O golpe em movimento
- Sara e Rey
- 23 de jul.
- 8 min de leitura
As ameaças se tornaram explícitas. Parlamentares conclamam a desobediência civil e líderes religiosos inflamam fiéis. Diante da ofensiva golpista, este artigo expõe a estrutura real da guerra híbrida em curso no Brasil e porque a democracia não pode mais recuar um milímetro
O cerco se fecha e eles querem incendiar o país

Há momentos na história de um país em que a máscara do discurso político escorrega e revela o que de fato está em jogo: a disputa entre civilização e barbárie, entre democracia e guerra. O Brasil vive um desses momentos.
Desde o início de julho, a escalada de tensões provocada pelo tarifaço de 50% anunciado por Donald Trump contra produtos brasileiros expôs de forma brutal o alinhamento internacional entre a extrema direita estadunidense e o bolsonarismo. A guerra tarifária compõe uma operação política de ataque direto à soberania nacional, num momento em que Jair Bolsonaro e seus aliados enfrentam o colapso jurídico de seu projeto criminoso.

A quadrilha golpista de 8 de janeiro de 2023 está encurralada. Jair Bolsonaro responde como mentor da tentativa de golpe e está proibido judicialmente de dar entrevistas ou atacar o sistema eleitoral. Flávio, Carlos e Eduardo Bolsonaro enfrentam investigações por sabotagem institucional, envolvimento com milícias digitais e, mais recentemente, suspeita de insider trading no câmbio brasileiro, com lucros milionários às vésperas do anúncio do tarifaço americano. Como reação, a tática adotada por esse campo é clara: radicalizar, tumultuar, inflamar, tentar criar um clima de insustentabilidade institucional e de tensão social extrema como último recurso para evitar a prisão e a derrota.
Nas últimas 48 horas, o Brasil testemunhou um conjunto orquestrado de falas de figuras centrais (ou pretensamente centrais) do bolsonarismo, convocando o “povo” às ruas, denunciando uma suposta ditadura do Judiciário e ameaçando diretamente o STF. É a tentativa de uma insurreição, mas não no modelo clássico de tanques nas ruas, e sim na forma contemporânea da guerra híbrida: com redes sociais em chamas, tropas paralelas mobilizadas nos bastidores, e uma lógica de sabotagem interna das instituições, uma guerra civil por dentro do Estado. Não é surpresa.
Ao mesmo tempo, um dado chama atenção: o principal alvo dessa retórica é o STF, especialmente o ministro Alexandre de Moraes. Curiosamente, Lula, mesmo sendo o presidente da República, vem sendo poupado. Essa suposta parcimônia indica algo maior: o temor internacional diante do seu tamanho. Além de desestabilizar o sistema sem confrontar diretamente a liderança política que hoje comanda o campo democrático no mundo.
Steve Bannon, mentor da guerra cultural como estratégia de poder, afirmou em 2022 que Lula é o maior obstáculo global ao avanço da nova direita.
A guerra híbrida no Brasil: da máquina ideológica ao ponto de ruptura

O que o Brasil vive hoje é o desdobramento final de um projeto político que se estruturou ao longo de duas décadas, amparado em uma guerra híbrida com componentes bem definidos: cultural, informacional, tecnológica, jurídica e psicológica.
Trump mira o Brasil como trincheira simbólica e geopolítica com objetivo real é duplo: desestabilizar a maior democracia do hemisfério sul e usar a crise como instrumento para rearticular a extrema direita global, que vem perdendo terreno após os escândalos de corrupção, a prisão de aliados e o fracasso eleitoral em diversas frentes.
Desde a consolidação do olavismo como matriz ideológica da nova direita brasileira, passando pelo uso massivo de plataformas digitais para manipulação de afetos, até o aparelhamento de setores das polícias e forças armadas, o bolsonarismo construiu um ecossistema insurgente dentro do próprio Estado. A articulação com think tanks dos EUA, com redes evangélicas transnacionais, com militares formados sob doutrinas de segurança hemisférica e com operadores financeiros internacionais, deu ao bolsonarismo uma estrutura que vai muito além do populismo reacionário. Estamos diante de uma força política com vocação miliciana e apoio logístico internacional, especialmente de dois centros de poder: Estados Unidos e Israel.
Com a ofensiva tarifária de Trump esse ecossistema se sente novamente autorizado a agir. Trata-se de uma senha estratégica para ativação da base radical, no momento em que os processos judiciais avançam e os chefes da organização criminosa enfrentam iminente responsabilização. O bolsonarismo entende que a batalha jurídica está perdida, e quando uma força autoritária perde nas urnas e nos tribunais, ela busca a rua, o caos e o confronto.
A traição como projeto: o entreguismo como último recurso

