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Vão confiscar nossas reservas?

  • Foto do escritor: Rey Aragon
    Rey Aragon
  • 27 de jul.
  • 23 min de leitura

Após as ameaças e a escalada com os EUA, cresce o risco de o Brasil ter bilhões em reservas internacionais congelados por potências estrangeiras — como já aconteceu com a Rússia e a Venezuela. Este artigo revela o plano, os perigos e o que pode ser feito antes que seja tarde demais.


Um breve preâmbulo 


A OTAN, a Organização do Tratado do Atlântico Norte, é frequentemente tratada como um ator distante das questões econômicas. Mas isso é um erro perigoso. Trata-se de uma aliança militar fundada em 1949 e liderada pelos Estados Unidos, cuja função original era conter a influência soviética. Não é um bloco comercial, nem uma entidade financeira — é uma máquina geopolítica de coerção estratégica. No entanto, ao longo das últimas décadas, a OTAN passou a exercer influência direta sobre decisões econômicas, especialmente quando essas decisões envolvem o controle de recursos, rotas comerciais ou alianças políticas fora do eixo ocidental.


Sanções, congelamento de ativos e pressões financeiras passaram a ser aplicadas com o mesmo peso que ações militares — como parte de uma nova lógica de guerra híbrida, onde o dólar, os bancos e as reservas são usados como armas. E o Brasil, ao entrar na mira da aliança por suas relações com países como Rússia e China, pode ser o próximo alvo desse tipo de operação.



Introdução – O aviso da OTAN e o sinal vermelho para o Brasil


Em 15 de julho de 2025, uma fala quase despercebida pela grande imprensa brasileira foi proferida com a frieza típica das ameaças imperiais. O novo secretário-geral da OTAN, Mark Rutte, declarou que o Brasil, a China e a Índia “poderão sofrer consequências econômicas graves” caso continuem mantendo relações comerciais com a Rússia, em especial na compra e revenda de petróleo. As palavras não deixaram margem para interpretação: “isso poderá atingir vocês de forma muito forte”.


Essa declaração ocorreu no mesmo dia em que o presidente Donald Trump anunciou novas tarifas de até 100% sobre importações russas, e senadores dos Estados Unidos propuseram taxações de até 500% sobre países considerados facilitadores do comércio energético russo — com o Brasil explicitamente citado. Desde então, Washington escalou sua ofensiva. As tarifas contra produtos brasileiros, que começaram com 10% em abril, subiram para 50% em julho, com aplicação prevista já para o dia 1º de agosto. O objetivo é claro: estrangular economicamente o Brasil até que o país se alinhe à estratégia geopolítica da OTAN.


Mesmo sendo, historicamente, um dos maiores mercados consumidores de produtos americanos, o Brasil é agora tratado como ameaça estratégica. O discurso da “competição desleal” usado por Trump para justificar as tarifas não se sustenta diante dos números: nas últimas duas décadas, os Estados Unidos acumularam um superávit comercial de mais de 40 bilhões de dólares nas relações bilaterais com o Brasil. Trata-se, portanto, de uma guerra por poder, e não por equilíbrio.


O alerta da OTAN não foi uma bravata diplomática, mas sim o prenúncio de uma nova fase da guerra híbrida: a financeira. E nesta guerra, o Brasil se encontra perigosamente vulnerável. Ao longo das últimas duas décadas, acumulou centenas de bilhões de dólares em reservas internacionais — uma política que visava proteger a economia de crises externas, mas que hoje expõe o país ao risco de asfixia econômica. Isso porque a maior parte dessas reservas está sob controle de instituições financeiras localizadas em países da OTAN, em especial nos Estados Unidos e na Europa.


Ou seja, o povo brasileiro guarda o cofre da sua soberania econômica na casa do inimigo.


Dados oficiais do Banco Central revelam que pelo menos 25% das reservas internacionais brasileiras — algo entre 83 e 100 bilhões de dólares — estão sob jurisdição direta de países que hoje ameaçam o país com retaliações econômicas. E o Brasil não possui instrumentos jurídicos, institucionais ou diplomáticos para impedir que essas reservas sejam congeladas, redirecionadas ou mesmo confiscadas, como já aconteceu com Venezuela e Rússia.


A guerra que se insinua não será travada com tanques ou mísseis, mas com sanções, congelamento de ativos, exclusões do sistema financeiro internacional e chantagens diplomáticas. E o roteiro já foi escrito, testado e aplicado. O Brasil está na lista. E o que está em jogo não é apenas nossa economia: é a soberania de uma nação que ousou se posicionar fora da órbita dos impérios.


