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O Paradoxo Fernandes: quando quem queria matar a democracia reivindica seus direitos

  • Foto do escritor: Redação
    Redação
  • 2 de nov.
  • 3 min de leitura

Atualizado: há 6 dias


Por Julio Pegna


Mario Fernandes, militar, foi promovido a General de Brigada em 2016 e foi para a reserva em 2020 quando era chefe do Comando de Operações Especiais, os chamados “kids pretos”. Foi Secretário-Executivo do Ministro da Secretaria Especial da Presidência, Luiz Eduardo Ramos e assessor do Deputado Federal Eduardo Pazuello (PL-RJ), ex Ministro da Saúde do governo Bolsonaro.

O GENERAL RADICAL



Preso desde novembro de 2024 foi considerado, pela Polícia Federal, no âmbito da Operação Contragolpe, como um dos militares mais radicais envolvidos na tentativa de Golpe de Estado; foi o elo entre o governo Bolsonaro, militares de várias patentes, e o acampamento em frente ao Quartel-General do Exército, em Brasília, ocupado por manifestantes contrários à posse do Presidente eleito Luiz Inácio Lula da Silva.

Segundo a Polícia Federal, é dele a elaboração do plano “Punhal Verde e Amarelo” que tratava do assassinato de Lula, Geraldo Alckmin e Alexandre de Moraes, conteúdo encontrado pela PF em HD externo de Fernandes.


Este documento foi impresso por ele no Palácio do Planalto em novembro de 2022 e levado ao Palácio da Alvorada. Seu teor era objetivo: citava a criação de um “Gabinete Institucional de Gestão de Crise” e, até, o tipo de armamento necessário para concretizar os assassinatos: fuzis, pistolas e uma metralhadora pela “grande eficácia dos calibres”.

Seu ponto de apoio era o Tenente-Coronel Mauro Cid, delator no processo de tentativa de golpe, cuja troca de mensagens deixa clara sua participação. Em depoimento, Mario Fernandes assumiu ser o autor intelectual do plano de assassinatos.


Agora condenado e às vésperas do trânsito em julgado, quando não há mais possibilidade de recursos jurídicos, Fernandes reivindica o direito de prestar o Exame Nacional do Ensino Médio – ENEM.


JUSTIÇA OU CONTRADIÇÃO?



A Constituição assegura o direito ao acesso à educação e à ressocialização dos presos, e é exatamente esse arcabouço legal que lhe permite ingressar no Ensino Superior mesmo quando encarcerado.


Especificamente neste caso, o general condenado apoia-se justamente num sistema que ele próprio tentou destruir.


Hannah Arendt alertava sobre os perigos de regimes que permitem que seus algozes se organizem para destruí-los, invariavelmente em nome da “liberdade”.


Já o austríaco Karl Popper escreveu em “A Sociedade Aberta e Seus Inimigos”:


“Se estendermos tolerância ilimitada mesmo àqueles que são intolerantes, e se não estivermos preparados para defender uma sociedade tolerante contra os ataques dos intolerantes, então os tolerantes serão destruídos, e a tolerância com eles”.


A cena é surreal. Um homem prepara um ataque violento contra a Democracia e, desmascarado, busca apoio justamente nela para fazer valer seus direitos.

Vale a reflexão: caso tivesse sido bem-sucedido, Mario Fernandes estaria tentando concorrer a uma vaga no ENEM? E o ENEM e as Universidades Públicas ainda existiriam no formato atual?


A DEMOCRACIA DEVE SER GENEROSA ATÉ COM SEUS INIMIGOS?



Este episódio mostra a fragilidade da Democracia no Brasil.


Por um lado, permitiu a promoção de investigação, acusação e direito à ampla defesa dos acusados num julgamento transmitido ao vivo pela TV, numa demonstração de solidez.

Por outro lado, garante direitos até para aqueles que tentaram aniquilar a Democracia, como no caso aqui relatado.


Até que ponto a Democracia deve proteger quem a quer morta?


Prestar o concurso do ENEM para ingresso na Universidade é, antes de tudo, um pacto com os valores democráticos já que oferece – e permite – acesso a um modelo de educação inclusiva que fortalece a cidadania.


O caso Mario Fernandes demonstra o quanto o assunto é contraditório e complexo; talvez o maior desafio seja o de sobreviver ao paradoxo sem perder a essência que assegura direitos. Inclusive para quem comete crimes contra o Estado.


Não é apenas uma questão jurídica, mas filosófica, um teste simbólico, como se a Democracia dissesse: “mesmo você, que quis me matar, terá direito a mim”.

Há que se pensar nos riscos da banalização que isto representa para evitar a repetição da história.



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