exemplo.


Em terra, o backbone nacional — a malha de fibras ópticas que interliga as capitais e centros econômicos do país — está sob controle das gigantes Claro, Vivo, TIM e Oi. O Brasil possui uma infraestrutura estratégica pública, a Eletronet, com mais de 16 mil km de fibras ópticas ligadas à Eletrobras. Essa rede, que poderia ser a espinha dorsal de uma infraestrutura estatal de comunicação, foi sucateada, desmantelada e subordinada à lógica do mercado. Hoje, o Estado brasileiro depende de empresas privadas para trafegar seus próprios dados.


Na última milha, entre a rede e o usuário final, a dependência é ainda mais escancarada. Pequenos provedores locais, responsáveis por uma parte importante da inclusão digital em regiões periféricas e interioranas, compram capacidade de tráfego das grandes operadoras, mantendo a subordinação estrutural. Em regiões rurais, amazônicas e de difícil acesso, a única conexão possível é via satélites estrangeiros ou projetos esporádicos e insuficientes de inclusão digital.


O Brasil não controla os cabos que o conectam ao mundo. Não controla os satélites que orbitam seu território. Não controla seu próprio backbone nacional. E não controla a última milha que chega à casa do cidadão. A infraestrutura física da internet no Brasil é, em grande parte, uma concessão precária da soberania nacional ao capital privado e aos interesses geopolíticos das potências estrangeiras.

As Consequências da Dependência: Da Espionagem à Paralisia Econômica



A dependência estrutural do Brasil em infraestrutura digital privada e estrangeira não é um problema técnico ou distante. É uma vulnerabilidade estratégica que ameaça a soberania, a segurança nacional e a viabilidade econômica do país.


Quando os dados brasileiros trafegam por cabos submarinos controlados por Google, Telefónica e América Móvil, passando por hubs nos Estados Unidos e Europa, eles se tornam alvos fáceis de espionagem governamental e corporativa. O escândalo da NSA espionando Dilma Rousseff em 2013 foi um aviso ignorado. Hoje, com a expansão da digitalização da economia e da política, essa exposição é ainda maior. O Brasil circula dados estratégicos — financeiros, empresariais, políticos, militares — em rotas que não controla.


Além da espionagem, a dependência coloca em risco a continuidade de setores vitais. Sistema financeiro (PIX, bancos), agroexportações, cadeias logísticas, redes elétricas, petróleo, gás e até a comunicação governamental estão subordinados a infraestruturas que podem ser interrompidas ou sabotadas externamente. Uma crise diplomática, uma sanção econômica ou uma simples decisão empresarial em um conselho de administração do outro lado do mundo pode paralisar setores inteiros do país.


Não é exagero afirmar que o Brasil não tem controle soberano sobre o funcionamento básico de sua economia digitalizada. Sem domínio sobre as vias físicas por onde a informação circula, qualquer projeto de nuvem pública, de rede governamental segura ou de defesa cibernética é uma ficção. Como criar uma infraestrutura digital estatal robusta se as bases dessa rede — os cabos, satélites e backbones — estão nas mãos do mercado?


A consequência econômica é brutal. As Big Techs faturam bilhões com dados brasileiros, vendem publicidade, processam transações, e não reinvestem um centavo na infraestrutura do país. O Estado brasileiro, por sua vez, gasta bilhões em contratos com fornecedores estrangeiros de software, nuvem e hardware, alimentando a desindustrialização tecnológica. O Brasil funciona como colônia de dados: produzimos a matéria-prima, mas não controlamos os meios de circulação, processamento ou armazenamento.


Falar em plataformas alternativas, redes sociais nacionais ou aplicativos “independentes” sem enfrentar essa dependência infraestrutural é um projeto de papel. É construir castelos digitais no ar, sem chão.

Não Há Soberania Digital sem Soberania Infraestrutural



O Brasil precisa encarar uma verdade elementar: não existe soberania digital sem soberania infraestrutural. Toda a discussão sobre plataformas alternativas, aplicativos nacionais ou redes sociais próprias desaba quando se ignora que os canais por onde essas informações trafegam não pertencem ao país.


Controlar a plataforma, mas não controlar o cabo submarino por onde ela se conecta ao mundo, é o mesmo que tentar governar um território sem ter acesso às suas estradas. Construir uma rede social independente enquanto a conexão da última milha depende de uma operadora privada subordinada a interesses externos é um projeto que nasce condenado.


O erro tático do debate sobre soberania digital no Brasil é achar que o problema está apenas no “software”, no “conteúdo”, nos “algoritmos”. Isso é um efeito. A causa está na base material: cabos, satélites, fibras, servidores, data centers, rotas de tráfego. Sem controle sobre essas infraestruturas, toda tentativa de “independência digital” será uma fantasia tolerada até o dia em que deixar de ser conveniente para quem realmente controla os fluxos.


Essa ilusão de soberania superficial — onde se acredita que criar um app nacional é suficiente — apenas reforça a nossa condição de colônia digital. É a infraestrutura que determina quem tem o poder de manter ou cortar a conexão. E hoje, o Brasil não tem esse poder.