História repetida: Venezuela e Rússia como ensaios de guerra financeira



Quando se trata da política internacional praticada pelas potências imperialistas, a “inovação” costuma ser apenas a repetição de estratégias de dominação sob novas roupagens. O confisco de reservas cambiais de países considerados hostis não é uma hipótese futura: é uma realidade testada, aplicada e institucionalizada. A Venezuela e a Rússia foram os laboratórios dessa nova fase da guerra híbrida — uma guerra travada não por mísseis, mas por bancos centrais, redes de pagamentos e operadores financeiros a serviço da ordem ocidental.


O caso da Venezuela: o sequestro das reservas e a institucionalização da pirataria.


Em 2019, sob pretexto de "reconhecimento internacional" do autoproclamado presidente interino Juan Guaidó, os Estados Unidos e seus aliados europeus iniciaram uma série de bloqueios contra a Venezuela. Bilhões de dólares pertencentes ao Banco Central da Venezuela foram congelados em instituições como o Federal Reserve (EUA), o Citibank, e o Bank of England. Neste último caso, mais de US$ 1,8 bilhão em ouro depositado em Londres foi ilegalmente negado ao governo legítimo de Nicolás Maduro. A Corte britânica, mesmo reconhecendo que o controle de fato do país permanecia com Maduro, considerou que, por razões políticas, Guaidó era o "chefe de Estado reconhecido" e, portanto, o ouro lhe pertencia.


Esse foi o marco do colapso do princípio da imunidade soberana. As reservas de um Estado nacional passaram a ser tratadas como ativos passíveis de disputa política, acessíveis à vontade de potências externas. Não se tratava de sanções tradicionais ou embargos comerciais. Era, literalmente, o roubo legalizado de fundos soberanos.


Ao mesmo tempo, o sistema financeiro internacional — liderado pelo SWIFT, pelo FMI e pelas agências de classificação de risco — isolou Caracas, travando pagamentos, impedindo transações e sufocando a economia venezuelana. O país, na prática, teve seu sistema monetário desconectado da infraestrutura global, algo impensável até então.


O caso da Rússia: a guerra formalizada em confisco financeiro.


Três anos depois, em 2022, os EUA e a União Europeia impuseram o maior confisco da história recente: mais de US$ 300 bilhões das reservas internacionais russas foram congelados em bancos centrais e fundos soberanos no Ocidente. Parte significativa desses ativos estava depositada no Federal Reserve, no Banco Central Europeu, e na Euroclear, que atua como depositária global de títulos públicos.


O objetivo era claro: paralisar a capacidade da Rússia de reagir economicamente à guerra na Ucrânia. A retórica da segurança nacional foi mobilizada novamente. Mas desta vez, foi além: em 2024, o Congresso dos EUA aprovou o chamado REPO Act (Rebuilding Economic Prosperity and Opportunity for Ukrainians Act), autorizando oficialmente o confisco definitivo de cerca de US$ 60 bilhões das reservas russas para financiar a reconstrução da Ucrânia — uma violação direta da Convenção de Viena e da imunidade de jurisdição estatal prevista no direito internacional.


Com isso, o confisco deixou de ser apenas um congelamento. Ele se tornou um mecanismo ativo de redistribuição geopolítica de riqueza: a Rússia, na prática, teve parte de sua poupança nacional redirecionada para financiar os interesses de seus adversários. Uma nova era de pirataria estatal havia sido inaugurada — com chancela legal.


O precedente está estabelecido. O Brasil está seguro?


Se a Venezuela foi o ensaio, e a Rússia foi o campo de testes real, o Brasil, agora, é o próximo elo vulnerável de uma cadeia em plena expansão. O que essas experiências ensinam é simples e brutal: nenhuma reserva cambial está segura se estiver sob custódia de instituições financeiras do Ocidente. A soberania, nesse contexto, não depende da posse do ativo, mas da jurisdição sob a qual ele está guardado.


A analogia é clara: não adianta ter bilhões em títulos do Tesouro dos EUA se é o próprio Tesouro quem pode, politicamente, determinar o seu bloqueio. Não adianta manter ouro no exterior se os bancos centrais estrangeiros reconhecem governos paralelos. Não adianta acumular reservas se elas podem ser sequestradas ao menor sinal de “desalinhamento estratégico”.


No caso brasileiro, o risco é ainda mais grave. O país é parte formal de instituições dominadas por Washington, como o FMI, o Banco Mundial e o sistema SWIFT. Não possui instrumentos financeiros paralelos suficientemente desenvolvidos, e mesmo suas tentativas de integração com mecanismos alternativos (como os BRICS) ainda são tímidas e simbólicas. Em outras palavras: o Brasil possui reservas, mas não possui soberania sobre elas.


