Trump, Israel e o MAGA dividido: fissuras perigosas
- Rey Aragon
- há 5 minutos
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Dentro do trumpismo, alas pró-Israel e setores supremacistas e antissemitas travam uma disputa subterrânea que ameaça a coesão do movimento e pode redefinir a política externa dos EUA.
Entre lealdades incondicionais a Israel, conspirações antissemitas e tensões internas cada vez mais abertas, o MAGA se vê diante de uma contradição explosiva. O caso Charlie Kirk, as suspeitas de espionagem e os choques diplomáticos revelam um movimento em guerra consigo mesmo — e abrem um campo estratégico que pode impactar até a democracia brasileira.
A fissura invisível do MAGA

À primeira vista, o trumpismo parece um bloco compacto, movido por uma retórica homogênea de “America First” e por uma base eleitoral disciplinada. Mas essa imagem de unidade esconde uma realidade muito mais complexa e instável. Dentro do MAGA, convivem correntes que se chocam em valores, interesses e visões de mundo: de um lado, um eixo profundamente alinhado a Israel, composto por evangélicos sionistas, operadores políticos e doadores bilionários; do outro, alas supremacistas, neonazistas e conspiracionistas que veem em Israel e no lobby judaico um inimigo central, alimentando retóricas antissemitas e teorias da conspiração.
Essa fissura foi por muito tempo abafada, seja em nome da vitória eleitoral, seja pelo pragmatismo da Casa Branca ao buscar coesão no discurso público. Entretanto, ela se tornou cada vez mais visível com episódios recentes que abalaram a relação entre Washington e Jerusalém, e também com o crescimento das hostilidades internas no próprio movimento MAGA. O assassinato de Charlie Kirk, fundador da Turning Point USA e figura central do trumpismo jovem, expôs essa divisão como nunca antes: enquanto lideranças israelenses o exaltaram como aliado leal, milhares de mensagens em redes ligadas ao MAGA apontaram Israel como culpado, em um surto de antissemitismo digital monitorado por instituições de combate ao ódio.
O resultado é que hoje o MAGA não é apenas um movimento dividido em alas; é um corpo em guerra consigo mesmo. O que antes era apenas ruído subterrâneo tornou-se uma fissura que ameaça a própria coerência do trumpismo e que pode, em médio prazo, se transformar em crise insustentável. Entender essas engrenagens é fundamental não apenas para compreender a política americana, mas também para avaliar como essa disputa interna pode reconfigurar alianças globais e abrir janelas estratégicas para países como o Brasil.
O bloco pró-Israel no coração do governo Trump

A força do eixo pró-Israel dentro do trumpismo é um dos pilares mais consistentes e visíveis do movimento. Trata-se de um bloco com três camadas principais: o lobby institucional organizado, o braço religioso evangélico-sionista e os operadores políticos que ocupam cargos de alto escalão no governo. A presença simultânea dessas camadas garante que a pauta israelense não seja apenas uma diretriz externa, mas um elemento identitário central para a narrativa MAGA.
No campo institucional, organizações como a AIPAC e o Republican Jewish Coalition exercem influência direta sobre o Congresso e o Executivo. Elas funcionam como verdadeiros amplificadores de interesses estratégicos de Israel em Washington, atuando tanto no financiamento de campanhas quanto na formulação de agendas. A família Adelson, em especial Miriam Adelson após a morte de Sheldon, continua a ser um elo fundamental de financiamento e mobilização, garantindo que o Partido Republicano mantenha a lealdade a Israel como uma cláusula pétrea.
A segunda camada é composta pelos evangélicos sionistas, organizados em movimentos como o Christians United for Israel (CUFI), liderado por John Hagee. Esse setor confere legitimidade religiosa à política externa pró-Israel, sustentando o discurso de que o apoio incondicional ao Estado judaico é parte de um destino providencial. Essa dimensão simbólica garante adesão emocional da base evangélica de Trump, transformando decisões diplomáticas em atos de fé.
Por fim, no plano político, figuras como Elise Stefanik e Marco Rubio ocupam papéis centrais. Stefanik, transformada em voz jovem e disciplinada do trumpismo, já foi celebrada em Israel por discursos enfáticos no Knesset e hoje desponta como peça-chave de legitimação internacional. Rubio, por sua vez, assumiu a Secretaria de Estado em 2025, trazendo sua longa trajetória de defesa de políticas duras contra adversários de Israel e reforçando o alinhamento entre Washington e Jerusalém.
Essa tríplice engrenagem — lobby, fé e política — faz do apoio a Israel um dos elementos mais sólidos do trumpismo institucional. Porém, exatamente por sua força, esse bloco se torna alvo direto das críticas das alas supremacistas e conspiracionistas dentro do MAGA, que veem nele a prova de que a soberania americana estaria capturada por interesses externos.
O magma do identitarismo — neonazistas, supremacistas e antissemitas

