É o totalitarismo, estúpido
- Redação
- 13 de jul.
- 6 min de leitura

Por Julio Pegna*
Eunice Paiva, recentemente descoberta pela maioria dos brasileiros no filme Ainda Estou Aqui, é mais atual que nunca. A luta pelo reconhecimento da morte de seu marido, Rubens Paiva, é a demonstração viva da resistência e da busca pela verdade. Por isso, diante do que vem acontecendo no Brasil e no mundo, é relevante lembrar este fato histórico e desafiador.
Já que começo citando o passado, vou retroceder um pouco, voltar aos anos 1930, na Europa, quando o nazifascismo descobriu que a comunicação é a alma do negócio. Goebbels dizia que uma mentira se transforma em verdade se devidamente manipulada.
Uma década antes, lá pelos 1920, em Chicago, lembro de dois personagens reais que estão na história dos Estados Unidos: Johnny Torrio e Al Capone.
Com a Lei Seca em vigor, uma organização criminosa denominada Cosa Nostra, formada por ítalo-Norte-Americanos, espalhava o terror na região usando a chantagem como método de extorsão. O fim é conhecido, foi retratado pelo cinema; a quadrilha foi derrotada após prisão do chefe da contabilidade.
Por que trago o passado para este texto? Porque é tão atual quanto o livro de Marcelo Rubens Paiva sobre o desaparecimento de seu pai. DE VOLTA AO PASSADO Voltando ao século XXI é inevitável perceber que estamos caminhando aceleradamente de volta ao passado. A comunicação como instrumento de chantagem e terror está em ação novamente e aponta para um momento trágico como foi o período da ascensão da extrema-direita radical há 80 anos.

Não bastaram os inúmeros estudos produzidos por bravos historiadores, sociólogos, filósofos e pensadores para nos fazer compreender os erros. Não. Lideranças mundiais se utilizam dos mesmos argumentos e métodos para trazer de volta o que já deveria estar enterrado para sempre: o fundamentalismo.
Para compreender melhor a evolução deste retrocesso é preciso reler Hannan Arendt e sua obra “A Banalidade do Mal”. O combate só é possível quando a compreensão da estratégia do oponente é conhecida. Arendt diz, basicamente: O totalitarismo que manipula a realidade substitui o fato pela ficção, a verdade pela mentira. Desta forma, o pensamento crítico desaparece e o imaginário popular é tomado por uma forma de niilismo que rejeita a idéia de valores éticos e que a verdade é apenas uma construção social e subjetiva. Uma vez construída esta narrativa na sociedade, ou em parte dela, a ruptura democrática é facilmente construída com massiva aprovação popular.
Se, na metade do século XX, a ideologia capitalista em países periféricos era imposta com ouso da força, de golpes militares, hoje a tática é diferente. A manipulação das mentes é feita através da comunicação (Goebbels) e do terrorismo social (Al Capone) para, ao fim e ao cabo, obter o mesmo resultado.
A REVOLUÇÃO DA DIREITA e o apoio popular, pelo que se pode perceber, é o fator determinante. José Guilherme Merquior, um dos maiores intelectuais brasileiros, escreveu que “o fascismo tem uma ambição revolucionária” porque busca reorganizar a sociedade num modelo nacionalista e autoritário sob a máscara de “regenerar” as relações sociais.
E é exatamente isso que vemos ao redor do mundo. Países como EUA, Espanha, Alemanha, Áustria, Itália, Hungria, Israel, Argentina, Chile, Equador e tantos outros, recriaram e fortaleceram partidos políticos ultranacionalistas com todos os ingredientes citados por Hannah Arendt. Basta ver a qualidade dos parlamentares legitimamente eleitos em todas estas Nações. No Brasil não é diferente. Partidos políticos e entidades reacionárias se multiplicaram nos últimos anos e passaram a dominar a difusão de teorias conspiratórias, fake news, xenofobia, segregação social, racismo, lgbtfobia, culto ao armamentismo e à violência policial e de milícias paramilitares e, a pior de todas: a teoria capitalista da meritocracia.