Como o Brasil chegou a esse Nível de vulnerabilidade financeira?



O acúmulo de reservas internacionais pelo Brasil foi, à primeira vista, uma estratégia legítima. A partir de 2003, os governos progressistas buscaram reconstruir a soberania cambial do país após décadas de submissão ao FMI, ataques especulativos e crises de balanço de pagamentos. O objetivo era claro: blindar o Brasil de choques externos, garantir a confiança dos investidores e aumentar o poder de manobra do Estado frente à pressão do dólar. E, de fato, houve conquistas concretas — o país se tornou credor líquido em dólar, pagou sua dívida com o FMI e passou a ser visto como um ator estável no sistema financeiro global.


Entretanto, a forma como essas reservas foram constituídas, geridas e alocadas criou uma armadilha estrutural que hoje coloca o Brasil em posição de fragilidade estratégica. A lógica seguida foi a de acumular dólares por meio de superávits comerciais e fluxo de capital estrangeiro, convertê-los em reais via operações de esterilização do Banco Central, e aplicar o grosso desses recursos em ativos de alta liquidez — principalmente títulos públicos dos Estados Unidos, depósitos em bancos centrais europeus e obrigações financeiras de instituições sob controle da OTAN.


Essa estratégia foi vendida como “prudente” e “tecnicamente neutra”. Mas, na prática, ela significou depositar a poupança nacional nos cofres do império financeiro, com todas as consequências geopolíticas que isso acarreta.


A ilusão da neutralidade cambial: acumular reservas em dólar é reforçar o império


O erro fundamental da política cambial brasileira foi o pressuposto de que o sistema financeiro internacional operava com base em normas estáveis e previsíveis — como se o dólar fosse uma moeda “neutra”, e não um instrumento de poder do império americano. Esse pressuposto, influenciado por escolas ortodoxas da macroeconomia e pela captura institucional do Banco Central por tecnocratas globalistas, ignorou uma evidência histórica: em tempos de disputa hegemônica, a moeda dominante se torna arma.


Ao concentrar suas reservas em títulos do Tesouro dos EUA, o Brasil passou a financiar, com recursos próprios, o aparato militar e político do país que mais interfere em sua soberania. E mais: entregou parte significativa da sua capacidade de ação econômica ao risco político de Washington.


Em 2024, mais de 80% das reservas internacionais brasileiras estavam aplicadas em ativos denominados em dólares e sob jurisdição de países da OTAN, segundo o Relatório de Estabilidade Financeira do próprio Banco Central. Isso equivale a mais de US$ 270 bilhões potencialmente expostos ao arbítrio de potências estrangeiras. O restante está diluído em euros, libras e, em menor medida, ienes e yuans — mas mesmo esses ativos são, em grande parte, custodiados por instituições financeiras ocidentais.


O Banco Central independente e o desmonte da soberania monetária


Outro fator que agravou a vulnerabilidade foi a aprovação da “independência” do Banco Central, formalizada em 2021. Sob o discurso técnico de “autonomia operacional”, o BC passou a operar cada vez mais como um ente à parte da soberania nacional, guiado por metas inflacionárias, critérios de risco internacional e parâmetros ditados pelas grandes casas financeiras globais. Em vez de pensar a política monetária e cambial como instrumentos de desenvolvimento, o BC se tornou guardião da ortodoxia, da estabilidade para os credores e da submissão cambial.


Hoje, o Brasil não possui mecanismos reais para alterar sua política de alocação de reservas de maneira estratégica, nem para proteger seus ativos em caso de conflito geopolítico. A tecnocracia financeira nacional continua operando sob o dogma da neutralidade cambial — mesmo quando o mundo já entrou numa era de multipolaridade conflagrada, guerra híbrida e bloqueios financeiros.


A negligência com alternativas sul-globalistas


Mesmo com o avanço do BRICS+, com a criação do Novo Banco de Desenvolvimento e com a crescente parceria com China, Rússia, Índia e países africanos, o Brasil hesitou em criar mecanismos efetivos de desdolarização e realocação de ativos. O NDB (Novo Banco de Desenvolvimento) continua subutilizado. O comércio em moedas locais entre Brasil e Argentina foi abandonado sob pressão do mercado. As reservas em ouro são tímidas, e os investimentos em ativos estratégicos do Sul Global são irrisórios. O país continua ancorado ao dólar como se estivesse em 1994, mesmo quando a história grita que esse arranjo está ruindo.