Por baixo da superfície institucional do trumpismo, existe um magma fervente composto por setores identitários, supremacistas e neonazistas. Essa base, embora numericamente menor que a ala evangélica ou pró-Israel, é responsável por fornecer grande parte da energia militante do MAGA, especialmente nas redes digitais e nas mobilizações de rua. São grupos que atuam como “tropa de choque”, sustentando a narrativa de guerra cultural contra imigrantes, minorias e elites cosmopolitas.
Entre os atores mais visíveis, destaca-se Nick Fuentes, líder dos chamados Groypers, que se consolidou como referência de uma juventude nacionalista branca, abertamente antissemita e hostil a qualquer aproximação com Israel. Eventos como a conferência AFPAC atraíram figuras institucionais, incluindo parlamentares republicanos como Paul Gosar e Marjorie Taylor Greene, que mesmo sob críticas públicas aceitaram o risco de compartilhar espaço com extremistas para não perder apoio em setores da base. Esse movimento mostra como as fronteiras entre institucionalidade e radicalismo estão cada vez mais borradas.
No campo das ruas e milícias, grupos como Proud Boys, Oath Keepers, Patriot Front e Atomwaffen Division operam como braços paramilitares e simbólicos do trumpismo. O 6 de janeiro de 2021 revelou o potencial destrutivo dessas organizações, que carregam símbolos neonazistas, invocam slogans racistas e têm entre seus líderes pessoas condenadas por conspiração contra a ordem constitucional. Paradoxalmente, esses grupos também incluem latinos, como Enrique Tarrio, o ex-líder dos Proud Boys, mostrando que a identidade supremacista se molda mais pela ideologia de exclusão do que pela coerência étnica.
Esse magma identitário também alimenta teorias conspiratórias, como a “grande substituição”, que acusa elites judaicas e democratas de promover imigração em massa para destruir a identidade branca americana. Essa retórica, amplificada por influenciadores midiáticos como Tucker Carlson, cria um ambiente onde o antissemitismo se mistura com o nacionalismo isolacionista, produzindo uma visão de mundo em que Israel deixa de ser aliado e passa a ser percebido como parte de uma conspiração global. É essa narrativa subterrânea que hoje desafia o bloco pró-Israel dentro do MAGA e ameaça implodir a coesão do trumpismo.
Conflitos históricos entre EUA e Israel sob Trump

Apesar da retórica de aliança incondicional e da imagem pública de afinidade quase absoluta entre Donald Trump e Benjamin Netanyahu, a relação entre Washington e Jerusalém foi atravessada por uma série de conflitos discretos, mas reveladores. Esses atritos, muitas vezes abafados em comunicados diplomáticos, mostram que o vínculo EUA–Israel no trumpismo não é tão sólido quanto parece, e que interesses estratégicos divergentes podem corroer essa parceria.
Um dos primeiros momentos de tensão ocorreu em 2018 e 2019, quando Trump decidiu anunciar a retirada de tropas americanas da Síria. A medida, apresentada como um gesto de coerência com a agenda “America First” e de redução de custos externos, foi recebida em Israel com alarme. O temor era de que o vácuo deixado pelos EUA fortalecesse o Irã e a Turquia, colocando em risco a segurança do Estado israelense. Esse episódio expôs uma fratura clássica: o isolacionismo trumpista em choque com a necessidade israelense de manter o aparato militar americano ativo na região.
Outro atrito se deu com a venda de caças F-35 para os Emirados Árabes Unidos, no contexto dos Acordos de Abraão. Israel inicialmente se opôs, alegando que a operação ameaçava sua superioridade militar qualitativa. Trump insistiu, como forma de consolidar a normalização árabe-israelense e garantir contratos bilionários para a indústria de defesa americana. O impasse foi contornado com compensações e garantias técnicas aos israelenses, mas o episódio evidenciou que a lógica comercial e diplomática da Casa Branca nem sempre se alinha às prioridades de segurança de Jerusalém.
O terreno da espionagem e da tecnologia também revelou rachaduras. Em 2019, surgiram acusações de que equipamentos de interceptação telefônica israelenses haviam sido encontrados em Washington, próximos à Casa Branca. Embora Netanyahu tenha negado categoricamente, a desconfiança circulou em setores do aparato de segurança americano, reforçando suspeitas antigas sobre a autonomia de Israel em operações de inteligência. Dois anos depois, em 2021, o escândalo do spyware Pegasus, desenvolvido pela NSO, mostrou que diplomatas americanos haviam sido monitorados com ferramentas israelenses. O caso aprofundou a percepção de vulnerabilidade e adicionou um componente de tensão institucional à relação bilateral.
Mais recentemente, em 2025, o ataque israelense em Doha contra dirigentes do Hamas, realizado sem coordenação prévia com Washington, desencadeou protestos do Qatar e expôs fissuras na política externa de Trump. O presidente classificou a operação como “contraproducente” e exigiu moderação, em contraste com a narrativa de apoio incondicional. Esse episódio simboliza a atual fase da relação: uma aliança estratégica inegável, mas corroída por desconfiança mútua, agendas conflitantes e custos políticos cada vez mais altos.
Esses conflitos históricos demonstram que o elo EUA–Israel dentro do trumpismo nunca foi monolítico. Ele é, na verdade, resultado de barganhas, compensações e equilíbrios instáveis, que hoje encontram no crescimento das alas supremacistas e antissemitas do MAGA um novo fator de pressão.
Charlie Kirk — catalisador da disputa