O bolsonarismo nunca teve um projeto de nação. Desenhou um projeto de poder baseado na destruição do Estado e na subordinação absoluta aos interesses estrangeiros, especialmente dos Estados Unidos e de Israel. O que agora se desenha, com clareza brutal, é a radicalização dessa lógica: se não podem controlar o Brasil, vão tentar entregá-lo em ruínas. O tarifaço anunciado por Trump contra o Brasil expõe a face mais crua dessa entrega: uma política de asfixia econômica imposta de fora, que espelha o "modelo Gaza": um regime de punição coletiva e controle neocolonial que ameaça não apenas o Brasil, mas todo o Sul Global.
O apoio irrestrito a Trump, mesmo diante de sanções que destroem a economia brasileira, revela a verdade: essa gente prefere ver o Brasil saqueado do que governado democraticamente. É um projeto de traição interna, sustentado por elites empresariais que sempre lucraram com a dependência externa, e agora veem na instabilidade um caminho para renegociar seu lugar de poder mesmo sob tutela estrangeira. O inimigo do bolsonarismo não é um partido político, nem apenas o STF, é o próprio conceito de soberania. Por isso o ataque é tão violento, tão desesperado. Sabem que perderam o ciclo político. E, diante da derrota, optaram pela destruição.
Lula, o líder global e o alvo silencioso

No centro desse terremoto político há um dado que precisa ser analisado com atenção estratégica: Lula, embora seja o presidente da República e o principal fiador do processo democrático no Brasil, não é diretamente atacado pelas forças golpistas com a mesma fúria que se vê contra o STF, em especial Alexandre de Moraes. O presidente brasileiro hoje é o principal nome da governabilidade democrática no Sul Global e uma das vozes mais influentes na arena internacional. Atacá-lo de frente é expor a dimensão colonial da operação em curso, e seria um desastre diplomático para os próprios articuladores estrangeiros do golpe.
Lula tem trânsito privilegiado em todos os blocos de poder, BRICS, G20, União Europeia, países africanos, América Latina e até nos EUA institucional, onde democratas e setores progressistas o respeitam como mediador internacional. Em tempos de ascensão do neofascismo global, Lula é a exceção, um estadista com raízes populares, legitimidade histórica e liderança geopolítica.
Essa força simbólica, que agora volta a se manifestar com mais nitidez, é justamente o que incomoda os derrotados de 2022. Em entrevista ao podcast Inteligência Natural, no dia 21 de julho, Eduardo Bolsonaro deixou escapar esse incômodo. Ao lado de Paulo Figueiredo e do neto do último ditador da ditadura militar, Eduardo acusou Lula de “adorar” a situação atual, sugerindo que o presidente estaria se aproveitando da crise para “lacrar uma nova narrativa”. A fala, carregada de recalque e cinismo, revela mais do que pretendia: o desconforto diante de um presidente que, mesmo sob ataque, consegue transformar o jogo.
O que Eduardo chama de oportunismo é, na verdade, a habilidade de reconhecer uma conjuntura e agir politicamente. Lula não inventou a crise provocada pelo tarifaço de Trump, mas percebeu que esses movimentos abriram uma janela. Subiu no cavalo selado por seus adversários e tem cavalgado com firmeza. Sua sequência de discursos entre os dias 17 e 21 de julho consolidou uma retomada simbólica e popular. Em Juazeiro, reafirmou o compromisso com o SUS e com o Nordeste. Em Missão Velha, cravou a frase que viralizou nas redes: “Eles não voltarão.” E, em Santiago, cercado por lideranças democráticas do continente, cobrou regulação das plataformas, justiça tributária e enfrentamento ao discurso de ódio.
É a velha tática do cerco, cercar o líder, minar sua base, desgastar sua legitimidade indiretamente, para tentar fazer o país desmoronar por dentro. Mas subestimam a história, e subestimam o povo que Lula representa. O que os articuladores do golpe não conseguiram prever é que, ao tentar isolar o presidente, acabaram devolvendo a ele o papel que mais temem: o de símbolo vivo de uma democracia popular que resiste e reaprende a lutar.
A movimentação golpista avança: nova fase do ataque estratégico