O Brasil chegou até aqui pela soma de boas intenções, pragmatismo econômico e cegueira geopolítica. Mas a realidade agora exige outra postura: não há soberania nacional com reservas sob custódia do inimigo. E a história recente de outros países mostra que o preço da ingenuidade é a asfixia.


O Cofre está no inimigo: Onde estão as reservas brasileiras hoje?



Ao final do primeiro semestre de 2025, o Brasil acumulava aproximadamente 342 bilhões de dólares em reservas internacionais, segundo os dados mais recentes do Banco Central. Esse montante, que inclui moedas estrangeiras, títulos públicos, depósitos em bancos centrais estrangeiros, ouro e Direitos Especiais de Saque junto ao FMI, é frequentemente apresentado como um dos principais pilares da estabilidade macroeconômica nacional. Entretanto, uma análise geopolítica revela uma contradição grave: embora juridicamente pertençam ao Brasil, essas reservas estão majoritariamente sob o controle físico e jurídico de instituições financeiras localizadas em países da OTAN. Em outras palavras, o cofre da soberania econômica brasileira está trancado dentro da casa do inimigo.


Mais de 70% dessas reservas estão aplicadas em títulos públicos de países centrais, sobretudo dos Estados Unidos, Reino Unido e Alemanha. Cerca de 250 bilhões de dólares foram direcionados para papéis emitidos por governos estrangeiros que, em teoria, garantem liquidez e segurança. Mas o que acontece quando esses mesmos governos passam a considerar o Brasil um “aliado da Rússia” ou um “facilitador de comércio energético ilegal”? O restante das reservas está pulverizado entre depósitos em bancos estrangeiros (cerca de 10% do total), ouro (5,7%), Direitos Especiais de Saque do FMI (aproximadamente 6,7%) e outras posições em moedas e derivativos. Porém, o elemento mais crítico dessa arquitetura é a jurisdição sob a qual esses ativos estão registrados.


Quase a totalidade das reservas brasileiras está sob a custódia de instituições como o Federal Reserve Bank of New York, o Bank of England, o BIS da Suíça, o BNP Paribas, o JPMorgan Chase, o Deutsche Bank, o Bank of New York Mellon, o UBS e outras entidades financeiras que operam sob a jurisdição direta dos países centrais do Atlântico Norte. Isso significa que, em caso de escalada da atual guerra tarifária ou de uma acusação formal de colaboração com regimes sob sanções ocidentais — como Rússia, Irã ou até mesmo China —, o congelamento desses ativos poderia ser decidido em Washington, Londres ou Bruxelas, sem qualquer aviso prévio ou mecanismo de defesa efetivo por parte do Brasil.


Um cenário como esse não é especulação alarmista. É uma possibilidade concreta, ancorada em precedentes recentes como o confisco de reservas da Venezuela e da Rússia. Especialistas em direito internacional e finanças soberanas admitem, hoje, que pelo menos 270 a 290 bilhões de dólares das reservas brasileiras podem ser congelados ou redirecionados por decisão unilateral da OTAN, caso o país seja formalmente enquadrado como “ameaça à ordem internacional” ou acusado de burlar sanções energéticas. O impacto de um gesto como esse seria devastador: comprometeria a estabilidade do real, interromperia importações vitais, aumentaria drasticamente o risco-país e colocaria o Brasil à beira de uma crise cambial aguda — tudo isso sem o disparo de um único tiro, apenas com a manipulação do sistema financeiro global.


A contradição é brutal. O Brasil acumulou reservas para se proteger da instabilidade internacional, mas as guardou exatamente nas mãos dos que produzem essa instabilidade. É como preparar um colete à prova de balas e depois deixá-lo no colo de quem aponta a arma. A soberania financeira, portanto, não se mede apenas pela quantidade de reservas, mas sobretudo pela localização, pela custódia e pela capacidade de resgate desses recursos em momentos de crise. E nesse quesito, o Brasil está perigosamente vulnerável.


Quanto o Brasil pode perder: O custo econômico do confisco total


Se a OTAN decidir acionar contra o Brasil o mesmo protocolo financeiro aplicado à Rússia e à Venezuela, o impacto seria catastrófico. Um congelamento total ou parcial das reservas cambiais sob jurisdição estrangeira implicaria na perda imediata de liquidez internacional, no colapso da confiança no real e na inviabilização do funcionamento do Estado em áreas essenciais — como importação de medicamentos, peças industriais, fertilizantes e até combustíveis. Estaríamos diante de uma espécie de “ataque cardíaco econômico”, cujo gatilho seria acionado não por tanques, mas por interfaces bancárias em Nova York, Londres ou Frankfurt.