A trajetória de Charlie Kirk dentro do trumpismo ajuda a compreender a profundidade da fissura que hoje ameaça o movimento. Fundador da Turning Point USA (TPUSA), Kirk construiu uma das maiores redes de mobilização juvenil conservadora nos Estados Unidos, ocupando espaço estratégico nos campi universitários e nas redes sociais. Sempre se colocou como aliado incondicional de Donald Trump e defensor aberto de Israel, postura que o aproximou do lobby sionista e de setores evangélicos. Em Israel, era tratado como um “embaixador informal” do trumpismo entre a juventude norte-americana.
Ao mesmo tempo, Kirk se tornou alvo prioritário das alas identitárias e conspiracionistas dentro do MAGA. Desde 2019, os Groypers liderados por Nick Fuentes passaram a hostilizá-lo publicamente em eventos, acusando-o de subserviência ao lobby judaico e de traição à verdadeira agenda “America First”. Essa tensão transformou Kirk em símbolo de uma disputa maior: entre a institucionalidade pró-Israel e a militância radical que rejeita qualquer concessão a aliados estrangeiros.
O assassinato de Charlie Kirk, em setembro de 2025, foi o estopim dessa contradição. Enquanto líderes israelenses e políticos pró-sionistas nos EUA exaltaram sua memória como a de um combatente leal à causa, milhares de mensagens em fóruns ligados ao MAGA disseminaram a ideia de que Israel teria sido responsável por sua morte. A Anti-Defamation League (ADL) registrou um surto de mais de 10 mil publicações antissemitas em poucos dias, mostrando a rapidez com que a ala conspiracionista conseguiu capturar a narrativa e transformá-la em munição contra o bloco pró-Israel.
Esse episódio não apenas expôs a fissura, mas a tornou incontornável. Kirk, que simbolizava a ponte entre juventude, conservadorismo e apoio a Israel, acabou transformado em mártir ambivalente: celebrado por uns como herói e denunciado por outros como prova da manipulação sionista. Seu destino demonstra que a divisão interna não é mais uma disputa de bastidores, mas uma guerra aberta pela hegemonia dentro do trumpismo.
O fator Epstein e a armação conspiratória

Nenhum tema expõe tão bem as fraturas internas do MAGA quanto o caso Epstein. Desde a abertura de documentos judiciais em 2024, listas de nomes atribuídas ao círculo do financista circulam em fóruns, redes sociais e canais conspiracionistas. Para o bloco pró-Israel, esse material virou munição contra o antissemitismo, já que parte das narrativas que emergem associa Epstein a uma suposta “cabala judaica global”. Para a ala supremacista e neonazista, por outro lado, o caso serve como prova de que as elites cosmopolitas — muitas vezes codificadas como “judaicas” — controlam a política e exploram os americanos comuns.
O problema é que, no MAGA, Epstein é mais do que um escândalo de pedofilia e tráfico sexual: ele se tornou um coringa retórico, manipulado por ambos os lados. Enquanto os setores conspiracionistas o usam para reforçar narrativas antissemitas e teorias sobre globalismo, os operadores pró-Israel tentam deslocar a atenção para inimigos internos e apontar que a exploração do caso é, em si, uma peça de guerra cultural antissemita. Essa disputa simbólica mostra como a mesma matéria-prima pode ser convertida em discursos totalmente opostos dentro de um mesmo movimento.
Essa instrumentalização é ainda mais grave porque Epstein conecta dois campos sensíveis para o trumpismo: a relação com elites de Wall Street e Hollywood, e a associação com figuras políticas de alto escalão, inclusive republicanos. Assim, qualquer menção ao caso desencadeia um efeito cascata: para uns, prova de que Trump é vítima de perseguição fabricada por elites judaicas e democratas; para outros, evidência de que a proximidade com Israel e com grandes financiadores mina a autenticidade da agenda “America First”.
Epstein, portanto, funciona como um prisma: cada ala do MAGA projeta nele seus inimigos, seus medos e suas justificativas. Mais do que um escândalo isolado, é um campo de batalha discursivo que intensifica a fissura entre pró-Israel e antissemitas, tornando mais difícil qualquer síntese narrativa dentro do trumpismo.
Um movimento em guerra consigo mesmo

