Sara Goes avisou
- Redação
- há 5 dias
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Confesso que a vontade de me gabar de ter avisado é forte. No jornalismo digital, onde a atenção é a moeda mais valiosa e a credibilidade de um novo site como o nosso, o <código aberto>, está em construção, dizer "eu avisei" é uma tática para se impor em meio à cacofonia de grandes jornais como o The Intercept Brasil. Então, permitam-me o momento de "cringe" para dizer: eu avisei.
O texto que escrevi sobre o PL da Devastação (PL 2159/21) e a sabotagem do futuro digital no Nordeste não foi um exercício de futurologia, mas sim um alerta baseado em fatos. Infelizmente, a realidade se impõe com força. O Senado aprovou o projeto que, com emendas de última hora, cria a "Licença Ambiental Especial", substituindo a análise técnica por uma autodeclaração. A consequência direta é a legalização da irresponsabilidade ambiental em nome do "desenvolvimento".
O caso do data center do TikTok em Caucaia, aqui no meu Ceará, é a prova viva dessa lógica. Um projeto de infraestrutura crítica, com consumo energético de 2,2 milhões de brasileiros, recebeu uma licença ambiental similar à de um parque de vaquejada. Essa classificação de "baixo impacto" só é possível porque a ausência de regras nacionais específicas e a flexibilização da legislação ambiental abrem a porta para a negligência.
Enquanto a engenharia do futuro digital é construída, o território e a vida das comunidades locais são ignorados. O povo indígena Anacé, que protesta contra a construção e pede a suspensão do licenciamento, denuncia essa lógica colonial que consome os recursos hídricos da região sem diálogo prévio.
O que o The Intercept Brasil e outros grandes veículos estão noticiando agora é a materialização exata do que o <código aberto> já alertava. O futuro digital do Nordeste está sendo construído sobre alicerces frágeis, sacrificando a sustentabilidade e os direitos dos povos tradicionais em nome de um progresso que não nos pertence. A luta por um licenciamento ambiental justo e pela soberania digital é a luta pela nossa própria terra.
Um data center de alto desempenho, operado pela empresa chinesa ByteDance (controladora do TikTok), começou a ser construído no município de Maracanaú, no Ceará, sem licenciamento ambiental e sem qualquer consulta aos povos indígenas da região. O caso ganhou repercussão nacional após denúncias da comunidade Anacé, que ocupou a entrada do canteiro de obras e exigiu a imediata suspensão do empreendimento.
O terreno onde o centro de dados está sendo erguido integra o Parque Natural das Serras e Riachos de Maracanaú, área de proteção permanente criada por lei municipal em 2009, com ecossistemas frágeis, cavernas e nascentes. A construção já avança sobre a vegetação nativa, desrespeitando o que determinam a legislação ambiental brasileira e a Convenção 169 da OIT, que garante o direito à consulta prévia, livre e informada dos povos originários.
A prefeitura e a empresa afirmam que não há irregularidades, alegando que o projeto está sob jurisdição estadual e que ainda está em fase de “revisão documental”. Mas a ausência de licenciamento e a supressão de vegetação em área protegida indicam graves violações à legislação vigente, em especial após a aprovação, no Senado, do Projeto de Lei 2.159/2021, que enfraquece os mecanismos de fiscalização e favorece empreendimentos de alto impacto com base em autodeclaração e adesão simplificada.
O projeto aprovado retira a obrigatoriedade de Estudo de Impacto Ambiental (EIA-Rima) em grande parte dos casos, reduz prazos de análise e flexibiliza exigências para instalação de empreendimentos de infraestrutura. A nova legislação permite, por exemplo, que empreendimentos de alto risco ambiental sejam licenciados por via digital, sem vistorias técnicas nem audiências públicas, esvaziando o papel dos órgãos ambientais e da sociedade civil no processo.
Especialistas alertam que a instalação de data centers de grande porte não pode ser tratada como um simples projeto logístico. Essas infraestruturas exigem altíssimo consumo de energia e água, geram calor em grandes proporções e têm impactos sistêmicos sobre os territórios onde se inserem. Além disso, concentram e armazenam dados sensíveis da população brasileira, sem que haja clareza sobre a jurisdição e o tratamento legal dessas informações.
O caso do TikTok se insere num contexto mais amplo de disputa geopolítica por soberania digital e acesso a minerais estratégicos, com Estados Unidos e China competindo por infraestrutura computacional no Sul Global. Ao mesmo tempo, o Brasil enfrenta a pressão de interesses estrangeiros e da própria elite empresarial local para flexibilizar a legislação ambiental e acelerar a entrega de terras, recursos e dados em nome do “progresso”.
Lideranças indígenas e ambientalistas apontam que o Ceará pode se tornar um laboratório da devastação legalizada, onde a lógica da exceção ambiental se impõe como regra para atrair investimentos tecnológicos. A luta da comunidade Anacé, nesse cenário, é emblemática: trata-se não apenas da defesa de um território, mas de um projeto de país onde a tecnologia não seja sinônimo de colonialismo, apagamento cultural e destruição ecológica.
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