Hoje, o Brasil possui cerca de 342 bilhões de dólares em reservas internacionais. Deste total, algo em torno de 270 a 290 bilhões — aproximadamente 80% — está sob jurisdição de países da OTAN. Esses ativos estão aplicados em títulos do Tesouro americano, obrigações soberanas de países europeus, depósitos no Federal Reserve, no Banco da Inglaterra, em instituições como BNP Paribas, Deutsche Bank, JPMorgan, UBS, BIS e outros grandes bancos comerciais e centrais do Ocidente. Se, como parte de uma nova escalada geopolítica, esses países alegarem que o Brasil viola sanções ao vender petróleo refinado para a Rússia ou importar óleo cru iraniano, por exemplo, não há qualquer barreira legal real que os impeça de seguir o precedente estabelecido contra Moscou e Caracas.


Nesse cenário, o Brasil perderia o acesso imediato a mais de 1,4 trilhão de reais em ativos, considerando a cotação atual do dólar. Esse montante representa cerca de 12% do PIB nacional, e mais de 20 vezes o orçamento anual do Ministério da Saúde. Trata-se de uma quantia suficiente para desestruturar toda a engrenagem de equilíbrio fiscal e cambial do país. Sem acesso a essas reservas, o Banco Central perderia sua principal ferramenta de estabilização do real, os importadores não conseguiriam fechar contratos internacionais, o risco-Brasil explodiria, e a fuga de capitais se tornaria uma profecia autorrealizável. A confiança externa desapareceria, e o país mergulharia em uma crise similar à que atingiu a Argentina ou a Turquia — mas em escala muito maior.


Além do impacto direto sobre a economia, um confisco total ou parcial das reservas comprometeria o próprio funcionamento do Estado. Parte das reservas é usada como garantia de solvência em contratos internacionais, lastro de operações de crédito, apoio à balança de pagamentos e instrumento de credibilidade externa. Sem acesso a esses recursos, o Brasil poderia ser rebaixado pelas agências de risco, expulso de sistemas de pagamentos internacionais e isolado de linhas de crédito fundamentais. Um Estado sem reservas é como uma família sem dinheiro no banco: qualquer imprevisto pode se transformar em tragédia.


Outro efeito colateral seria o colapso das cadeias produtivas dependentes de importações críticas — como insumos médicos, defensivos agrícolas, semicondutores, reagentes e peças industriais. O Brasil não fabrica tudo que consome e depende, em muitos setores estratégicos, de compras externas. Com o congelamento das reservas, o país perderia a capacidade de pagar por essas importações. Haveria escassez, inflação descontrolada e desorganização do sistema produtivo. Seria o fim da ideia de “estabilidade” que a acumulação de reservas prometia garantir.


É importante destacar que o confisco de reservas não exige guerra formal ou sanção prévia. Basta uma decisão política coordenada entre os países da OTAN, apoiada em qualquer justificativa — como defesa dos direitos humanos, combate ao terrorismo, ou alegações de comércio com regimes sob sanção. O Brasil não possui uma estrutura de defesa financeira capaz de resistir a esse tipo de ataque. Não temos sistemas alternativos de pagamento robustos, nem reservas em ativos juridicamente blindados, nem integração suficiente com arranjos financeiros do Sul Global.


Estamos, portanto, expostos — e de forma assimétrica. O país que tem uma das maiores reservas cambiais do planeta também é, paradoxalmente, um dos que menos controle efetivo possui sobre elas. O confisco, nesse contexto, deixaria de ser apenas uma ameaça para se tornar uma ferramenta real de chantagem política. Bastaria uma ordem de cima — e a engrenagem brasileira travaria.


O confisco como guerra híbrida: mecanismos, justificativas e precedentes jurídicos


O confisco de reservas internacionais não é apenas um gesto de força econômica — é uma operação militar disfarçada de normalidade financeira. Trata-se de uma modalidade sofisticada de guerra híbrida, executada por tecnocratas, legalistas e operadores do sistema bancário global. Seus alvos não são bases militares ou oleodutos, mas fluxos de capital, contratos de custódia e ativos estratégicos de Estados considerados “inimigos”. A guerra, aqui, é travada sem tanques: o campo de batalha são os sistemas de pagamento, as agências de compliance, os bancos centrais e as cortes internacionais manipuladas por interesses imperiais.


Nos últimos anos, os EUA e seus aliados da OTAN consolidaram uma doutrina informal, porém cada vez mais explícita: se um país não se alinha à geopolítica do Ocidente, pode ser financeiramente isolado, paralisado e expropriado, sob qualquer justificativa fabricada. Foi assim com o Irã, a Líbia, a Venezuela, o Afeganistão e, sobretudo, a Rússia. Em todos esses casos, o instrumento utilizado não foi a invasão física, mas o bloqueio de acesso ao sistema financeiro internacional, o congelamento de reservas soberanas e a manipulação dos códigos legais internacionais para justificar o roubo.


