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NÃO HAVERÁ PACIFICAÇÃO NO BRASIL

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    Redação
  • 14 de set.
  • 5 min de leitura

Por Julio Pegna



O tecido institucional que parece sempre estar a ponto de rasgar, resiste. Mas há um limite. A pacificação não permite esquecimento e apagar o que aconteceu não conduz à Paz.


Num passado remoto o Brasil era um país feliz. O brasileiro era cordial, como disse o sociólogo Sérgio Buarque de Holanda no livro Raízes do Brasil de 1936. Houve uma época em que os anos eram dourados, havia sol, bossa nova, carnaval e futebol.

INTRODUÇÃO



Mas tudo ficou lá atrás, na memória, perdido entre os arquivos da história recente do Brasil.

Há controvérsias sobre sermos, ou não, cordiais. Alguns autores reclamam da redução da personalidade brasileira, da simplificação de nossas qualidades a um mero adjetivo fofinho, como quando dizemos: - pode entrar, o cachorro é manso.


De toda forma há uma ponta de verdade na afirmação de Sérgio Buarque que evidencia, pelo menos em parte, nossa cordialidade.


Ser cordial não é ser educado ou gentil. O termo cordial significa coração (do latim, cordis). O brasileiro é movido pela emoção e pelo afeto e não pela razão, pela impessoalidade. 


Isso nos torna reféns de uma sociedade que se movimenta entre o amor e o ódio, entre a paixão e a impulsividade, entre nós e eles. Esta ondulação constante está presente entre nós desde a descoberta do Brasil, no contato dos portugueses com os habitantes originários “incivilizados” como animais; desde o tráfico negreiro que trazia humanos de segunda classe para trabalhar a terra; desde a divisão do território em capitanias hereditárias entre os amigos do Rei. Toda essa deformação social se perpetuou e segue viva e ativa no inconsciente brasileiro.


Da proclamação da República e com a chegada da onda de imigrantes europeus e japoneses, a cordialidade foi sendo consolidada com ares civilizatórios entranhando o amor e o ódio no centro da personalidade brasileira. Fomos forjados nas diferenças, no preto e no branco, no rico e no pobre, no nós e eles, sem perceber que esta armadilha não tem fim.

GOLPES DE ESTADO



Foram 15 tentativas de golpes de Estado desde 15 de novembro 1889. Algumas bem sucedidas outras não. A própria Proclamação da República ficou conhecida como quartelada, quando o Marechal Deodoro da Fonseca liderou a deposição de Dom Pedro II. Uma ação militar das forças armadas da época contra o poder imperial estabelecido.


Os sucessivos golpes invariavelmente tiveram o exército como protagonista. Uma força estatal, mantida com recursos públicos que, vez por outra, se insurge contra as normas vigentes para mudar o rumo, radicalmente, diante de uma sociedade que apenas observa. Cordialmente.


Ainda que, em alguns poucos casos, houvesse alguma reação civil, a maioria dos golpes, e das tentativas, foram contempladas à distância pela população, discutido nas mesas de bar, nos escritórios, na fila do pão, nos almoços de domingo quando muito.


É como se cada um acreditasse não ter nada a ver com o que estava acontecendo e que seja o que Deus quiser. Sim, o aspecto religioso também pavimenta a base cordial da personalidade.

Numa sociedade que se quer democrática é necessário fortalecer as instituições impessoais e deixar de fora o sentimentalismo e o absolutismo. A verdadeira justiça, e em última análise, a verdadeira democracia, deve ter lastro na universalidade, na coletividade, no direito legal e no respeito às regras. Quando apenas a individualidade fala são as armas que vencem.

A TECNOLOGIA A SERVIÇO DA DIVISÃO



Hoje temos um país fortemente dividido. Amor e ódio, nós e eles. Se já fomos um país de chuteiras, como definiu Nelson Rodrigues, evoluímos para um país de toga. Todos nos transformamos em juízes. Rigorosos e legalistas, “aos inimigos os rigores da lei” (ACM).

