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Entre a tarifa e a trincheira

  • Foto do escritor: Rey Aragon
    Rey Aragon
  • 21 de jul.
  • 8 min de leitura

O Brasil Diante do Cerco e da Escolha


O tarifaço de Trump não é apenas uma retaliação: é um recado. O Brasil está sendo pressionado a escolher entre a submissão ao dólar ou a construção de um projeto soberano. Este artigo traça um diagnóstico preciso do momento, aponta as contradições das elites e indica o que o governo e a sociedade precisam fazer — agora — para garantir a soberania nacional diante do cerco geopolítico.


O tarifaço como declaração de guerra econômica.



Há momentos em que a história deixa de sussurrar e começa a gritar. O tarifaço imposto por Donald Trump ao Brasil não é apenas uma medida comercial hostil — é uma declaração de guerra econômica com objetivos geopolíticos nítidos. Mais do que penalizar exportações de laranja, carne, café e minério, a decisão busca forçar o Brasil a retroceder no caminho da soberania, isolá-lo de suas alianças estratégicas no BRICS e reconduzi-lo à órbita subalterna do dólar e das determinações de Washington.


É fundamental compreender que essa agressão tarifária não está desconectada do cenário mais amplo. Ela ocorre exatamente no momento em que o Brasil assume protagonismo na construção de uma ordem multipolar, amplia acordos em moedas locais, fortalece o Novo Banco de Desenvolvimento e atua como voz independente nos fóruns internacionais. A punição não é acidental: é mensagem e método. Trump impõe as tarifas como castigo ao Brasil por ousar pensar com cabeça própria — e, ao mesmo tempo, como aviso a outras nações que cogitem o mesmo caminho.


O erro mais perigoso seria tratar essa ação como uma disputa de preços ou balança comercial. O que está em jogo é a arquitetura do século XXI. A agressividade estadunidense é proporcional ao grau de desobediência que o Brasil tem demonstrado. Não estamos diante de um mal-entendido diplomático, mas de uma tentativa deliberada de quebrar o ciclo de autodeterminação inaugurado em 2003 e retomado em 2023, agora com ainda mais clareza.


Este artigo é uma tentativa de contribuir com uma leitura estratégica do momento que atravessamos. Mais do que relatar os fatos, busca compreender os interesses em disputa, reconhecer as divisões que atravessam as elites econômicas e sugerir caminhos possíveis para que o país siga fortalecendo sua soberania. Não se trata de oferecer respostas definitivas, mas de somar ao esforço coletivo de pensar o Brasil com lucidez, coragem e responsabilidade histórica. Talvez o tarifaço não seja o fim de um ciclo, mas o início de uma oportunidade — a chance de consolidar um projeto nacional que não se curva, mas caminha com dignidade num mundo em transformação.


A divisão das elites: entre a subserviência de mercado e o trauma do castigo.



O tarifaço expôs, com brutal clareza, uma fratura que há tempos já estava desenhada: as elites econômicas brasileiras estão divididas entre o pragmatismo da soberania e a servidão automatizada aos interesses dos Estados Unidos. Essa divisão, ainda que silenciosa, tornou-se impossível de ignorar.


De um lado, setores do agronegócio, da indústria e da exportação começam a sentir na pele o peso da dependência. Com tarifas de até 50% sobre produtos como laranja, carne bovina, café e minério, muitas dessas cadeias produtivas viram contratos ruírem de um dia para o outro. Não se trata apenas de retaliação comercial: trata-se de um castigo exemplar, aplicado contra o Brasil pela ousadia de participar de um mundo multipolar, mais justo e menos dependente do dólar.


E é aqui que a contradição se instala: os mesmos grupos empresariais que agora sentem o baque das tarifas são, em muitos casos, os que historicamente defenderam a integração subordinada ao mercado estadunidense. Grandes conglomerados do agro, frigoríficos exportadores e cadeias de commodities têm suas operações financiadas por fundos como BlackRock, Vanguard e State Street. Essas estruturas — profundamente enraizadas na lógica financeira anglo-americana — não operam com lealdade ao Brasil, mas sim ao fluxo de capitais e à estabilidade da hegemonia que hoje nos castiga.