O trumpismo, que sempre se apresentou como a síntese de todas as direitas americanas sob a bandeira do “America First”, hoje vive uma guerra interna. O bloco pró-Israel, sustentado por doadores bilionários, evangélicos sionistas e políticos disciplinados, encara de frente um magma identitário cada vez mais agressivo, que não se satisfaz com alianças externas e exige pureza ideológica. O resultado é um movimento que parece homogêneo na superfície, mas que na prática é atravessado por contradições profundas.
De um lado, a ala institucional defende que a parceria com Israel é estratégica e inevitável: garante financiamento, legitimidade religiosa e projeção internacional. De outro, supremacistas, neonazistas e conspiracionistas acusam essa lealdade de ser um sinal de submissão a interesses estrangeiros, ecoando narrativas antissemitas que se fortaleceram nos últimos anos. Entre esses dois polos, figuras políticas orbitais tentam equilibrar o discurso, mas acabam sendo tragadas pelo fogo cruzado — como ocorreu com Charlie Kirk, celebrado como aliado leal e ao mesmo tempo transformado em alvo conspiratório após seu assassinato.
Essa guerra interna não é apenas retórica: ela corrói a coerência do movimento. Cada operação israelense sem coordenação com Washington, cada escândalo de espionagem tecnológica, cada lista conspiratória como a de Epstein, reabre feridas e alimenta a suspeição de que o trumpismo está dividido entre duas almas irreconciliáveis. O que antes era visto como “pluralidade de vozes” agora aparece como risco de implosão: um movimento que já não consegue conciliar seus pilares sem se expor a contradições fatais.
Cenários futuros

A fissura interna do trumpismo entre o bloco pró-Israel e a ala supremacista/antissemita não é um detalhe de bastidor, mas um fator que pode definir o futuro do movimento. O que está em jogo não é apenas a política externa dos Estados Unidos, mas a própria capacidade do MAGA de se manter coeso em um ambiente de guerra cultural global. A seguir, três cenários possíveis ajudam a visualizar os caminhos que esse conflito pode tomar.
Cenário 1 — Aliança tensa, mas intacta.
Trump mantém o apoio institucional a Israel como eixo central da sua política externa. O lobby, os evangélicos sionistas e os aliados em Washington continuam ditando a linha dura, enquanto as franjas conspiracionistas seguem sendo toleradas desde que não ameacem a máquina eleitoral. Nesse cenário, a fissura não desaparece, mas é administrada pela lógica pragmática: vitórias eleitorais e financiamento falam mais alto que a pureza ideológica. É a continuidade do equilíbrio instável que já marcou o trumpismo no primeiro mandato.
Cenário 2 — Ruptura informacional.
Um novo episódio de espionagem ou uma operação israelense sem coordenação — como o ataque em Doha — pode radicalizar ainda mais a ala identitária contra Israel. A consequência seria um avanço do antissemitismo digital, acompanhado de pressões internas para que o governo reduza seu compromisso com Jerusalém. Não haveria ruptura diplomática imediata, mas uma corrosão lenta do consenso pró-Israel dentro da base MAGA, que começaria a se fragmentar em discursos cada vez mais hostis.
Cenário 3 — Crise aberta e implosão parcial.
Se a ala supremacista conquistar massa crítica — impulsionada por mártires como Charlie Kirk, teorias conspiratórias sobre Epstein ou escândalos tecnológicos como Pegasus —, o trumpismo pode entrar em crise aberta. Israel deixaria de ser apenas alvo retórico e passaria a ser tratado como símbolo de traição nacional, empurrando o movimento para uma cisão. Esse cenário representaria não apenas um desafio para a política externa, mas a desestabilização do próprio núcleo do MAGA, que perderia sua narrativa de coesão e poderia se fragmentar em facções rivais.
Esses cenários não são previsões fechadas, mas mapas de possibilidades. Todos apontam para um futuro onde a fissura interna do trumpismo se tornará cada vez mais visível, com impactos sobre o equilíbrio global e sobre países que orbitam a disputa, como o Brasil.
Implicações para o Brasil

