top of page

Veias abertas da soberania

  • Foto do escritor: Rey Aragon
    Rey Aragon
  • 25 de jul.
  • 8 min de leitura

Atualizado: 26 de jul.


Geopolítica, guerra híbrida e pressão diplomática: os riscos reais para o Brasil na corrida global por terras raras, nióbio e lítio.


Em meio à disputa geopolítica por recursos estratégicos, o Brasil se tornou alvo de pressão diplomática americana – parte de um pacote que envolve BRICS, a ferrovia bioceania e regulação das Big Techs e o desenvolvimentismo brasileiro.


O Brasil sob mira no tabuleiro geoeconômico


No dia 24 de julho de 2025, durante cerimônia no Vale do Jequitinhonha, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva afirmou com veemência:


“Temos todo o nosso petróleo para proteger. Temos todo o nosso ouro para proteger. Temos todos os minerais valiosos que vocês desejam, e que nós temos que proteger. E aqui, ninguém põe a mão”.


A frase, aparentemente genérica, é uma resposta direta a uma série de movimentações diplomáticas, comerciais e informacionais dos Estados Unidos que colocam o Brasil no centro de uma das maiores disputas geoeconômicas do século XXI: a batalha pelos minerais estratégicos, especialmente as chamadas terras raras e elementos como nióbio, lítio, grafita e cobalto, essenciais para inteligência artificial, armamentos, supercondutores e transição energética.


Nos bastidores da geopolítica, os ataques à soberania mineral brasileira já estão em curso. Um deles ocorreu nesta mesma semana: o encarregado de negócios da Embaixada dos EUA no Brasil se reuniu com dirigentes do setor mineral para manifestar “interesse direto” do governo americano nos minerais críticos brasileiros, conforme noticiado pelo G1 e confirmado pela Folha de S.Paulo. Simultaneamente, veículos como o Wall Street Journal e o Financial Times revelam que o Pentágono e o Departamento de Energia dos EUA estão pressionando mineradoras brasileiras para firmar acordos bilaterais de fornecimento exclusivo de terras raras, à revelia do Itamaraty.


Esse avanço hostil não está isolado. Ele integra um conjunto articulado de frentes contra o atual redesenho estratégico do Brasil, que inclui:


  • A entrada de novos países no BRICS+ e o avanço de sistemas de pagamento alternativos ao dólar;


  • A aliança Brasil–China–Peru pela Ferrovia Bioceânica, que ameaça o controle logístico dos EUA na América do Sul;


  • E a regulação democrática das big techs, com o Brasil liderando iniciativas que preocupam diretamente o Vale do Silício.


Em resumo: o subsolo brasileiro virou campo de batalha, e as consequências dessa guerra mineral já estão em curso.


Minerais estratégicos e a aposta geoeconômica brasileira


O Brasil possui algumas das maiores reservas do mundo de minerais estratégicos, nióbio (98% das reservas globais conhecidas), lítio, grafita, manganês, cobalto, terras raras leves e pesadas, todos insumos essenciais para a nova economia digital, militar e energética. A Agência Nacional de Mineração (ANM) e o Serviço Geológico do Brasil (SGB) apontam que o país tem potencial para se tornar líder global em fornecimento e transformação desses recursos, com destaque para os estados de Minas Gerais, Bahia, Amazonas, Goiás e Pará.


Com esse diagnóstico, o governo brasileiro lançou em 2023 o Plano Nacional de Minerais Estratégicos e, em 2025, um conjunto de editais e chamadas públicas, com destaque para o investimento de R$ 73 milhões coordenado por BNDES, FIEMG, FIESC e SENAI CIMATEC para verticalização da cadeia de ímãs permanentes, componente crucial de turbinas eólicas, motores elétricos, satélites e armamentos guiados.


Além disso, a política de reindustrialização verde articulada pelo Ministério da Indústria e Comércio e pelo Ministério de Minas e Energia prevê que o Brasil não apenas extraia, mas transforme e industrialize seus minérios críticos em solo nacional, com agregação de valor, inovação tecnológica e soberania sobre dados geológicos e cadeias produtivas.


Essa estratégia, no entanto, contraria interesses diretos dos EUA, que hoje dependem em 85% da China para seu abastecimento de terras raras, segundo o United States Geological Survey (USGS, 2024). Para Washington, reduzir essa dependência exige acesso rápido, estável e controlado a reservas em países “amigos”, como o Brasil.


É aqui que se instala o conflito: a aposta brasileira na soberania mineral colide com a lógica de controle estratégico americano sobre cadeias críticas globais, especialmente em um momento de transição energética e rearranjo geopolítico mundial.