É possível que a origem esteja em Olavo de Carvalho, influenciador digital que discorria sobre filosofia, religião comparada, astrologia e política, e também na ascensão de canais e perfis de ideólogos conservadores sem qualquer compromisso com a verdade. O CHIP DO CONHECIMENTO Como isso aconteceu? Através do APRISIONAMENTO TECNOLÓGICO que inseriu em cada um de nós, em qualquer parte do planeta, um chip de rastreamento que atua diretamente no cérebro e libera pílulas de “conhecimento” meticulosamente preparado para cada indivíduo de acordo a seu comportamento. O quê? Tenho um chip dentro de mim? Como assim?Se olhar para seu bolso verá um smartphone. Nele, alguns aplicativos desenvolvidos por empresas bilionárias que nos alimentam com soluções, facilidades, diversão e, principalmente, ódio.
Gigantes do Vale do Silício, AWS, Google, Microsoft e Meta, as chamadas Big Techs, detém os dados pessoais da imensa maioria das pessoas. Sabem, por exemplo, do que gostamos, aonde vamos, nossas músicas preferidas, se preferimos sushi à pizza nas sextas-feiras e, até, nossa preferência sexual. (Costumo dizer que o Google te conhece melhor que sua própria mãe!) Assim, são capazes de enviar, de forma individual, mensagens subliminares ou explícitas, tanto faz, para moldar nosso comportamento diário e alcançar objetivos quase sempre financeiros e muito, muito nebulosos. É o algoritmo, estúpido, parafraseando James Carville que disse “é a economia, estúpido” na campanha de Bill Clinton.
O ALGORITMO DO ÓDIOO tal algoritmo é um software, um código digital, desenhado para responder a cada ação do aplicativo do banco, do joguinho, do site de vendas, da rede social. Ou seja, a cada clique na tela somos direcionados para onde ELE quer, e nos dá a sensação de estar no comando. O fascismo moderno utiliza descaradamente o algoritmo como instrumento de manipulação da realidade, e atua diretamente nas sensações, no afeto, no relacionamento social e no desejo do indivíduo de uma forma tão canalha e baixa, que nos faz acreditar que somos nós que controlamos nossa vida. Só que não.

A forma mais comprovadamente eficaz é a disseminação do ódio pelas redes sociais.As próprias plataformas admitem cinicamente que o ódio engaja mais que o amor e, por isso, os algoritmos priorizam emoções intensas, comentários explosivos e polarização. Esse espalhamento de raiva desumaniza e exclui, gera a cultura do descarte, como o Papa Francisco classificou de “movimento digital do ódio”.
Este desencadeamento crescente de emoções negativas traz consequências devastadoras, principalmente nos mais jovens. Cada vez mais crianças e adolescentes são levadas a buscarapoio psiquiátrico no Brasil e no mundo devido às pressões digitais sobre a saúde mental. E, ainda pior, levam nossos jovens ao suicídio.
Esta tragédia não acontece por acaso. É uma estratégia planejada para o enclausuramento social que o fascismo aplica através, principalmente, das Big Techs. Não à toa os líderes das plataformas estavam presentes na posse de Trump, declarando apoio ao projeto totalitário que o Presidente impõe ao Estado mais poderoso da Terra.

A ruptura democrática é o sonho de consumo dos fanáticos. O caminho é a desestabilização da sociedade a ponto de nos fazer implorar pela volta à “normalidade”. Daí o caráter revolucionário do fascismo. Trilhões de dólares são investidos para atingir a finalidade criminosa amparada por uma impunidade que, apostam, a ruptura trará. É o totalitarismo, estúpido. A RESISTÊNCIAEsta semana fomos surpreendidos com uma carta de Donald Trump, publicada em um site, impondo sanções econômicas em troca da não punição a seu “amigo” Jair Bolsonaro.It is a Witch Hunt that should end IMMEDIATELY! - a caça às bruxas deve acabar IMEDIATAMENTE diz trecho da carta.
A chantagem ao velho estilo Al Capone. Imediatamente, influenciadores, parlamentares e governadores, apoiadores fascistas brasileiros autointitulados patriotas, invadiram as redes sociais declarando apoio aos EUA e atacando Executivo e Judiciário. Goebbels faria melhor! Felizmente houve reação e as redes foram inundadas por progressistas e não-progressistas que se posicionaram contra as medidas de Trump. O desfecho é imprevisível, mas demonstra que existe capacidade de movimentação democrática capaz de derrotar a onda fundamentalista radical. Mas é preciso mais. É necessário identificar os financiadores e articuladores da estratégia de destruição da Democracia. Também é preciso proteger o Brasil da ganância por dados que as plataformas extraem diariamente e que geram legiões de idiotizados úteis.
Os Estados Unidos possuem a maior rede de armazenamento de dados do mundo, correspondente a 40% de todos os DataCenters existentes e é imperativo retirar este poder das mãos de quem detém esta arma poderosa. O Brasil precisa desenvolver sua própria rede de armazenamento seguro e inviolável. É urgente e necessário para preservar nossa frágil Democracia. É a guerra da informação. A tecnologia está a serviço do bem e do mal, e o caminho somos nós que temos que decidir. E se os EUA quiserem despejar no Brasil o Agente Laranja e Bombas Napalm, como no Vietnã, ou Bombas Atômicas, como no Japão, aí perderemos numa guerra convencional por sermos mais fracos. Mas na guerra digital podemos competir e vencer. A resistência de Eunice Paiva venceu.
Júlio Pegna, economista, estudioso de processos eleitorais e publicitário de mídias sociais
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