Entre a feira-livre vazia e a mesa ocupada por golpistas: os agenciamentos de enunciação
- Luís Delcides

- 13 de ago.
- 3 min de leitura
A feira-livre vazia numa sexta-feira revela mais que crise econômica: expõe o avanço silencioso da extrema-direita, que articula ataques políticos e simbólicos para gerar medo, desinformação e instabilidade no país

Por Luís Delcides <advogado e jornalista>
Sexta-feira, desde os meus tempos da tenra infância até a minha vida adulta, convivo com a feira-livre. Atualmente, sou acordado às 04h00 pela minha cadela, pois ela fica incomodada com o primeiro feirante a chegar com seus dois caminhões para montar a barraca mais extensa da feira daqui da rua.
Eu sempre vou ao meio-dia. Pelo preço estar um pouco mais convidativo e também pelo exercício do meu trabalho. Tiro parte da sexta-feira para estudar, atualizar, colocar leituras em dia e produzir um pouco meus artigos. A feira é o meu intervalo, o tempo que separo para dar aquela volta e olhar para a vizinhança.
Me surpreendo com a barraca da banana: uma dúzia da banana nanica estava R$ 5,00. Me surpreendi, já que costumo pagar 7 ou 9 reais a dúzia. O dono da barraca disse que o movimento estava fraquíssimo. Sim, realmente hoje estava muito fraco.
Depois, encontro com o pessoal da barraca de frutas. Converso com o dono, que está com um probleminha para resolver. Entreguei meu cartão de visita, conversamos um pouco e pode ser que vire negócio até a próxima semana.
No entanto, descendo um pouco mais, percebo: vazio, muito vazio, sentimento estranho, expressões de medo, apreensão. Não havia atropelo. Dava para circular livremente pela feira-livre do bairro.
Interessante: ao ler o texto do Rey Aragon “Os cenários de uma nação em disputa”, na etapa 2, há a “Análise de Cenários”, onde ele menciona uma articulação de ataque multifacetado e coeso. O objetivo dessa junção é criar um estado de exceção informal e uma instabilidade para tornar o governo refém.
Logo, para a Gina, Nina, Cleusa, Maria, José, David e tantos outros circulantes pela feira, ou para Cauê, Maurício, Renato, Denise, que dependem dos outros para defender seu ganha-pão, a culpa é do Lula e a solução está na volta de um perfil mais aguerrido, mais próximo da linguagem das massas.
Esse é o perigo, gente! A extrema-direita opera uma Máquina Abstrata de Mutação, como dizem Deleuze e Guattari na obra “Mil-platôs”. É uma máquina que opera por descodificação e desterritorialização, por sempre se encontrar em estado de fuga e com máquinas de guerra operando em linhas.
Os senadores, ao ocupar as cadeiras e mesas e acorrentarem-se na mesa, operavam em linha. Ao mesmo tempo, a imprensa hereditária, como diz Xico Sá, se conectava a esses operadores parlamentares. É preciso mencionar os deputados também, ao ocupar a mesa — inclusive um deputado barbudão, conhecido por um episódio de agressão a um repórter do ICL, que sentou e ficou balançando os pés sobre a mesa — continuam as suas intensidades.
Logo, o golpe não para. É continuado. É um agenciamento de enunciação, como diz Guattari: a apreensão de um fato psíquico que toma corpo como fato e processo expressivo. Esses operadores — parlamentares das principais casas federais (Câmara dos Deputados e Senado) — e há um plano para travar as Assembleias e as Câmaras Municipais, se tratam de um agenciamento de enunciação.
Por outro lado, não se pode virar as costas para os Conselhos Tutelares, as igrejas, os jornais de bairro, jornais locais. Ou seja, toda a política é ao mesmo tempo macro e micropolítica. É da percepção — pois, como diz Maurice Merleau-Ponty em “Fenomenologia da Percepção”, é preciso assimilar o contexto percebido sem confundir com as divagações.
A extrema-direita se utiliza de mecanismos coletivos de inibição. E o aparelho utilizado pelos tais “tios do pavê” é a desinformação, o medo — principalmente para gerar pavor por “conciliações” rasas, como aquele deputado-pastor que pediu perdão ao Presidente da Câmara dos Deputados, ou um outro deputado-sargento-pastor desfilando com uma bíblia na mão e circulando pelos corredores da Câmara.
Assim, para arrematar e fazer a conexão final entre a feira vazia e a mesa ocupada por deputados direitosos, é preciso ter coragem e força para fortalecer apoios e estratégias. Na feira, joga aquela conversa no feirante para conseguir um descontinho ou uma combinação de valores para você ganhar na compra.
Outra estratégia é conversar com aqueles seus amigos e mostrar que o vizinho-pastor é um cara perigoso e manipulador. Por isso, fique esperto! Especialmente com o soldadinho de quepe cinza, que paga de super-herói do bairro e vai na oração da alvorada.
Por isso, é necessário atenção redobrada. Ou seja, reorientar conceitos e práticas como forma de criar vetores para a emancipação. Daí a importância de você visitar e apoiar financeiramente este espaço e colaborar com o trabalho do Código Aberto — principalmente lendo os artigos e ensaios de Rey Aragon e Sara Goes.




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