O mecanismo costuma seguir um padrão. Primeiro, estabelece-se uma narrativa: o país alvo estaria violando “normas internacionais”, “ameaçando a segurança regional”, “financiando grupos terroristas” ou “atacando a democracia”. Em seguida, governos ocidentais acionam seus bancos centrais e sistemas judiciais para congelar as reservas sob sua custódia. Ato contínuo, instituições como o SWIFT, o FMI, o Banco Mundial e a OCDE entram em cena para garantir que esse confisco se converta em isolamento total. Trata-se de uma engenharia de asfixia — uma OTAN financeira — que substitui tanques por planilhas, sanções por sistemas, e mísseis por memorandos jurídicos.


No plano legal, a arma utilizada é a doutrina da exceção. Cortes britânicas e americanas, por exemplo, vêm reinterpretando o princípio da imunidade soberana sob alegações de “emergência internacional”. No caso da Venezuela, o ouro depositado no Bank of England foi negado a Caracas com o argumento de que Londres reconhecia Guaidó como presidente. No caso do Afeganistão, as reservas foram confiscadas e redistribuídas a vítimas do 11 de setembro. Com a Rússia, criou-se uma lei ad hoc — o REPO Act — para legalizar a transferência de ativos russos para a reconstrução da Ucrânia. Em todos esses exemplos, o direito internacional foi reconfigurado segundo a conveniência da política externa dos Estados Unidos.


O ponto nevrálgico dessa estratégia é que ela não exige consenso multilateral. Não passa pela ONU, não demanda aprovação de conselhos internacionais, tampouco precisa estar amparada por tratados amplamente reconhecidos. Basta que os países que detêm a infraestrutura financeira global — EUA, Reino Unido, Alemanha, França, Bélgica, Suíça, Japão — decidam agir. E que consigam articular o discurso. O resto é narrativa. Não importa se o Brasil é um parceiro comercial relevante. Não importa se não há guerra declarada. O que conta é o alinhamento político e estratégico.


A guerra híbrida, nesse estágio, se manifesta como uma guerra de jurisdições, de normas, de controle informacional sobre o que é legal e o que é criminoso. E nesse tabuleiro, o Brasil é vulnerável não só pela localização de suas reservas, mas pela submissão de sua elite política, financeira e judicial à lógica do Ocidente. A dependência jurídica é tão perigosa quanto a cambial: basta um juiz britânico ou um procurador americano ativar o dispositivo — e as reservas desaparecem. Sem disparar um único tiro. Sem qualquer compensação. Sem reação possível.


Se o século XX viu os países periféricos serem saqueados por dívidas, ajustes estruturais e privatizações, o século XXI inaugura era: a do saque digital e do confisco jurídico como ferramentas imperiais de controle e punição. É uma guerra invisível, mas profundamente eficaz — porque atinge a espinha dorsal da soberania estatal: a capacidade de decidir, de financiar, de existir economicamente.


Por que o Brasil é um alvo real: guerra tarifária, BRICS+, petróleo e soberania


Não há mais espaço para ingenuidade: o Brasil está, neste exato momento, no radar das grandes potências como um ator incômodo, dissonante e potencialmente subversivo à ordem econômica e política imposta pelo eixo EUA-OTAN. A escalada das tarifas impostas por Donald Trump em julho de 2025 é apenas a face visível de um processo mais profundo de retaliação estratégica. A ofensiva comercial não se restringe ao aço, ao etanol ou aos alimentos — trata-se de um sinal direto ao governo Lula, ao Itamaraty, ao BNDES, ao Ministério da Defesa e, sobretudo, à política externa que vem sendo conduzida desde o retorno ao poder: altiva, ativa e voltada para a construção de uma nova ordem multipolar.


O Brasil, ao lado de China, Rússia, Índia, Irã, África do Sul e outros países do BRICS+, tem protagonizado articulações que contrariam frontalmente os interesses geoestratégicos do Ocidente. A criação de instrumentos alternativos ao dólar, os acordos bilaterais em moedas locais, os investimentos cruzados em infraestrutura energética, os fundos de desenvolvimento autônomos e a reativação de eixos diplomáticos soberanistas (como o Unasul e a Celac) representam ameaças reais à hegemonia do dólar como moeda global. E mais: ameaçam o controle informacional e financeiro que o Ocidente mantém sobre o Sul Global por meio de sistemas bancários, classificadoras de risco, plataformas digitais e mecanismos de dívida.