A fissura interna no trumpismo não é apenas um problema da política norte-americana. Ela abre oportunidades estratégicas para países que buscam afirmar soberania em um mundo multipolar — e o Brasil está no centro dessa possibilidade. Ao mesmo tempo em que os Estados Unidos se veem divididos entre um trumpismo pró-Israel e um trumpismo radicalizado pelo antissemitismo e pelo isolacionismo, o espaço para manobra diplomática de países do Sul Global se amplia.
Para o Brasil, compreender essa divisão é vital por três razões. Primeiro, porque permite explorar a contradição entre a ala institucional republicana, presa a lobbies e compromissos externos, e a base insurgente do MAGA, que rejeita alianças internacionais. Essa contradição fragiliza a coerência estratégica dos Estados Unidos e abre espaço para que o Brasil se apresente como voz de estabilidade e de soberania no Sul Global.
Segundo, porque a instabilidade da política americana em relação a Israel pode reposicionar o Brasil como interlocutor confiável em arenas diplomáticas do Oriente Médio e da ONU. Enquanto Washington se desgasta com crises como o ataque de Doha ou a anexação de territórios, o Brasil pode defender um discurso de equilíbrio, de defesa do direito internacional e de multilateralismo, ganhando capital simbólico e fortalecendo sua liderança regional.
Terceiro, porque a guerra cultural dentro do MAGA se reflete diretamente nas campanhas de desinformação e nas redes digitais que também atingem o Brasil. A retórica antissemitista, os discursos supremacistas e as estratégias de polarização não ficam restritas aos Estados Unidos — circulam em escala transnacional. Isso exige do Brasil vigilância informacional e capacidade de resposta, tanto no campo institucional quanto no da sociedade civil.
Em outras palavras, a crise interna do trumpismo pode se converter em ativo estratégico para o Brasil, se o país souber articular sua diplomacia, fortalecer sua soberania informacional e ocupar o espaço deixado pelo desgaste americano. A fissura MAGA–Israel é, portanto, não apenas um tema da política externa dos EUA, mas uma janela de oportunidade para a democracia brasileira.
Conclusão

A relação entre o trumpismo e Israel sempre foi apresentada como inquebrantável, mas os fatos mostram que essa aliança é atravessada por contradições profundas. Por trás da fachada de unidade, o movimento vive uma guerra interna: de um lado, o bloco institucional, sustentado por doadores, evangélicos sionistas e operadores políticos que enxergam em Israel um aliado indispensável; de outro, alas supremacistas e antissemitas que veem nessa lealdade um sinal de submissão e de traição à verdadeira soberania americana. Essa fratura não é retórica, mas estratégica — e se manifesta em episódios de espionagem, em choques diplomáticos e em narrativas conspiratórias que ganham força nas redes.
O caso Charlie Kirk, convertido em catalisador dessa disputa, mostrou que a fissura já não pode ser contida. O trumpismo está diante de uma escolha impossível: manter a aliança com Israel a qualquer custo, arriscando perder parte da sua base radical, ou ceder às pressões conspiracionistas, abrindo mão de um dos pilares de sua identidade política. Qualquer caminho significa instabilidade.
Para os Estados Unidos, isso representa risco de erosão da coerência externa; para Israel, incerteza quanto ao apoio do seu maior aliado; e para o mundo, a perspectiva de um trumpismo cada vez mais fragmentado e imprevisível. Mas para o Brasil e outras democracias do Sul Global, essa crise abre uma janela estratégica: compreender as rachaduras internas do trumpismo significa identificar oportunidades de afirmação soberana, de protagonismo diplomático e de fortalecimento democrático em um cenário global marcado pela disputa informacional e pela guerra cultural.
A fissura MAGA–Israel, portanto, não é apenas uma curiosidade da política americana. É um sintoma de um tempo em que alianças tradicionais se corroem por dentro, em que as guerras culturais reconfiguram blocos de poder e em que a democracia só se sustenta se souber ler os sinais de instabilidade para transformá-los em oportunidades.
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