O trauma é real, mas a compreensão política ainda é parcial. Muitos desses setores, mesmo diante do prejuízo, ainda hesitam em romper com a lógica da dependência. É como se tivessem sido feridos pela coleira, mas ainda tivessem medo de soltar a corrente.


Por outro lado, há sinais de movimento. Cooperativas agrícolas, pequenos e médios produtores, segmentos industriais voltados ao mercado interno e empresas emergentes de inovação começam a compreender que não há mais segurança na subordinação. Estão pressionados, mas também atentos — e é nesse campo que o governo pode encontrar aliados estratégicos, desde que fale com clareza, ofereça apoio concreto e sinalize um horizonte de autonomia possível.


A elite brasileira, nesse momento, não é uma muralha homogênea. É um campo de disputa. Parte dela já percebeu que depender dos EUA significa caminhar sobre gelo fino. Parte ainda insiste na ilusão de que ser obediente é mais seguro do que ser soberano.


Cabe ao governo, com inteligência e tato, aproveitar essa fissura para costurar novas alianças — não em torno de ideologias abstratas com ethos liberal, mas em torno de uma constatação material: não há futuro sustentável para a economia brasileira sob o chicote tarifário de potências em declínio.


As trincheiras possíveis: quem está pronto para defender a soberania.


Diante do cerco tarifário, da chantagem econômica e da hesitação de parte das elites, o governo brasileiro precisa olhar com precisão para o mapa interno. Porque há, sim, trincheiras sólidas onde a soberania pode se enraizar e florescer. Mas para isso, é necessário abandonar ilusões conciliatórias e apostar em alianças verdadeiras, estruturadas sobre interesses comuns e vocações estratégicas.


A primeira dessas trincheiras está no agronegócio não-financeirizado, nas cooperativas regionais, nos pequenos e médios produtores que vivem da terra e do trabalho — não da especulação. Esses agentes, duramente impactados pelas tarifas, já começam a perceber que sua sobrevivência depende da diversificação de mercados e da proteção contra os solavancos do dólar. Não são ideólogos da multipolaridade — são sobreviventes do unilateralismo. E por isso, podem se tornar defensores objetivos da soberania, desde que recebam apoio institucional, crédito direcionado, garantia de escoamento e mediação diplomática ativa.


A segunda trincheira é formada por setores da indústria nacional voltada ao mercado interno, empresas de base tecnológica emergente, empreendedores de inovação que não têm acesso privilegiado aos fundos de Wall Street. São negócios que dependem de um país estável, de moeda forte, de projeto nacional de desenvolvimento. Se estimulados por políticas industriais consistentes — como uma reindustrialização verde, digital e conectada aos BRICS — podem ser células vivas de um novo ciclo produtivo soberano.


A terceira base está na sociedade civil organizada: movimentos sociais, sindicatos combativos, redes de pesquisa e universidades públicas que vêm alertando, há anos, para a armadilha da dependência econômica e informacional. São esses atores que podem ajudar a moldar a opinião pública e transformar a luta contra o tarifaço em uma batalha por um novo modelo de país.


Há ainda um campo difuso, mas decisivo: os brasileiros que vivem da economia real, que percebem no cotidiano os efeitos da volatilidade externa e da fragilidade estrutural. Esse campo não está ideologizado, mas está disponível — e precisa ser convocado com linguagem acessível, propostas claras e visão de futuro. O tarifaço é também uma oportunidade de formar consciência.


O que não podemos mais fazer é apostar em alianças inconsistentes com setores que não reconhecem o Brasil como projeto. Quem sabota a soberania em nome da estabilidade do capital internacional não é aliado tático: é risco permanente.


Se o governo deseja defender o país, precisa saber onde estão suas forças reais. E elas não estão nas bolsas, nos fundos ou nas manchetes de editoriais entreguistas. Estão na terra, na fábrica, na praça, no território e na inteligência coletiva do povo brasileiro.


O que está em jogo: o futuro não será neutro.



É comum, em momentos de tensão internacional, ouvir vozes pedindo “moderação”, “equilíbrio” ou “bom senso” — como se a neutralidade fosse possível num tabuleiro onde os peões estão sendo empurrados à força para um lado. Mas a verdade é dura e inegociável: o futuro não será neutro. Ou o Brasil afirma sua soberania com coragem, ou será arrastado para a posição de apêndice vulnerável de um império em decadência.