Pressão americana: narrativa e atuação diplomática


Desde 2023, os Estados Unidos vêm intensificando ações diplomáticas, militares e empresariais para garantir acesso preferencial a minerais estratégicos fora da Ásia. O foco: América Latina, em especial o Brasil. Em documentos públicos e relatórios confidenciais, o Departamento de Estado, o Pentágono e a Casa Branca classificam os minerais críticos como questão de “segurança nacional” e alertam sobre a “dependência perigosa” da China.


Sob esse pretexto, Washington tem ampliado uma campanha silenciosa, mas cada vez mais explícita, para atrair, pressionar ou cooptar setores do governo e da indústria brasileira.


Exemplos concretos recentes:

  • Em 24 de julho de 2025, o encarregado de negócios da embaixada dos EUA no Brasil participou de encontros com representantes de institutos estratégicos e do setor de mineração, declarando publicamente que os EUA têm “interesse direto e prioridade estratégica” nos minerais críticos brasileiros.

  • O Financial Times revelou, em julho, que executivos do Pentágono vêm se reunindo com mineradoras brasileiras para costurar acordos diretos com empresas norte-americanas, sem mediação do governo brasileiro, em uma tentativa de minar a política de industrialização soberana.

  • Paralelamente, think tanks americanos e organizações privadas estão pressionando pela liberalização de licenças e flexibilização de regras ambientais no Brasil, argumentando que “a burocracia verde atrasa o desenvolvimento sustentável”. A real motivação: facilitar o saque.

  • Além disso, empresas como Tesla, General Electric e Raytheon já sinalizaram interesse em operações conjuntas para “acesso estratégico” a reservas de nióbio, terras raras e lítio, especialmente no Vale do Jequitinhonha, no Norte de Minas, e no Alto Paranaíba.


Essa ofensiva diplomática é acompanhada por um discurso que mistura cooptação e ameaça: os EUA se apresentam como “parceiros preferenciais do Ocidente democrático”, mas alertam que, caso o Brasil fortaleça suas relações com China, BRICS e rotas bioceânicas, “haverá consequências no equilíbrio geopolítico do continente”.

É a velha lógica da Doutrina Monroe reencenada no século XXI: ou o Brasil se submete, ou será alvo.


Conexões entre minerais raros, BRICS, bioceania e Big Techs


A atual pressão norte-americana sobre os minerais estratégicos brasileiros não é um movimento isolado, ela se insere em uma arquitetura de contenção geoestratégica mais ampla, que mira três pilares do novo posicionamento soberano do Brasil: a política externa ativa com os BRICS+, a integração física com a Ásia via bioceania e o enfrentamento à dominação das Big Techs.


a) BRICS+ e a multipolaridade

A ampliação dos BRICS em 2024 com a entrada de países produtores de energia e minérios (como Irã, Etiópia, Argélia e Arábia Saudita) reforçou a ideia de uma aliança econômica anticolonial, com foco em moedas alternativas ao dólar e cadeias de valor fora do eixo ocidental. O Brasil, como líder sul-americano e detentor de recursos minerais únicos, tornou-se peça-chave nesse tabuleiro, e, portanto, alvo.


Washington teme que o Brasil opte por exportar e transformar seus minérios sob padrões e circuitos liderados pela China, e não por Wall Street. Isso comprometeria décadas de domínio comercial sobre o continente e enfraqueceria a dependência histórica da América Latina ao dólar e às normas de Washington.


b) Ferrovia Bioceânica: a ruptura do eixo Panamá–Houston

A obra da Ferrovia Bioceânica Brasil–Peru–China, considerada estratégica por Lula e pela diplomacia sul-americana, é outro motivo de tensão. Ao conectar o Atlântico ao Pacífico sem passar pelo Canal do Panamá, tradicionalmente controlado pelos EUA, a bioceânica pavimenta uma nova rota logística independente e pode escoar minérios brasileiros diretamente aos portos do Pacífico, com menor custo e sem a intermediação norte-americana.


Essa infraestrutura inviabiliza o controle absoluto dos EUA sobre cadeias logísticas críticas e é tratada por estrategistas do Pentágono como “ameaça à segurança continental”, linguagem idêntica à usada na Guerra Fria.


c) Regulação das Big Techs e soberania informacional

Por fim, o terceiro vértice da colisão: o embate entre o Brasil e as Big Techs, com epicentro na disputa pela regulação das plataformas digitais. A entrada do Brasil em debates globais sobre algoritmos, desinformação, transparência de dados e tributação de gigantes digitais ameaça o núcleo de poder simbólico e financeiro do complexo informacional ocidental.