Mas o ponto mais sensível — e potencialmente explosivo — é o petróleo.


Em maio e junho de 2025, surgiram reportagens e vazamentos sugerindo que o Brasil estaria exportando combustíveis refinados para países que, direta ou indiretamente, abastecem a Rússia. A triangulação de petróleo pelo Sul Global tem sido tratada por think tanks e agências ocidentais como "fura-sanções" — mesmo que feita de forma legal e dentro dos acordos da OMC. Essa narrativa está sendo construída para justificar, em breve, ações mais duras: sanções financeiras, bloqueios de contas, suspensões de acordos comerciais e, no limite, o congelamento de reservas internacionais.


O mesmo tipo de acusação foi feito contra a Índia, contra a Turquia e até contra a China. Mas o Brasil tem uma vulnerabilidade adicional: suas reservas internacionais estão presas no Ocidente. E seu sistema bancário, embora robusto internamente, é quase completamente dependente das engrenagens jurídicas e cambiais do Norte global.


Além disso, a recondução do Brasil a um papel de liderança ambiental, energética e diplomática — como visto nas COPs, nos fóruns da ONU, no G20 e nas articulações com países africanos — vem sendo observada com desconfiança pela Casa Branca, pelo Departamento de Estado e pelo lobby militar-industrial que orbita Washington. Para esse complexo de poder, o Brasil está voltando a ser o que foi nos anos 2000: um país com ambições de autonomia, de liderança regional e de articulação anticolonial.


Esse “pecado” não fica impune.


A guerra tarifária, que se intensificou desde o início de julho, é só a primeira etapa de uma estratégia maior. Ao sufocar setores industriais, desestabilizar a balança comercial e gerar pânico nos mercados, Trump busca testar os limites de reação do governo brasileiro. Mas o passo seguinte é previsível: a construção narrativa de que o Brasil é conivente com inimigos do Ocidente — especialmente a Rússia e o Irã —, o que permitiria justificar uma ação coordenada de bloqueio financeiro e confisco de reservas.


É importante lembrar: o mesmo foi feito com a Rússia em 2022, com a Venezuela em 2019 e com o Irã há décadas. Basta a construção de um discurso, a circulação coordenada de relatórios, e o apoio das agências de inteligência e da mídia corporativa internacional. O Brasil, por sua posição estratégica, por sua riqueza energética, por sua capacidade de articulação regional e por sua disposição em contrariar a ordem unipolar, é hoje um alvo real. E talvez o próximo.


O que acontece se o cofre for roubado: colapso cambial, quebra de Importações e paralisia estatal


Um confisco coordenado das reservas brasileiras por países da OTAN, sob qualquer justificativa — seja geopolítica, tarifária, ambiental ou de segurança energética — resultaria num colapso sistêmico sem precedentes na história recente da economia nacional. Seria o equivalente econômico a uma hecatombe: um Estado impedido de pagar, importar, garantir serviços básicos, lastrear sua moeda ou financiar sua própria defesa. E o mais grave: tudo isso sem um único disparo, apenas pela manipulação de sistemas de custódia e controle monetário global.


O primeiro impacto viria sobre o real. Privado de suas reservas, o Banco Central perderia a capacidade de intervir no câmbio. Em questão de dias, a moeda brasileira sofreria uma desvalorização acelerada — não apenas pela fuga de capital especulativo, mas também pela paralisia das expectativas produtivas e comerciais. A inflação importada explodiria, e o custo de vida se tornaria insustentável para a maioria da população. Medicamentos, combustíveis, alimentos, fertilizantes, componentes eletrônicos e insumos hospitalares — tudo que depende de importação seria imediatamente afetado. A elite teria dólares no exterior. O povo teria escassez.


Em paralelo, as cadeias logísticas entrariam em colapso. Empresas que dependem de matérias-primas e peças importadas ficariam impossibilitadas de operar. O setor agrícola, apesar de sua potência, é hoje profundamente dependente de fertilizantes e defensivos estrangeiros. O setor hospitalar depende de fármacos e insumos que não são produzidos em escala local. A indústria automobilística, a construção civil, a infraestrutura de saneamento, a manutenção de equipamentos — todos seriam diretamente impactados. A roda do país pararia.


Com o colapso cambial e comercial, viria o estrangulamento fiscal. Sem reservas, o Brasil perderia acesso a crédito externo, seria rebaixado pelas agências de risco e enfrentaria uma súbita explosão da dívida interna, que se tornaria impagável. O Tesouro, já pressionado, veria sua capacidade de honrar compromissos internos derreter. Estados e municípios entrariam em colapso, hospitais parariam, escolas fechariam, programas sociais seriam interrompidos — e o caos se tornaria visível nas ruas.