Nesta terça-feira, 23 de julho, o campo democrático foi surpreendido por uma guinada preocupante na disputa narrativa e institucional em curso. Os grandes veículos da mídia corporativa – O Globo, Folha de S.Paulo, Estadão, entre outros – passaram a atacar duramente o STF e, em especial, o ministro Alexandre de Moraes. A crítica, que outrora vinha apenas da extrema-direita, agora ecoa no centro do sistema, evidenciando uma movimentação tática que visa isolar o Supremo Tribunal Federal e rearticular o discurso do "abuso de poder" como elemento catalisador para uma nova jornada de rua.
A imprensa tradicional, que durante os anos de golpe híbrido de 2013 a 2022 oscilou entre cumplicidade e omissão, agora parece novamente ensaiar o papel de pilar discursivo da desestabilização. Não é coincidência. A crítica coordenada ao STF, em plena ofensiva do bolsonarismo radicalizado, representa o aceno de parte das elites a uma nova composição de forças, que aceita o discurso de ruptura como possibilidade legítima no tabuleiro. Em meio a isso, um nome volta a emergir com preocupação: Luiz Fux. O ex-presidente do STF, que já havia sido criticado por censurar Lula em 2018, agora dá sinais inequívocos de alinhamento com setores bolsonaristas, como mostra o artigo do DCM [link]. Sua tentativa recente de liberar Bolsonaro para retomar suas redes sociais — barrada por Moraes — revela o esforço de parte do Judiciário em abrir espaço para o retorno da milícia digital à cena pública.
Essa reconfiguração da disputa indica que o golpe segue em movimento — mas com nova tática: não apenas a ruptura via fanatismo, mas a legitimação por dentro das instituições. Ao mesmo tempo, a lógica de 2013 — da revolta manipulada, da insatisfação fabricada, da insurgência artificial — volta a ser acenada como ameaça. A extrema-direita tenta novamente ocupar as ruas, inflamada por uma retórica de “liberdade de expressão”, “perseguição judicial” e “censura”, buscando emular a narrativa que levou ao caos institucional de uma década atrás. A guerra informacional prepara o terreno.
Mas nada está decidido. A História segue aberta — e sua direção dependerá das ações estratégicas do campo democrático. O bolsonarismo quer repetir 2013, mas a consciência política de 2025 é outra. O que está em disputa não é apenas o futuro imediato, mas a própria forma de existência do Brasil enquanto projeto de soberania e democracia. Cada passo agora é decisivo. A omissão das forças democráticas pode ser o prelúdio do abismo. Mas a ação coordenada, corajosa e popular pode reverter o jogo — e transformá-lo em uma vitória pedagógica contra o neofascismo.O cenário preditivo: guerra civil ou refundação democrática?
Diante do que se desenha com clareza brutal nos últimos dias, o Brasil está colocado diante de um dilema histórico: ou aprofundamos o processo democrático com coragem, enfrentando a estrutura do golpismo até seu desmonte final, ou corremos o risco real de sermos arrastados para um cenário de guerra civil assimétrica, de dentro para fora, liderada por uma elite armada, fanatizada e estrangeirizada. Os elementos objetivos estão postos:
Um campo fascista em colapso jurídico, disposto a tudo para evitar a cadeia.
Um ataque internacional liderado por Trump, com o Brasil como alvo simbólico da extrema direita global.
Uma articulação entre militares, empresários e igrejas, formando uma base para insurgência golpista.
Uma guerra psicológica e informacional permanente, nas redes e nas ruas.
Um sistema de segurança pública contaminado por doutrinas autoritárias e milicianas.

Diante disso, a democracia brasileira precisa sair da defensiva. Não há mais espaço para ilusões de pacificação. O bolsonarismo não quer conviver com a democracia, quer destruí-la. E fará isso com o apoio de redes internacionais, se não for contido agora, com firmeza e estratégia.
Ao mesmo tempo, há uma janela histórica se abrindo. O Brasil tem hoje uma liderança com estatura global, Lula, um campo democrático mobilizado, uma sociedade majoritariamente cansada do caos e um ambiente internacional propício ao enfrentamento do fascismo.
Mas essa oportunidade exige lucidez e radicalidade no sentido mais nobre do termo: ir à raiz do problema. Significa romper com a dependência tecnológica e militar dos EUA e de Israel. Significa reforçar as instituições, mas também refundá-las onde necessário. Significa identificar, responsabilizar e isolar os agentes internos da insurreição, nas polícias, nos quartéis, nos parlamentos, nas igrejas.
O bolsonarismo vai tentar incendiar o país. Vai usar o caos como escudo e a fé como arma. Vai se vender como mártir e como povo, mesmo sendo apenas a elite da destruição. Mas o Brasil já não é o mesmo do golpe de 2016. Nem Lula é. E o tempo da História pode ser implacável, mas também pode ser generoso com os que a enfrentam com coragem.
Se a democracia tiver coragem de olhar nos olhos da barbárie e nomear seus inimigos, o futuro ainda pode ser nosso.
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