A sociedade parece ter sido engolida por teorias das redes sociais via algoritmo. A informação deixou de ser um ativo importante para a formação de juízo de valor, uma vez que ela se confunde com mentiras e desejos despejados nas redes como uma coisa só. Se antes era importante conhecer os dois lados, hoje tudo se resume a um lado apenas, o meu lado, o lado certo, o lado da minha tribo. Porque todos têm tribo! Ou bolha, se preferir.


Passavam as tentativas e os golpes de Estado e tudo voltava ao normal. O preço do tomate e do cafezinho, o jogo de futebol de domingo, o trânsito caótico, a onda de calor ou de frio interminável, o salário que acaba antes do fim do mês. Hoje o normal é outro, é irracional e violento, é gritado com frases ofensivas repleta de palavrões que fariam nossas avós enrubescerem. Ninguém mais pede Paz, aquela como conhecíamos.

PORTADORES DO CAOS



Com a difusão da tecnologia vimos surgir vozes extremistas ocupando cada vez mais espaço. Qualquer um é capaz de produzir um vídeo dizendo o que bem quer sem qualquer compromisso. A verdade deixou de ser uma referência e passou a ser a vontade do algoritmo. É ele quem decide entre o bem e o mal, é ele que nos fornece o conceito original baseado nas nossas emoções e fé; o algoritmo conhece nossa cordialidade e a usa contra nós.


É muito fácil entrar numa mídia social e encontrar um sujeito de camisa preta num fundo preto que, olhando para a câmera, nos diz o que precisamos saber. É confortante não precisar pensar e deixar que aquele sujeito, tão empenhado e com um ar tão verdadeiro, nos diga a verdade. Como um pastor na igreja, ele sabe de tudo e tem solução para tudo. Só preciso acreditar, confiar, seguir e deixar um like.


Estes sujeitos se multiplicaram e alcançaram mais e mais pessoas. Tecnicamente dirigidos e com discurso e tom de voz bem preparado, espalham o caos entre quem os acompanha. Seus objetivos são obscuros e invariavelmente envolvem dinheiro. Dizem conhecer o verdadeiro caminho da liberdade e que, para alcançá-lo, é necessário o uso da violência. Amor e ódio, nós e eles. Exaltam o uso de armas de fogo para legítima defesa e acusam as vacinas de ineficácia. Não poupam nem a ciência nem as Universidades. O que dirá dos Professores.


O paradoxo é que são estes agentes da discórdia que pedem a pacificação.


Em nome de quê? Ou, em nome de quem?


É preciso que todos saibam que não há caminhos que levem à pacificação enquanto não houver empatia e impessoalidade. Entre parcela considerável da classe política não há nem uma coisa, nem outra.

NÃO EXISTE MAIS DIÁLOGO



O que resta é o confronto.


Recentemente um governador pediu a Paz e a anistia na mesma frase. Ampla, geral e irrestrita para abrir caminho para a 16ª tentativa de golpe de Estado.


Também recentemente um Presidente de um país nos ameaçou e impôs sanções baseado em julgamento criminal de alguém do seu campo ideológico. A extrema-direita.


Esta Paz desejada por alguns não abre portas para o debate e o diálogo, mas trava. 


Os caminhos estão minados, os atalhos cordiais tomaram proporções radicais que não permitem alternativas de comportamento.  Não às vacinas, não à sexualidade, não às artes, não ao conhecimento e educação, não à individualidade, não aos desígnios da lei.


O tecido institucional, que parece sempre estar a ponto de rasgar, resiste. Mas há um limite. A pacificação não permite esquecimento e apagar o que aconteceu não conduz à Paz.


O nós e eles apenas cresce e afasta para bem distante os anos dourados do Brasil cordial.


A Paz está contida na hermenêutica ornitorrinco (para citar o Ministro Flávio Dino):

Corte o boi em vários bifes e pergunte aos bifes se eles são bois. Nenhum bife responde. Portanto, o boi não existe.



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