Esse cenário, longe de ser alarmista, já foi vivido por outros países periféricos em contextos de bloqueio: a Venezuela, o Irã e mais recentemente a Rússia, que apesar de seu poderio militar, sofreu um congelamento de mais de 300 bilhões de dólares em ativos internacionais. Mas o caso brasileiro seria mais grave, porque se trata de um país com enorme exposição externa, sem sistema de pagamentos alternativo robusto, com reservas centralizadas no Ocidente e com uma elite econômica profundamente colonizada — que não hesitaria em transferir seus capitais para Miami ao menor sinal de crise.


Não se trata, portanto, de apenas um problema técnico. Trata-se de uma ameaça existencial ao Estado brasileiro. O confisco das reservas é uma arma silenciosa, mas devastadora. E ela está apontada hoje para o Brasil, como parte de uma guerra híbrida que se intensifica a cada novo gesto de autonomia, a cada nova parceria Sul-Sul, a cada nova recusa em seguir o roteiro escrito em Washington e Bruxelas. Se essa arma for disparada, não será apenas a economia que entrará em colapso. Será o próprio pacto de funcionamento do país que desmoronará.


O que fazer: nomear a guerra e mobilizar a nação


O primeiro passo para resistir a uma guerra é reconhecê-la. E o Brasil, hoje, está sob ataque. Um ataque invisível, silencioso, sem tanques ou aviões, mas que avança pelas tarifas, pelos bancos, pelas ameaças veladas e pela arquitetura de dependência que amarra nossa soberania ao dólar, aos tribunais estrangeiros e aos algoritmos de risco desenhados em Wall Street. Chamar isso de "ajuste" ou "pressão comercial" é um erro fatal. Estamos diante de uma guerra híbrida — e ela já começou.


Nomear a guerra é nomear o inimigo. E o inimigo, neste caso, é um sistema internacional que permite que trilhões de dólares em ativos dos países do Sul Global estejam sob controle físico e jurídico do Norte. O inimigo é um circuito de dependência construído pela via da "responsabilidade fiscal", das "boas práticas de governança", do "livre mercado" e da "estabilidade monetária", que hoje funciona como cativeiro. O que está em jogo não é apenas o valor do real, mas o direito do Brasil de existir como Estado soberano.


A resposta precisa ser estratégica, sistêmica e inegociável. O Brasil deve imediatamente começar a relocalizar parte significativa de suas reservas internacionais para instituições sob jurisdições amigas ou neutras. Isso inclui a diversificação para bancos centrais do Sul Global, como os da China, da Índia, da África do Sul e de países árabes. Deve ampliar o uso de moedas alternativas ao dólar em suas transações comerciais, fortalecer o NDB (banco dos BRICS) como alternativa real ao FMI, e acelerar a construção de um sistema próprio de pagamentos que não dependa do SWIFT ou de entidades norte-americanas.


Além disso, é preciso adotar uma doutrina de defesa financeira nacional, baseada em três pilares: (1) diversificação jurisdicional de reservas, (2) fortalecimento de instrumentos estatais de crédito e seguridade, e (3) blindagem constitucional contra sanções estrangeiras. O Brasil deve ter, como política de Estado, a missão de impedir que seus ativos fiquem vulneráveis a pressões externas. Isso inclui repensar sua matriz de reservas, mas também sua política de contratos, seus tratados internacionais e sua arquitetura legal de governança econômica.


Mas nenhuma estratégia será eficaz se não vier acompanhada de mobilização. A elite política precisa entender o que está em jogo. O Congresso Nacional deve ser pressionado a legislar sobre a proteção das reservas. O Judiciário deve ser convocado a assumir um papel de defesa da soberania jurídica do país, e não de executor de interesses externos. Os militares, se de fato se consideram defensores da pátria, precisam abandonar o silêncio estratégico e se posicionar com clareza: ou estão com o Brasil, ou estão com os bancos estrangeiros.


Acima de tudo, o povo precisa saber. Precisamos de uma campanha pública, educativa, nacional, que explique o que são reservas internacionais, onde estão, quem pode confiscar e por quê. Só assim será possível construir o lastro político necessário para uma mudança estrutural. A soberania não é uma abstração: é uma engrenagem. E ela precisa de cada parafuso, de cada alavanca, de cada cidadão.


A história está nos chamando — mais uma vez — a decidir de que lado queremos estar: do lado dos que obedecem, esperam e são saqueados; ou do lado dos que constroem, enfrentam e ousam existir. O tempo é agora. E o cofre precisa voltar para as mãos do povo.


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