O Caminho da Soberania: Reconstruir a Infraestrutura como Projeto de Estado



A soberania informacional do Brasil só será possível quando o país retomar o controle sobre sua infraestrutura digital. Isso exige um projeto de Estado, não de mercado. Reconstruir a infraestrutura é uma decisão política, estratégica, que precisa ser tratada como prioridade nacional, no mesmo nível de importância de políticas de defesa, energia e alimentos.


O primeiro passo é reestatizar e expandir a Eletronet como backbone nacional público. A Eletronet, com seus 16 mil km de fibras ópticas ligadas à Eletrobras, é a única base existente para uma rede estatal de tráfego de dados. Essa infraestrutura precisa ser recuperada, modernizada e expandida para cobrir todo o território brasileiro, garantindo que o Estado tenha uma espinha dorsal independente para suas comunicações.


O segundo passo é o lançamento de novos satélites geoestacionários de comunicação (SGDC-2, SGDC-3...), com capacidade real de atendimento massivo à inclusão digital e à segurança nacional. Um único satélite, como o atual SGDC, é insuficiente para garantir a autonomia em um país de dimensões continentais. O Brasil precisa de uma constelação de satélites próprios, controlados pelo governo e operados por instituições nacionais.


Paralelamente, é urgente a construção de cabos submarinos brasileiros autônomos, conectando diretamente o país a rotas estratégicas fora do controle dos Estados Unidos e das grandes corporações de telecom. Isso pode ser feito através de parcerias multilaterais com países do Sul Global, com os BRICS, e com outros atores que compartilham a necessidade de escapar da hegemonia informacional das potências ocidentais.


Além disso, é necessário investir em infraestruturas de última milha públicas e comunitárias. Projetos de redes comunitárias, cooperativas de internet e parcerias público-comunitárias são fundamentais para romper a dependência das grandes operadoras na conexão final com o cidadão. Cada região que hoje é servida por um provedor comunitário precisa ser vista como um bastião de soberania digital local.


Nenhuma dessas medidas será possível sob a lógica do mercado. A infraestrutura digital do Brasil precisa ser tratada como infraestrutura de soberania, tal qual ferrovias, hidrelétricas, portos ou refinarias. E isso só acontece quando o Estado assume o papel central na retomada desse território invisível, mas essencial.

As Consequências de Buscar Soberania (e por que Precisamos Enfrentar)



Buscar soberania informacional terá um preço. A retomada da infraestrutura digital como projeto de Estado inevitavelmente enfrentará resistência das grandes corporações e das potências estrangeiras que hoje controlam o fluxo global de dados. Haverá retaliações comerciais, pressões diplomáticas, chantagens financeiras e sabotagem informacional.


As big techs e os oligopólios de telecomunicações possuem poder econômico, político e midiático para tentar esmagar qualquer iniciativa de soberania infraestrutural. Isso significa campanhas de desinformação, lobbies agressivos contra legislações que protejam a infraestrutura pública e tentativas de isolar politicamente o Brasil em organismos internacionais.


A ofensiva contra qualquer movimento soberanista no campo digital será dura, e é preciso reconhecer isso sem ilusões. Mas não existe alternativa. Manter a dependência é aceitar, de forma resignada, a condição de colônia digital — um país que não controla sua economia, seus dados, sua segurança e sua capacidade de decisão autônoma.


Enfrentar essa batalha não é uma escolha ideológica. É uma questão de sobrevivência nacional. O mundo caminha para um cenário de conflitos híbridos, onde a infraestrutura digital é um campo de guerra invisível, mas decisivo. Quem não controla seus canais de comunicação será controlado por eles.


Buscar a soberania significará enfrentar pressões externas, mas é o único caminho para garantir que o Brasil exista como ator autônomo na geopolítica do século XXI. Ou enfrentamos essa disputa, ou continuaremos a ser um território digital ocupado.

Conclusão — O Brasil Precisa Retomar a Infraestrutura para Existir como Nação


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O Brasil precisa retomar o controle da sua infraestrutura digital para existir como nação. Sem isso, qualquer debate sobre soberania informacional, independência tecnológica ou autonomia política será uma encenação vazia. Não há soberania digital possível enquanto os cabos, satélites, fibras e backbones que sustentam a comunicação do país estiverem sob domínio de corporações estrangeiras e interesses privados.


A luta pela soberania informacional começa no território invisível da infraestrutura. Trata-se de um campo de batalha onde o inimigo não precisa ocupar fisicamente o país para controlar seus fluxos vitais. Basta apertar um botão, fechar uma rota, interferir em uma conexão. A submissão tecnológica do Brasil não é um acidente. É um projeto de dominação que só será revertido com decisão política, investimento estratégico e enfrentamento direto.


Discutir regulação de plataformas sem reconstruir a infraestrutura é como querer governar um país sem controlar seu território. A soberania informacional começa nos cabos, nos satélites, nas fibras. Sem isso, qualquer projeto de emancipação é ilusão. O Brasil precisa romper essas correntes invisíveis. Precisa de um projeto de Estado que trate a infraestrutura digital como um ativo estratégico, não como um negócio.


Retomar a infraestrutura é mais do que uma necessidade técnica. É um ato de afirmação nacional. Ou controlamos nossos canais de comunicação, ou seremos governados por eles. No século XXI, quem não controla seus fluxos de informação não governa a si mesmo. O Brasil precisa decidir: ou retoma sua infraestrutura digital, ou aceita a condição de colônia na nova ordem da informação.

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