As Big Techs, principais consumidoras globais de minerais estratégicos como terras raras e lítio, veem com preocupação a possibilidade de um país com enorme reserva mineral também se tornar regulador de sua arquitetura informacional. Trata-se de um duplo desafio à hegemonia norte-americana: matéria-prima e código-fonte sob controle nacional.


Perigos reais: soberania ameaçada e cenários possíveis

A disputa pelos minerais estratégicos é, no fundo, uma disputa por poder. E o Brasil, ao buscar verticalizar sua cadeia mineral e alinhar-se a projetos multipolares, coloca em risco décadas de submissão consentida aos interesses ocidentais, especialmente os dos EUA.


Esse reposicionamento traz riscos concretos, que já se desenham no horizonte


1. Lawfare e sabotagem institucional

Assim como ocorreu na década passada com o pré-sal e a Lava Jato, é possível que estruturas do Estado brasileiro e figuras políticas ligadas à defesa da soberania mineral se tornem alvos de perseguição judicial, vazamentos seletivos e campanhas de desinformação. O método é conhecido: lawfare. Já há sinais de investigações, ataques e tentativas de constrangimento a técnicos e diretores de estatais ligados ao setor mineral.


2. Cooptação de elites e captura regulatória

Agentes e consultores ligados a think tanks e fundações estrangeiras atuam dentro do Congresso, das agências reguladoras e do mercado financeiro para impedir ou esvaziar qualquer iniciativa de nacionalização, agregação de valor ou controle soberano sobre os dados geológicos. A pressão pela “desburocratização do setor” é, muitas vezes, um eufemismo para desregulação pró-mercado estrangeiro.


3. Espionagem e guerra híbrida

Informações do próprio Exército e do GSI (Gabinete de Segurança Institucional) indicam que há aumento no volume de ações de inteligência e espionagem industrial envolvendo áreas de prospecção mineral, especialmente na Amazônia Legal e no Norte de Minas. Mapas geológicos estão sendo hackeados, servidores públicos estão sendo assediados, e grandes empresas têm sido abordadas por agentes externos oferecendo “parcerias vantajosas”.


4. Isolamento internacional e retaliações econômicas

Caso o Brasil insista em seguir fora da órbita ocidental nos temas de minérios, IA e logística, é possível que sofra sanções veladas, boicotes comerciais, bloqueios a exportações de tecnologia e chantagens diplomáticas. Esse movimento já começa a se desenhar com o aumento de tarifas norte-americanas sobre produtos brasileiros, apresentado oficialmente como “medida de correção ambiental”, mas, na prática, trata-se de retaliação.


Conflitos internos estimulados externamente

A pressão internacional pode agravar disputas territoriais no interior do país, especialmente com a expansão da mineração sobre terras indígenas, quilombolas e unidades de conservação. Ao estimular o conflito social interno, forças externas minam a governabilidade e fragilizam o ambiente político para justificar “intervenções diplomáticas” ou “missões humanitárias”.


Conclusão: A soberania mineral é a próxima trincheira


O Brasil está diante de uma encruzilhada histórica. O que está em disputa não é apenas o subsolo rico em nióbio, terras raras, lítio e cobalto. É o projeto de país. Ao reivindicar o direito de controlar, transformar e agregar valor a seus próprios recursos estratégicos, o Brasil desafia diretamente o sistema de dependência estruturado desde o século XX.

A pressão dos Estados Unidos, silenciosa, difusa, mas brutal, sobre os minérios críticos brasileiros não é apenas uma questão comercial. É uma operação geopolítica, híbrida e informacional, destinada a conter o avanço da soberania nacional e do multilateralismo do Sul Global. Essa pressão não é isolada: ela se soma aos ataques contra os BRICS, à sabotagem da ferrovia bioceânica e à tentativa de desestabilizar o protagonismo brasileiro na regulação das plataformas digitais.

Se o Brasil ceder, será reduzido novamente a um fornecedor colonial de matérias-primas, sem tecnologia, sem autonomia, sem futuro. Se resistir, com inteligência, coordenação institucional, apoio popular e articulação internacional, poderá se tornar líder de um novo modelo de desenvolvimento soberano, justo e tecnológico.

Este artigo é um alerta. A soberania mineral brasileira é a próxima trincheira da luta nacional. E cada cidadão, cada parlamentar, cada jornalista e cada servidor público precisa


Comments


pin-COMENTE.png
mantenha-se atualizado

Obrigado pelo envio!

  • linktree logo icon
  • Ícone do Instagram Branco
  • x logo
  • bluesky logo icon
  • Spotify
  • Ícone do Youtube Branco
  • linktree logo icon
  • x logo
  • bluesky logo icon
bottom of page