O tarifaço imposto por Trump não é um ato isolado. É parte de uma estratégia maior de contenção das nações que se recusam a obedecer cegamente à lógica unipolar. O que está em jogo é se o Brasil continuará refém da dependência histórica, sendo punido quando ousa pensar com autonomia, ou se usará esse ataque como ponto de virada para reorganizar seu projeto nacional em novas bases.


Recuar agora, em nome da "estabilidade", é reforçar a chantagem como método. É dizer ao mundo — e às futuras gerações — que um decreto presidencial norte-americano basta para reverter décadas de construção soberana. É legitimar a punição como pedagogia para países do Sul Global. Não há soberania possível sob coação.


Por outro lado, avançar exige cálculo, firmeza e lucidez histórica. Isso significa acelerar as negociações dentro do BRICS e com outros blocos emergentes, fortalecer as trocas em moedas locais, investir pesado na infraestrutura logística Sul-Sul, proteger o Plano Safra de ingerências externas e preparar o país para viver com menos dependência do mercado dos EUA — não por revanchismo, mas por maturidade estratégica.


Exige também que o governo enfrente, com serenidade e firmeza, o campo da desinformação e da sabotagem interna. Porque já está em curso — como em outros momentos da nossa história — uma campanha para vender o tarifaço como culpa do Brasil, e não como agressão dos EUA. Essa inversão precisa ser combatida com inteligência comunicacional, pedagogia política e construção de narrativa soberana.


O que está em jogo não é apenas o destino de algumas commodities. É o lugar do Brasil no século XXI. A chance de não repetir 1964, 1990 ou 2016. A chance de construir uma autonomia concreta, que se traduza em alimento, indústria, ciência, cultura e dignidade para o povo.


Não se trata de ideologia: trata-se de sobrevivência.


É hora de escolher a ponte e não a coleira.



O tarifaço de Trump colocou o Brasil diante de uma encruzilhada que não permite ambiguidades. Ou o país escolhe a ponte para o futuro — feita de soberania, cooperação Sul-Sul, reindustrialização e alianças múltiplas — ou se rende, mais uma vez, à coleira de uma potência que alterna afagos e ameaças conforme seus próprios interesses de ocasião.


A diferença é que, desta vez, temos mais elementos, mais experiência e mais força. Temos um governo legitimado nas urnas, com lastro popular e alianças internacionais robustas. Temos um povo que já viu os efeitos da submissão, mas que também provou, mesmo que por breves períodos, o gosto da autonomia. Temos instrumentos — como o Novo Banco de Desenvolvimento, os acordos em moedas locais, a inteligência das universidades, a resistência dos movimentos e a potência dos territórios.


O que falta, agora, é clareza de posição. Não se pode mais falar em soberania num dia e ceder no outro. Não se pode flertar com a neutralidade quando somos o alvo direto da pressão imperial. Não se pode contar com quem não conta com o Brasil — nem na crise, nem na construção.


Este texto não pretende dar lições, mas oferecer uma leitura comprometida com o país real. Um Brasil que não cabe mais nos moldes estreitos do alinhamento automático. Um Brasil que precisa, com urgência, de um projeto de Estado que não se ajoelha — que levanta, caminha e convida o povo a caminhar junto.


Não há atalhos. Não há zona de conforto. Mas há caminho.


E ele começa na escolha que fizermos agora.

1 Comment


Fernando Bretas
Fernando Bretas
Jul 21

Existe uma máxima na gestão de organizações que diz: Insanidade é fazermos sempre as mesmas coisas e esperarmos resultados diferentes. Em certa medida isso também serve para a politica.

Eu concordo em gênero, número e grau com o artigo acima. Na avaliação da conjuntura e nas medidas que sugere para sairmos da nossa mesmice. Mas, infelizmente, e com pesar, eu não acredito na capacidade deste governo para levar um projeto desta envergadura adiante. E não por covardia ou por inépcia. Mas por falta de identidade entre este governo e a realidade que se desenhou para ele com a aceleração da debacle estadunidense depois da posse dos fascistas.

Lula é antes de tudo um conciliador. Se isso ajudou no processo histórico…

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